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Um casal lançador de tendências e apaixonado por casas centenárias ressuscita uma botica do século XIX

O endereço se dedica a quem busca produtos, entre outras frescuras, inspirados em receitas antigas atualizadas com tecnologia cosmética

Por Silvano Mendes, de Paris
Atualizado em 5 dez 2016, 13h46 - Publicado em 28 nov 2014, 23h00

Por volta dos anos 1740, as elegantes carregavam uma caixinha de madeira cujo conteúdo tinha o poder de acalmar chiliques e reanimar os espíritos. Eram os vinagres de flores ou de especiarias, poções aromáticas destiladas pelos boticários que conquistariam o status de principal cosmético do século XIX até os anos 1930. Deaspirados, os vinagres passaram a ser aplicados na pele, com propriedades de limpar e fechar os poros, restabelecendo o pH. A inovação no gesto tornou um boticário – Jean-Vincent Bully – célebre a ponto de inspirar o escritor Honoré de Balzac a dedicar um capítulo de A Comédia Humana a um perfumista, o personagem César Birotteau. Na vida real e na fcção, ambos alcançam o sucesso seguido da bancarrota. No caso de Bully, a fortuna veio dos chamados vinaigres de toilette, atração da loja estabelecida no 259 da Rua Saint-Honoré, na Parisde 1803.

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O fim abrupto, em 1830, se deu com a revolução que depôs o rei Carlos X. A Bully funcionou com outros donos, quando desapareceu em 1939 sem, aparentemente, deixar rastro. Até que um catálogo com os produtos de Jean-Vincent caiu nas mãos de um casal apaixonado pelo passado, graças a um amigo antiquário de Londres. “Era um material rico e lindamente ilustrado, que nos fez querer trazer a Bully de volta”, diz Victoire de Taillac, que,junto com o marido, Ramdane Touhami, inaugurou o endereço em abril, no bairro parisiense de Saint-Germain-des-Près. Victoire e Touhami têm uma carreira na indústria de ponta da moda. Expert em beleza, ela tocou um escritório de comunicação que atendeu a Colette, a multimarcas parisiense. Ele esteve à frente de várias lojas (uma delas em sociedade com os estilistas Marc Jacobs e Jeremy Scott) nos anos 1990.

A Buly é a terceira empreitada do casal no ramo dos cosméticos e a segunda a ressuscitar uma marca de outrora. É deles a iniciativa da perfumaria dedicada a marcas de nicho, Parfumerie Générale, e a da loja de velas perfumadas CireTrudon, uma manufatura francesa de 1643. A nova botica fica no número 6 da Rua Bonaparte. Entre o Rio Sena e a Escola de Belas Artes, o endereço exala história. Quem entra aqui faz uma viagem no tempo, graças ao balcão de nogueira, às ilustrações que decoram as paredes e à música clássica ao fundo. Tudo é, na verdade, uma obra de ficção. O espaço, antes ocupado por uma galeria de arte, reproduz uma farmácia do começo do século XIX. A reconstituição durou três anos e contou com a participação de artesãos franceses especializados em móveis antigos, pintores que restauraram as vigas de madeira do teto e ceramistas italianos que usaram fornos etruscos para fabricaros ladrilhos do piso um a um.

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A Bully versão 2014 perdeu um ÒLÓ (para evitar coincidir com um palavrão em inglês), mas preserva a nomenclatura de“Ofcine universelle” na fachada. Curiosamente, a estrela de Jean-Vincent não está entre os produtos em oferta, que vão de leite hidratante e pomada a pasta de dentes. O mais perto do vinaigre de toilette é a Eau Superfne, água destilada para limpar a pele do rosto. O nome dos produtos, aliás,assim como as embalagens, ecoam essa outra era da cosmética – pomada Virginale, Eau de la Belle Haleine (água do bom hálito). “Aqui, voltamos às origens: perfumar, hidratar, proteger”, afrmaTouhami. Em um mercado cada vez mais competitivo,Touhami e Victoire tentam encontrar um lugar entre os gigantes dos cosméticos e nomes como Santa Maria Novella, em Florença, uma botica quatrocentenária que permanece a favorita dos amantes de produtos à moda antiga (italiana que será preciso recorrer para testar a eficácia dos vinaigres de toilette, assim como a marca de velas Dyptique, com frascos de 55 euros). Para isso, bem além da decoração e das embalagens, o casal seguiu os passos de Jean-Vincent e inovou para manter “um pé no passado e o outro no futuro”, como resume o empresário. Prova disso são os perfumes à base de água, as Eau Double e Eau Triple (110 euros). “Desde o século XIX, quase todas as fragrâncias usam álcool, que amplifica o odor”, explica Victoire.

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As águas, assim como toda a linha, são feitas num laboratório na Normandia especializado em cosméticos orgânicos. “Nós a passamos no corpo como uma loção, da mesma forma que os antigos vinaigres, e isso muda a relação que temos com o perfume, banalizada pela vaporização das eaux de toilette.” A diferença, porém, vem também do retorno de um velho hábito: vender matérias-primas pesadas na hora. “Algumas clientes chegam com receitas da vovó, do tipo ‘50 gramas disso, 10 daquilo’. Aqui elas podem encontrar tudo para desenvolver fórmulas caseiras”,diz Victoire. A nova Bully — a Buly — não faz a manipulação das matérias-primas, vindas dos quatro cantos do mundo, mas oferece informações precisas sobre os benefícios cosméticos de cada uma delas — desde as raízes marroquinas de Souak, usadas para limpar as gengivas e que custam apenas 2 euros, até o pó de Bukkake, produzido das fezes de rouxinol-japonês e vendido a 120 euros (30 gramas), que promete milagres para a pele. Até o Brasil entra na lista, com os grãos de tucumã e os óleos de pracaxi, buriti ou açaí, que devem em breve fazer parte dos segredos de beleza nas penteadeiras das parisienses.

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