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Leia trecho do livro “A Outra Face de Deus”, de F.T. Farah

Autor de 36 anos aborda temas que envolvem religião, demônios e espionagem

Por Redação VEJA SÃO PAULO
Atualizado em 5 dez 2016, 16h29 - Publicado em 14 dez 2012, 21h29

+ Leia mais sobre os autores de literatura fantástica em São Paulo

Capítulo 1

ROMA NOS DIAS DE HOJE

A freada brusca fez com que a mulher, sentada atrás do motorista, batesse a cabeça no encosto. O sangue começou a escorrer da narina esquerda. Ela tombou no banco.

— Cuidado, ou vai ser punido pelo padre – berrou Andrea, o outro passageiro. Diante deles, a Basílica de Santa Maria in Aracoeli, iluminada por refletores, erguia-se majestosa contra o céu escuro. Aquela imagem era uma das metáforas preferidas do padre Pietro Amorth em suas homilias: “Um sinal de Deus em um mundo mergulhado nas trevas”.

— O que vamos fazer com ela? – perguntou Simone, o motorista.

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— Temos que deixá-la na igreja.

— Não vou subir todos esses degraus carregando essa vadia.

— Você recebe para isso. Agora cale a boca e me ajude – retrucou Andrea, abrindo a porta do carro.

Os seios volumosos insinuavam-se no decote da camiseta branca. Minissaia preta. Salto alto. A maquiagem carregada dividia espaço com vários hematomas. O nariz estava inchado. Poderia ser a pancada de segundos antes ou as bofetadas de horas atrás. O cabelo liso, na altura dos ombros, era quase todo loiro, excetuando-se as raízes negras. Apesar do pouco peso e da estatura baixa, Andrea teve dificuldades de puxá-la para fora. Olhou para o amigo, mais alto e bem mais forte do que ele.

— Deixe comigo – adiantou-se Simone, debruçando-se sobre a mulher – Posso passar alguns minutos com ela antes?

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— Só se você não tiver medo de ser mastigado pelo diabo, seu imbecil! – berrou Andrea – Traga-a para fora. O padre nos espera.

Como se fosse um pacote de poucos quilos, Simone colocou a vítima nas costas e subiu as escadas. Ao se aproximar da imponente porta principal de Santa Maria in Aracoeli, o celular tocou no bolso da jaqueta de Andrea.

— Sim, padre, somos nós. Quer que deixemos a mulher aqui na entrada? Tudo bem, podemos entrar com ela pela porta lateral.

— O que ele vai fazer com esta cadela? – perguntou Simone, exibindo um sorriso malicioso – Quer que a gente participe da brincadeira?

— Cale a boca, cara. Assim vou ter que arrumar outro ajudante!

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A porta do lado esquerdo se abriu. Diante dela, um homem alto e magro, com uma lanterna na mão. Cabelo e barba grisalhos, bem aparados. Uma cicatriz triangular na testa. Vestia um hábito negro, com um crucifixo de prata pendendo do pescoço. O sorriso desapareceu ao olhar

o rosto da mulher desacordada.

— O que aconteceu? – indagou, ríspido.

— Ela estava histérica, padre – respondeu Andrea.

— E agressiva. Arranhou meu rosto – completou Simone, sob o olhar reprovador do colega.

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— Tivemos que sedá-la com aquela injeção de tranquilizante que o senhor nos arranjou – prosseguiu o responsável pela missão.

— Venham comigo. E sem perguntas – ordenou o padre Pietro Amorth, fechando a porta da igreja e seguindo pela nave lateral. As imponentes colunas, trazidas do Fórum Romano e do Monte Palatino, pareciam gigantes na penumbra. Elas apoiavam o clerestório acima, com suas janelas retangulares. Após alguns metros, a mulher começou a gemer. Passaram pelo altar à esquerda do transepto da igreja. Ela deu um grito. E um soco nas costas de Simone. Os homens estremeceram.

— É onde ficam os ossos de Santa Helena. Um lugar sagrado – explicou Pietro, apontando para ele – Não se preocupem. Estamos chegando.

— Santa Helena era a mãe do imperador Constantino. Se não fosse por ela, o mundo teria outros deuses, Simone.

