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Vinho quente, macarrão frio

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

É uma delícia ir ao restaurante sozinho. Sentar-se à mesa, relaxar, pedir o prato predileto. Desfrutar em silêncio, às vezes acompanhado por um bom livro. Mas é preciso uma certa coragem. O olhar do maître incomoda! Mal me sento, vem um garçom:

– Está esperando mais alguém?

– Não, sou só eu.

Ele quase me pergunta:

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– Mas o que faz aqui, ocupando uma mesa inteira?

Retira o outro prato e os talheres. Atira o cardápio. Em alguns locais, abro o menu e descubro que quase todos os pratos são para dois! Pergunto:

– Fazem meia porção?

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– Sim, mas cobramos uma taxa extra.

Ou seja, metade da porção não custa meio preço!

Se há fila, quando me inscrevo, recebo um olhar torto. Para depois assistir até o último casal passar à minha frente. Em restaurante japonês, não há dúvida. A mocinha aponta:

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– Senta no balcão!

Deve haver um cálculo por trás dessa atitude. Uma pessoa decerto come menos que duas. Será? Basta olhar minha barriga rotunda para inferir que dou conta de uma avalanche! Maîtres e garçons parecem ver algo de errado. Como se eu fosse um fracassado incapaz de arrumar companhia! É um erro, muitas vezes fatal.

Um amigo, crítico de culinária, foi anonimamente a um restaurante recém-lançado. Os garçons atendiam todas as mesas, menos a dele. Quase teve de se atirar da cadeira e agarrar o maître pelas pernas para obter um cardápio. Demorou quarenta minutos para conseguir fazer o pedido. O vinho chegou quente e o macarrão, frio. Até hoje o dono do endereço não entende a crítica tão negativa!

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Costumo me vestir de maneira um tanto relaxada, principalmente nos dias em que saio sem compromisso. Basta o maître olhar meu tênis, o jeans e a camisa com um botão estourado no umbigo para me jogar na mesa do fundo! Onde fico esbravejando horas para conseguir um refrigerante! Caio em lágrimas ao ver o couvert do grupo da mesa ao lado, que se sentou depois de mim!

Já cometi a loucura de ir sozinho a um rodízio em pleno domingo. Paguei o mesmo que os outros, já que o preço é tabelado. Os espetos voavam sobre minha cabeça. Eu estendia a mão para agarrar o que fosse: lingüiça, picanha, cupim. Inútil. Só serviam as famílias ruidosas, animadas! Fui obrigado a chamar o gerente para receber dois bifinhos queimados! Em restaurante luxuoso, então, nem me atrevo!

E o pior: sou obrigado a reconhecer que em alguns casos os profissionais estão certos. Gente sozinha pode ser uó! Uma vez, em um dos restaurantes mais caros da cidade, deparei com um conhecido, já na vigésima taça de vinho. Narrava sua vida ao maître, que tentava se safar. Ao me ver, chorou de saudade. Ainda bem que eu estava acompanhado. Quando me sentei, cravou os olhos na minha mesa, pronto para pousar. Chamei o maître.

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– Faça o que for preciso, mas não quero que ele se sente à minha mesa. Estou resolvendo um negócio.

Mentira pura. Queria ficar livre! Já ouvi, certa vez, em uma cantina, uma senhora contar a vida toda ao garçom. Abria a carteira e mostrava as fotos.

– Esta aqui é minha filha que foi para os Estados Unidos, com meus netos. Eles falam inglês. Estão muito bem, porque ela…

– Com licença, estão me chamando na outra mesa.

– Depois volta que vou mostrar meus gatos!

É injusto que o avulso seja condenado aos fast-foods. Ou que sofra com o descaso. Mas também precisa aprender a não pular sobre os outros como uma galinha no poleiro. Quem está bem consigo mesmo pode até estar sozinho. Nunca solitário!

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