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Vendedora passará Dia das Mães junto da filha, na UTI há mais de um ano

Laysa, bebê de Armelinda Andrade, nasceu com apenas 630 gramas e está hospitalizada desde seu nascimento

Por Aretha Yarak
Atualizado em 1 jun 2017, 16h52 - Publicado em 9 Maio 2015, 00h00

Laysa nasceu com apenas 630 gramas. Há quase quinze meses ela luta bravamente pela vida dentro da unidade de tratamento intensivo (UTI) Neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo. Devido a complicações variadas no nascimento, muito prematuro, já foi submetida a doze operações. Mesmo em meio a prognósticos pouco animadores, ela resistiu a tudo e começou a ganhar peso, até atingir a marca atual de 10 quilos, um pouco acima da faixa das crianças de sua idade.

A equipe médica, que se surpreende a cada dia com sua capacidade de resistência, deu-lhe o carinhoso apelido de “Gordinha”. No mês passado, ela venceu outra batalha, dessa vez contra uma infecção no abdome. Agora, a bebê está sendo preparada para uma nova cirurgia, a fim de tratar uma hidrocefalia (o acúmulo de líquido no crânio). Os especialistas acreditam que, se tudo der certo, será a última intervenção — o passo decisivo para a alta da garota.

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A pequena e risonha guerreira é acompanhada de perto diariamente pela mãe, a vendedora Armelinda Andrade do Nascimento, de 34 anos. “A minha vida é a Laysa. Ela me ensinou o verdadeiro significado do amor de mãe.” Neste domingo (10), as duas vão celebrar seu segundo Dia das Mães dentro do hospital. “Meu presente é ela estar viva”, afirma Armelinda.

Nascida com apenas 26 semanas de gestação, Laysa foi uma prematura extrema. Nessa fase, o pulmão, ainda em desenvolvimento, não consegue trabalhar sozinho. Por isso, a grande maioria dos bebês vai direto para uma incubadora com respiração sincronizada, temperatura aquecida a 35 graus e umidificação de 90%. “Atualmente, o índice de sobrevida dessas crianças é de 70%. Na década de 80, não passava de 20%”, explica a neonatologista Filomena Bernardes de Mello, chefe do setor intensivo do Santa Joana.

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No Brasil, segundo os últimos dados disponíveis do Ministério da Saúde, o número de prematuros (com menos de 37 semanas) cresceu 80% entre 2007 e 2012. As causas mais comuns são múltiplas gestações, infecções e condições crônicas, como diabetes e hipertensão. O problema de Armelinda teve início dois meses antes de Laysa nascer. Uma série de fatores, entre eles a morte repentina do pai, levou a aumentos sucessivos na pressão sanguínea. A isso se somou uma infecção urinária que precisou ser administrada com antibióticos.

Com 25 semanas degestação, Laysa foi diagnosticada em estado de sofrimento fetal. Isso ocorre quando a placenta não fornece todos os nutrientes necessários ao bebê. Às 20 horas do dia 23 de fevereiro de 2014, foi feita a cesárea. “Ela era tão pequena que achei que não fosse sobreviver”, lembra a mãe. “Minha gravidez foi muito esperada e planejada, jamais imaginei que passaria por tudo isso.”

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Quando a balança mostrou os 630 gramas, os especialistas já sabiam que se tratava de um caso preocupante. Dos cerca de 18 000 registros anuais do Santa Joana, apenas 1,3% é de prematuros extremos. O caso recordista nesse quesito foi o de uma menina nascida com 380 gramas em junho de 2011. A criança sobreviveu e teve alta depois de 260 dias.

Setenta e duas horas após o parto de Laysa, a vendedora tirava leite no lactário do hospital quando foi chamada à UTI. “Minha filha estava muito fraca. Saí chorando, não aguentei ficar na sala.” Na ocasião, a menina havia sofrido uma hemorragia pulmonar e os batimentos cardíacos tinham despencado a um nível perigoso. “Foi uma situação bastante grave, com grande risco de vida. Mas, felizmente, conseguimos contorná-la”, recorda a neonatologista Filomena.

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Depois de algumas semanas, ocorreu outro momento delicado, quando a recém nascida desenvolveu um quadro de insuficiência renal e teve de implantar um cateter para fazer diálise. O problema só foi superado depois de dez dias. Para enfrentar as ocasiões mais difíceis, a vendedora conta com a ajuda de uma psicóloga, da família e de outras mães que conheceu no hospital.

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Como frequenta o local há mais de um ano, presenciou dramas de outras mulheres que perderam ali seus bebês. “Sofri como se fosse minha própria filha”, conta. “Na UTI, você cria laços com as pessoas na mesma condição e acaba sendo um pouco mãe de todos os pequenos.” Depois do nascimento de Laysa, a relação com o marido se estreitou. “Aprendemos a ser pacientes e a conversar mais”, conta o segurança Valter José da Silva, de 34 anos.