— Se todos os seminaristas pensassem como você, Andrea, o rebanho estaria perdido. A vitória do cristianismo é um milagre de Deus. Santa Helena foi apenas um instrumento em Suas mãos – repreendeu-lhe o padre, abrindo a porta da sacristia.

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“Ele está prestes a violentar esta gostosa e quer dar lição de moral. É um babaca”, reprovou Simone, em pensamento. A mulher apenas gemia. Pietro os conduziu até uma estante com relíquias de santos em uma parede lateral. Pegou uma chave do bolso e abriu a pesada porta de vidro e madeira. No centro, uma peça dourada no formato de cabeça, incrustada de pedras preciosas coloridas. A viseira transparente permitia observar seu interior. Havia um crânio humano. Com cuidado, o padre retirou o tesouro de seu plácido repouso e colocou-o sobre uma mesa.

— Que capacete macabro… – comentou Simone.

— É um relicário. Andrea, quando estiver fora daqui, explique ao seu amigo o significado deste “capacete” – censurou Pietro, deslocando para baixo uma pequena alavanca, que ficava escondida atrás do relicário. Empurrou a prateleira para o lado. Ela se deslocou sobre um trilho imperceptível em sua base, revelando uma porta. Com outra chave, o padre destrancou a câmara secreta. “Tanto trabalho para foder esta vadia”, pensou Simone. Pietro acendeu a luz e fez um sinal para que entrassem. A sala tinha seis metros quadrados. Diante deles, e sob uma pequena janela octogonal, uma imagem de Santa Maria.

— A autêntica Madonna di Aracoeli – suspirou Andrea. O rosto de seu assistente se iluminou, como se aquele ícone trouxesse lembranças agradáveis do passado.

Um quadro de São Miguel empunhando uma espada e pisando sobre o dragão vermelho pendia no lado oposto. As duas paredes laterais, com rachaduras, ostentavam quatro crucifixos de prata cada uma. Dispostas abaixo deles, quatro cadeiras de madeira, espaldar reto. No centro do cômodo, uma cadeira estofada de veludo vermelho parecia presa ao chão, ao lado de uma pequena mesa com uma maleta de couro marrom bastante desgastada.

— Amarrem essa infeliz naquela cadeira e deem o fora – ordenou Pietro, apontando para o centro da sala.

Como se fosse um pacote de poucos quilos, Simone acomodou a mulher. Andrea usou os rolos com correias de três centímetros de largura para amarrar as pernas bem torneadas, evitando olhar em direção às coxas. Depois prendeu os braços, desviando os olhos dos seios.

— O que estou fazendo aqui? – ela perguntou ao seminarista antes que ele se levantasse. Era sua primeira frase após horas de silêncio forçado.

— Já fizeram seu trabalho. Agora saiam! – impacientou-se Pietro.

— Por favor, não me deixem aqui com esse pervertido – ela suplicou, apelando para a compaixão daqueles dois jovens.

— Você conhece o caminho, Andrea. Bata a porta da igreja assim que sair – orientou o padre.

— Vamos embora, Simone.

Deixaram o padre a sós com a mulher. Sem dizer uma palavra, atravessaram a sacristia ouvindo o choro desesperado daquela “infeliz”. Antes de passarem pela porta que levava à nave lateral, um grito aterrorizante. Apertaram os passos. Deixaram a igreja sem olhar para trás. No carro, após alguns minutos, Simone quebrou o silêncio:

— Esse foi meu último trabalho para vocês.

— Por quê?

— Não sou nenhum santo. Passei bons anos da minha vida atrás das grades porque matei minha noiva – explicou Simone.

— Eu sei disso. Aonde quer chegar com essa história toda?

— Aquele safado podia foder aquela mulher em qualquer lugar. Mas não na frente daquela imagem de Nossa Senhora, cara! Passei minha infância vendo minha mãe rezar na frente dela. Todos os dias.

— Não acredito que você esteja pensando isso dele, seu pervertido! – censurou Andrea.

— O que quer que eu pense, então? O que ele vai fazer com ela naquele quartinho secreto?

— O padre Amorth é um exorcista – respondeu Andrea.

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