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Vamos dançar?

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Leio com certo encanto uma reportagem de jornal sobre mulheres que tiram homens para dançar em certos salões, pagando pela dança, e sobre homens que ganham a vida como dançarinos pagos. Nada mais moderno e nada mais antigo.

Moderno porque não poderia acontecer senão hoje. Impensável que mulheres de vinte, quarenta, cinqüenta anos atrás pudessem chegar a um salão de dança desacompanhadas, escolher um homem para dançar e pagar pelo tempo das evoluções. Impensável que mulheres de 70, 60 ou 30 anos de idade tivessem então coragem e oportunidade para isso. Não existiam essas mulheres, nem esses homens, nem esses salões. Mas existiam as danças.

Danças em que havia cumplicidade pelo resultado, convenções, comando masculino gentil, variedade, floreios, visibilidade. Salões iluminados, tudo às claras. Não era uma exibição – e era. É esse estilo que elas buscam.

A dança dos jovens de hoje é mais solta. Não existe isso de não saber dançar. No escuro da pista, a luz estroboscópica favorece quem não sabe. Qualquer duro de cintura tem apenas de bater ora um pé ora outro no ritmo do pancadão eletrônico para se dar bem. A dança é individual, cada um mexe com o que pode e sabe, sem o estorvo de outro corpo a que é preciso estar atento, sem o perigo de se embaraçar nos pés de um parceiro ou parceira. Bailam separados porque já não é necessária a desculpa da dança para enlaçar, colar e beijar: o amor é livre e a dança também. O som altíssimo pode ser club, house, tecno, rock, funk – é só ir seguindo a pancada com pés e braços enérgicos, punhos fechados, sinal de vigor.

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A reportagem estampada no jornal dizia que mulher pagar dançarinos por uma dança, uma hora, ou uma noite “virou moda” em Fortaleza; a internet me informa que, além de existir no Rio e em São Paulo, o “taxi-boy” existe também em Porto Alegre.

Escrevi taxi-boy de propósito, para remeter o leitor (os que se lembram ou já ouviram falar) à época do dancing. A “moda” é uma inversão total do que acontecia nos dancings. Neles, as mulheres, chamadas taxi-girls, bailarinas ou dançarinas, ficavam sentadas num lado do salão; o homem tirava uma delas para dançar, por quanto tempo quisesse; quando parava, puxava do bolso um cartão do estabelecimento, que ela levava ao picotador e este o perfurava conforme o número de músicas dançadas. Pagava na saída. Agora, é o homem que faz o papel da taxi-girl.

Os valores mudam. Não se faz drama da vida do bailarino, como se fazia com as mulheres no tempo em que Angela Maria lançou o sucesso que dizia: “Quem descerrar a cortina / da vida da bailarina / há de ver, cheio de horror / … / que ela é forçada a enganar / não vivendo pra dançar / mas dançando pra viver”. Os homens são blindados.

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Não confundam com aulas de danças de salão – academias, instrutores, personal dancers –, modinha meio chique estimulada pelo quadro Dança dos Famosos, da televisão. Nada disso. Elas não estão indo para aprender: já sabem. Vão se divertir, curtir. Acabaram-se os bingos? Vamos à dança.

Claro que há bares e clubes onde elas poderiam dançar sem pagar aos dançarinos. Diante da concorrência mais jovem, correriam o risco de tomar chá de cadeira. Não querem perder a noite. E não é que sejam todas sem marido. Há os que não sabem dançar e as levam para os floreios dos profissionais.

Ingenuidade pensar que é nostalgia. É vida, calor.

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O que se busca? O contato, o calor de um corpo, mas também a arte, a manha, a artimanha da dança a dois, o abraço com fundo musical, a criatividade instantânea do passo, a resposta ao desafio de acompanhar, a versatilidade dos parceiros, a satisfação de sair-se bem nas passagens difíceis e inesperadas, a viagem.

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