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Teatro: as curtas temporadas em cartaz

Das setenta peças adultas hoje em cartaz publicadas em VEJA SÃO PAULO, nenhuma é apresentada na cidade de quarta a domingo, como era comum até duas décadas atrás

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 29 dez 2016, 14h18 - Publicado em 1 out 2010, 22h48

Desde 1948, com a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), São Paulo é considerado o principal palco para os artistas do país. O casarão da Rua Major Diogo, na Bela Vista, apresentou por mais de uma década temporadas de terça a domingo, às vezes com sessão dupla. Uma profissionalização inédita foi proporcionada a jovens iniciantes que ali virariam estrelas, como Cacilda Becker, Paulo Autran, Sérgio Cardoso e Fernanda Montenegro, já que o teatro é conhecido como “a arte da repetição”. Nas décadas seguintes, o legado do TBC influenciou gerações e o próprio formato de programação, com apresentações regulares por quatro ou cinco dias consecutivos na semana. Nos últimos anos, o calendário teatral da cidade ganhou novas feições. Das setenta montagens adultas em cartaz, apenas seis são encenadas de quinta a domingo e 32 de sexta a domingo. As restantes ganham a cena em apenas um ou dois dias da semana. Em contrapartida, o número de peças duplicou em relação a 1990. A maioria, no entanto, nem chega a repercutir. 

 ■ Número de espetáculos publicados na coluna de Teatro de VEJA SÃO PAULO na primeira semana de outubro dos respectivos anos.

O que mudou, especialmente, na última década? O perfil do espectador ou a visão de artistas e produtores? A popularização da TV por assinatura e da internet, a sensação de insegurança ao sair à noite e a elevação do valor do ingresso em virtude da meia-entrada são fatores que podem ter contribuído. “Quando se define o preço de um espetáculo, já se eleva ao dobro, porque consideramos a grande quantidade de carteiras estudantis apresentadas na bilheteria”, diz o produtor Sérgio D’Antino, que lembra com saudosismo êxitos como ‘Qualquer Gato Vira-Lata Tem uma Vida Sexual Mais Sadia que a Nossa’, da virada dos anos 1990 para 2000. “Lotávamos até sete sessões por semana, e os atores tinham, inclusive, substitutos, o que proporcionava mais empregos”, completa ele. O diretor José Possi Neto lamenta o crescente desinteresse do público em razão também da imensa quantidade de opções de lazer. “O jovem não frequenta mais teatro, e, quando enxergamos alguém de 30 anos, é uma surpresa”, declara. Hoje, ele sente na pele — e no bolso — a transformação. Há dois meses, Possi estreou uma remontagem do musical ‘Emoções Baratas’, que entre 1988 e 1990 era visto por 2 000 pagantes a cada semana. A versão atual, uma das seis em cartaz de quinta a domingo, recebe o maior público no sábado — uma média de 250 pessoas. “Na quinta, temos setenta pagantes e fazemos promoções com empresas ou chamamos convidados especiais”, conta Possi, que mantém o elenco de 21 integrantes graças ao patrocínio de uma empresa. 

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O diretor Eduardo Tolentino de Araújo, um dos fundadores do Grupo Tapa, relaciona a queda nas bilheterias com a falta de interesse dos produtores em popularizar os espetáculos. “Quando o dinheiro para uma montagem saía do bolso da equipe ou era levantado com promissórias bancárias, havia uma necessidade de conquistar o espectador”, diz ele, colocando o dedo na ferida. “Com a lei de incentivo fiscal e patrocínios de órgãos públicos garantindo a manutenção das peças, os produtores deixaram de se preocupar com quem paga o ingresso. Muitas vezes fazem peças para seus amigos.”

Essa desatenção com os pagantes, em sua maioria pertencentes à classe média e exigentes de alguns confortos no momento em que saem de casa, também é apontada pelo diretor Claudio Botelho. “Existem teatros de trinta ou cinquenta lugares e outros instalados no 5º andar de um prédio. E eu me pergunto: isso é um teatro?”, indaga Botelho. “No passado se faziam peças em teatros de verdade, com cenários de verdade e personagens de empatia para quem assistia, porque, além da arte, era necessário garantir a sobrevivência.”

Principal fonte de renda de muitos atores, a televisão também impôs uma dedicação quase exclusiva a seus contratados. Hoje, as telenovelas usam um número maior de locações e, apesar dos avanços tecnológicos, as cenas são gravadas com menor antecedência e demoram mais tempo. “O ator precisa realmente estar disponível a semana inteira para viabilizar o cronograma”, diz a atriz Totia Meireles. “Ficou quase impossível fazer teatro ao mesmo tempo.” Com as redes Globo e Record, principais produtoras de teledramaturgia, localizadas no Rio de Janeiro, o calendário teatral da Cidade Maravilhosa é menos comprometido. De uma média de cinquenta peças em cartaz, duas dezenas delas são apresentadas de quinta a domingo. Algumas estrelas até conseguem negociar para sair dos estúdios do Projac em um horário compatível com o da sessão. Para trabalhar em São Paulo, porém, raríssimos globais obtêm licença na sexta-feira. “Esse é um fenômeno brasileiro, a televisão é prioridade para os atores”, afirma o ator e dramaturgo Juca de Oliveira. “Mesmo quando alguém se lança em um projeto ambicioso, basta a TV chamar que ele vai.”

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O QUE ACONTECE NA OPINIÃO DELES

“Quem faz o público sumir é o próprio teatro e não razões externas. Antes se faziam peças em teatros de verdade, com cenários de verdade e personagens de empatia com quem estava assistindo. Hoje se perdeu o foco no comprador do ingresso.”

Claudio Botelho, diretor de teatro

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“Por seu poder de atração, a televisão é prioridade para os atores. Mesmo quando alguém se lança em um projeto ambicioso no teatro, basta a TV chamar que ele vai. A carreira de um espetáculo depende, sobretudo, do comprometimento do ator com o palco.”

Juca de Oliveira, ator e dramaturgo

“São muitas coisas que hoje levam o público a ficar em casa: a internet, a TV por assinatura, a insegurança das ruas, o trânsito de São Paulo… Além disso, o ingresso já definido em razão da meia-entrada encareceu muito o programa.”

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Sérgio D’Antino, produtor teatral

“Com a lei de incentivo fiscal e patrocínios de órgãos públicos garantindo a manutenção das peças, os produtores deixaram de se preocupar com quem paga o ingresso. Muitas vezes fazem peças para seus amigos.”

Eduardo Tolentino de Araújo, diretor de teatro

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“Não existe profissão em que se trabalhe só duas ou três vezes na semana. Assim, o ator e o espetáculo não amadurecem.”

André Garolli, ator e diretor

“Os tempos são outros e precisamos oferecer o que o público quer. Quanto mais opções em cartaz, melhor. Os bons espetáculos sempre vão ter boa plateia.”

Isser Korik, produtor e responsável pelo Teatro Folha

 

 

 

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