Ainda é cedo para saber quais as sequelas que a prematuridade e tanto tempo de internação vão deixar. Entre as possibilidades estão a perda parcial da visão e alguma dificuldade respiratória e motora. De acordo com a psicóloga Silvana Rabello, da PUC-SP, que se especializou no estudo das relações entre mães e filhos, a situação extrema em que vivem e a proximidade do dia a dia são elos que ajudam a construir um vínculo muito estreito.

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“Algumas mães acabam se tornando superprotetoras, pela fragilidade da criança e pelo período em que ela viveu entre a vida e a morte”, diz. “Meu amor por ela é tão grande que às vezes me dá receio de ter um segundo filho e não conseguir amá-lo tão intensamente”, afirma a vendedora.

Desde que Laysa nasceu, a rotina de Armelinda mudou radicalmente. Depois da licença-maternidade, ela se afastou da empresa onde trabalha até que o estado de saúde da criança melhore. Para viver apenas com a renda do marido, o casal passou a contar com a ajuda financeira da mãe de Armelinda e dos pais de Valter, deixou o imóvel alugado no Campo Limpo, na Zona Sul, e foi viver na casa de uns tios no Jardim Paulista, na Zona Oeste. Pesou também nessa decisão o fato de o novo bairro ficar mais próximo ao Santa Joana. Os fins de semana em festinhas com o marido e os amigos saíram de cena.

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Hoje, a mãe vai religiosamente todos os dias à UTI, onde chega a ficar cerca de dez horas. “Nunca amamentei ou dei banho”, lamenta. Só quando a bebê completou 2 meses ela pôde pegá-la pela primeira vez no colo — e por apenas cinco minutos. “Foi o dia mais maravilhoso e tenso da minha vida”, lembra. “Era uma criança pequena e frágil, e cercada por muitos fios. Fiquei com medo de machucá-la ou desligar algum equipamento.”

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Armelinda nunca escutou a voz da filha. Nos primeiros meses, Laysa, assim como outros prematuros, não tinha força sequer para chorar. Com as seguidas intubações, ainda não aprendeu a falar. Nos dias em que vê crianças brincando na rua, a mãe procura afastar os pensamentos da comparação inevitável. “Passa pela cabeça essa coisa de ‘porque foi diferente com a gente’, sabe? Mas sei que o importante é que ela está viva.”

Atualmente, Laysa está internada em uma unidade específica de longa permanência, criada há três anos para abrigar bebês sem previsão de alta. A decoração dos 22 leitos inclui papéis de parede e móbiles de plástico, tudo para criar um ar mais parecido com o de um quarto. A média de estada, no entanto, é de cinco meses. “Ela é uma exceção porque esteve perto de ir embora diversas vezes, mas foi ficando”, explica a médica Maria Cristina Garcia Fernandez, uma das especialistas encarregadas atualmente do caso.

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Mãe e filha passam o tempo todo brincando ou assistindo a desenhos infantis. “Laysa adora ver Galinha Pintadinha e Peppa Pig, fica toda concentrada”, diverte-se Armelinda. Em fevereiro, no aniversário de 1 ano, ela organizou uma festa no local, com direito a bolo e refrigerante, e convidou as quatro equipes de plantão. “Veio todo mundo dar os parabéns e tirar foto.”

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A sobrevida só foi possível devido aos avanços da medicina nas últimas décadas. “Antes, não havia recursos nem conhecimento para fazer cirurgias em bebês muito pequenos”, diz a neonatologista Filomena. Atualmente, esses procedimentos são tão comuns que existem até equipes especializadas. Houve ainda uma evolução da alimentação parenteral.

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Segundo Alice Deutsch, coordenadora da UTI neonatal do Hospital Albert Einstein, os bebês passaram a receber uma nutrição mais completa e direcionada. “Conseguimos incluir, por exemplo, a metionina, um aminoácido essencial para o desenvolvimento”, explica. Os respiradores também estão mais delicados e com tamanho adequado, um avanço para evitar problemas pulmonares e de retina. 

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Em dezembro do ano passado, Laysa teve a tão sonhada previsão de alta. Ela deixaria a UTI em janeiro, ainda com uma traqueostomia feita em dezembro para ajudar a criança a respirar. Os pais saíram às pressas para comprar os móveis e deixar tudo pronto no esquema home care. Mas o problema de hidrocefalia cancelou temporariamente os planos. “Ficamos arrasados, pois já havíamos reorganizado a vida para recebê-la”, conta Valter, que trocou o turno de trabalho para o período noturno a fim de poder ficar com a filha durante o dia e permitir a volta da mulher ao trabalho.

Agora, se tudo correr bem, Laysa tem chances de sair do Santa Joana em algumas semanas. “Vai ser a realização de um sonho poder passar a primeira noite com a minha filha”, emociona-se Armelinda.

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