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Veleiro Eilean volta ao mar após três anos de reformas

A reconstrução da embarcação histórica consumiu cerca de 10 milhões de reais

Por Adriana Marmo
Atualizado em 5 dez 2016, 13h46 - Publicado em 28 nov 2014, 23h00

Eilean tem 78 anos, mas nem parece. Recentemente, passou por uma espécie de cirurgia plástica tão perfeita que trouxe de volta o mesmo frescor com o qual deixou o estaleiro Fife & Son, na Escócia, em 1936, para conquistar outras águas. Ao longo de sua vida, pertenceu a seis proprietários, foi palco de romances, competições, acidentes e carregou velejadores apaixonados. Deslizou por mais de 150 000 milhas náuticas (270 000 quilômetros, o que significa quase sete voltas ao redor do planeta), cruzando o Canal da Mancha, o Mediterrâneo e o Atlântico. E ainda viveu momentos de pop star nos anos 1980, ao servir de cenário para o clipe Rio, da banda Duran Duran. Mas a vida deste veleiro do tipo ketch – ou seja, com dois mastros ó, de 70 pés (22 metros), não foi só calmaria. Uma tormenta e a falta de dinheiro do último dono para recuperar os estragos, em 2004, acabaram arrastando o Eilean para um manguezal na ilha caribenha de Antígua, onde ele quase morreu. Afogado.

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Os ventos mudaram para este veleiro em novembro de 2006, quando Angelo Bonati, CEO da Offcine Panerai, marca italiana de relógios, o avistou. Muito de sua estrutura encontrava- se debaixo d’água, os dois mastros estavam quebrados e parte de sua madeira fora consumida por cupins. “As linhas sóbrias e elegantes desenhadas por Fife haviam sido preservadas e poderiam ser revividas”, diz Bonati. “Gelei de tanta emoção.” Fundada em Florença, em 1860, por Giovanni Panerai, a relojoaria da Piazza San Giovanni virou fornecedora ofcial da Marinha italiana no começo do século XX. Em 1916, patenteou uma invenção sob medida para os mergulhadores: o radiomir, um pó à base de rádio que torna números e ponteiros luminosos. Vinte anos mais tarde — no mesmo ano em que o Eilean saía do estaleiro —, às vésperas da II Guerra Mundial, dez unidades do chamado relógio de pulso Radiomir foram produzidas para o comando do Primo Gruppo Sommergibili. Carro-chefe da Panerai,  o modelo mantém hoje aspectos dos originais, como a caixa de aço de 47 milímetros e a pulseira larga de couro resistente à água. O encontro deu início a mais uma epopeia na vida desse veleiro. Como estava agonizando, ele precisou viajar a bordo de um cargueiro até o estaleiro Francesco del Carlo, em Viareggio, na Itália. Lá, com a supervisão do velejador Enrico Zaccagni, começou o processo de restauração. Feito por dezenas de mãos de artesãos, o restauro durou três anos e consumiu cerca de 10 milhões de reais. O principal desafio foi recuperar o maior número possível de componentes originais. “A restauração representa um ato de amor para com o mar”, diz Bonati.

 

O atual capitão do veleiro, o inglês Andrew Cully, também participou da reconstrução e contou com uma ajuda fundamental: o clipe de cinco minutos da banda inglesa. “Sem exageros, vi aquele flme mais de mil vezes. Além de recorrer a fotos históricas, assistíamos à gravação para tirar dúvidas sobre cores, formas e materiais. Hoje, não posso sequer ouvir aquela música”, brinca. Cully falou dessa repulsa ao próprio Simon Le Bon, vocalista do Duran Duran, enquanto os dois velejavam a bordo do Eilean por águas italianas da Ligúria no começo deste ano. Antes de ir embora, o cantor escreveu no livro de bordo sobre a alegria de retornar para ouvir a água batendo no casco do Eilean.

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Estar dentro dessa joia desenhada por William Fife III, um construtor escocês que tem como marca um dragão pintado no casco e arranca suspiros dos homens do mar, é uma experiência. Sapatos ficam do lado de fora para proteger a madeira que recobre a embarcação. As acomodações são espartanas, mas elegantes como o seu desenho. Há dois quartos para a tripulação e outros dois para hóspedes, que não medem mais de 2 metros de comprimento por 2 de largura cada um e acomodam um beliche e um armário. Quando o Eilean está atracado, seu silêncio é rompido apenas pelo ranger das cordas que o amarram ao porto. A vida aqui começa bem cedo, junto com os raios de sol, quando parte da tripulação faz a limpeza e o lustro dos elementos de metal. “Em um veleiro é preciso ser obsessivo com a organização e a limpeza”, diz Cully. “São quilômetros de cordas e quilos de velas que necessitam estar em ordem.” Ao contrário do que ocorre nos veleiros novos, o trabalho de levantar as velas, função que consome cerca de quarenta minutos, e o de baixar a âncora são totalmente manuais. Esse último pede quatro braços fortes para subir e descer o acessório. O motor é usado apenas em casos de calmaria extrema, por isso o barulho é um misto do vento e da água na proa.

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O Eilean tem uma vida tranquila hoje. Ele é uma espécie de aparição lendária em uma série de regatas históricas nas águas do Atlântico e do Mediterrâneo, patrocinadas pela relojoaria italiana. Além de navegar com clientes a bordo e sempre arrancar suspiros de outros navegadores ó foi assim no Porto de Impéria, na Ligúria, em julho passado. O capitão fez as manobras para atracar o barco aos gritos de um velejador em férias, o francês Jean-Luc Tissou. “É uma miragem?”, gritava ele, eufórico. Em 2002, Tissou velejava no Caribe quando avistou o Eilean pela primeira e única vez. “Não pude acreditar quando vi essa beleza de longe.” Dois anos mais tarde, ouviu marinheiros dizendo que o veleiro escocês havia sofrido um acidente e afundado. “Senti uma dor no peito. E, agora, que alegria ver essa joia viva novamente!”

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