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Tatiana Belinky: 90 anos e dezenas de livros infantis

Autora adaptou a obra de Monteiro Lobato para a televisão e hoje tem trabalhos em catorze editoras

Por Helena Galante
Atualizado em 5 dez 2016, 19h31 - Publicado em 18 set 2009, 20h27

A bordo de um transatlântico, em 1929, a viagem da garotinha russa Tatiana Belinky para o Brasil pareceu uma brincadeira. Entusiasmada com a possibilidade de comer muitas bananas, a menina nascida na cidade de Petrogrado (hoje São Petersburgo) e criada em Riga, na Letônia, acompanhava sua família em busca de melhores oportunidades de emprego. Hoje, com 90 anos de idade completados na última quarta, Tatiana conta o passado como se fosse o enredo de um de seus mais de 120 livros e traduções. Autora de obras do universo infantil como Cinco Trovinhas para Duas Mãozinhas, Mentiras… e Mentiras e Limeriques do Bípede Apaixonado, ela adora anedotas – principalmente aquelas nas quais é a personagem principal.

Numa casa ampla e escura no Pacaembu, a senhora de movimentos vagarosos e fala agitada passa a maior parte do dia em uma poltrona, ao lado da gata preta Nina. De lá, aponta para uma boneca Emília e recorda um de seus orgulhos. Na década de 50, adaptou para a televisão a obra de Monteiro Lobato. Foi a primeira versão do programa Sítio do Picapau Amarelo. “Fazia vários roteiros por dia, uma loucura”, conta. De tanto martelar na máquina de escrever, foi vítima de uma artrite nas mãos. Por isso, há anos escreve seus textos em cadernos de capa mole, que envia às editoras. “Uso a mão esquerda e a direita”, acrescenta. Além da habilidade de ambidestra, exibe um currículo de poliglota. Fala russo, alemão, letão, inglês e um português irretocável. Tatiana Belinky trabalha com catorze editoras e não se assusta ao ver mudanças – nem as ortográficas. “Podem fazer essa reforma bobo-ortográfica”, diverte-se. “Os tais tremas nunca me fizeram tremer.”

Imersa no mundo dos pequenos, Tatiana conquistou também os adultos. “Os livros dela são cúmplices”, afirma o cartunista e escritor Ziraldo. Foi ele quem lhe entregou o Prêmio Jabuti de melhor produção editorial infantil e/ou juvenil em 1991, por Di-Versos Russos. “Para os leitores, fica a impressão de que ela é uma criança.” Entre os fãs mirins, os mais espevitados ocupam lugar de destaque no cancioneiro de Tatiana. É o caso de um menino que, desconsolado por ter esquecido seu livro de autógrafos, ofereceu um papelzinho e disse: “Assina aqui, Tati, que eu copio depois”. Ela prontamente atendeu ao seu pedido, sem esboçar uma risada. “Não devemos rir das crianças”, explica. “Eu rio com elas.” Nem sempre, porém, as aproximações do público são delicadas. Quando perguntada por um garoto negro se era racista, não titubeou. “Você vê orelhas de burro na minha cabeça? Só é racista quem é burro”, respondeu.

A capacidade de fugir de saias-justas vem da longa experiência com o público. Seu primeiro texto, uma adaptação de Peter Pan, do escocês J.M. Barrie, foi apresentado no Teatro Municipal em 1948. No elenco estavam Gilberta Autran (grande amiga de Tatiana e irmã do ator Paulo Autran, à época chamado apenas de Paulinho) e os críticos Clóvis Garcia e Alberto Guzik, entre outros. A direção ficou a cargo de Júlio Gouveia, seu marido, morto em 1989 aos 75 anos de idade. Ela gosta de contar como o conheceu – embaixo de uma mesa, num casamento, devorando uma travessa de ovos recheados. “O Júlio era bonitão”, lembra, com a mão sobre a aliança de casamento, que nunca tirou. “E um ótimo profissional.” Bisavó ativa, alfabetizou as crianças de sua família sem lições, apenas com joguinhos. Para incentivar o gosto pela leitura, não manda ninguém ler. “Livro não é castigo para mandar”, diz. “Se a criança quiser, eu deixo, é um prazer.” Um recente trabalho, a peça Tamanho Não É Documento, ilustrada por Flávio Fargas, é dedicado às crianças, “sempre importantes e maiores por dentro do que por fora”. Da mesma forma, a energia e a criatividade dessa escritora extrapolam seu corpo já frágil de 1,57 metro de altura. “A carcaça não é mais a mesma”, brinca. “Mas cuido de me manter ocupada, para não deixar o miolo enferrujar.”

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