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Sistemáticos

A palavra é deliciosa: sistemático. Deliciosa pelos sentidos que tem, pela exatidão ao definir um tipo de pessoa e pelo longo tempo de uso.

Por Ivan Angelo
Atualizado em 9 jun 2022, 15h09 - Publicado em 18 set 2009, 20h17

A palavra é deliciosa: sistemático. Deliciosa pelos sentidos que tem, pela exatidão ao definir um tipo de pessoa e pelo longo tempo de uso. Existe outra, mais comum: maníaco – mas é pesada, leva uma intenção de ofender, frequenta manuais de medicina. Sistemático tem o seu quê de humor, de comentário, não pretende ser um diagnóstico. Lembra conversa de barbearia antiga nas manhãs de sábado, homens à toa, línguas soltas.

Dou um exemplo: o pai de uma amiga minha era sistemático. Detestava ver seu jornal do dia espalhado em cadernos, páginas fora de ordem, e por isso grampeava todas as folhas de cima a baixo, na margem esquerda, logo que o jornal chegava. Funcionário aposentado, fazia a barba de manhã, almoçava cedo, botava camisa branca limpa, meias, sapatos, gravata, paletó, pronto para ir trabalhar… e ficava em casa, lendo jornais na sala ou na varanda. Às 5h30 da tarde, subia, tirava os sapatos, a gravata, calçava chinelos, vestia um robe de seda, que ele chamava de chambre, e ia ouvir rádio, à espera do jantar. Maníaco? Palavra brutal para um homem doce, fino, papo ótimo, só que sistemático.

 

O sistemático fica nervoso com bagunça, a ordem lhe dá tranquilidade. O contrário dele é o bagunceiro, que nasce da educação folgada. Alguns se fingem de ordeiros, escondem a desordem dentro do armário e das gavetas. Não gostam de mostrar a bagunça, mas detestam arrumar. O sistemático, não. É ele mesmo quem exige de si a arrumação, e arruma quantas vezes for preciso, do jeito que acha que deve ser.

 

O guarda-roupa do sistemático é uma beleza, parece loja de shopping. Camisas, ternos, calças, vestidos, saias, bermudas, camisetas são arrumados por espécie e cor, dos tons mais claros aos mais escuros ou vice-versa. Em todos os seus atos, ele segue um sistema. Talvez fosse mais certo dizer que ele se aprisiona em um sistema, coisa dele – daí o nome.

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O astro do futebol David Beckham, eu li, admite umas manias, como enfileirar latinhas de cerveja na geladeira segundo uma ordem, colocar em simetria objetos numa mesa… Um amigo meu enfileirava três copos e bebia, pela ordem, o que chamava de semáforo: licor de menta, conhaque e Campari – verde, amarelo e vermelho, sempre pela ordem.

 

A mulher de um amigo chega da rua à noite, mesmo de madrugada, e limpa a cozinha toda, por onde suspeita, olha só, suspeita que andou alguma barata. Troca lençóis e fronhas toda manhã, lava roupa todo dia, lava as mãos a toda hora – atos inúteis, trabalhosos e martirizantes. Quando é assim, a pessoa deve procurar ajuda.

 

Tem um marido que combina com ela, quer dizer, também é prisioneiro de sistemas, só que mais leves. Um não pode falar mal do outro, ou falam dando risadas. Dormem em cama de casal, cada um com lençol de cima, colcha e cobertor individuais, para evitar disputas. Ele ajeita seu lado da cama, arruma três travesseiros só para ele, abre a colcha – e deita-se no chão.

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“Para esfriar o corpo”, diz.

 

Quando se deita na cama, no meio da noite, mantém os dois pés para fora do colchão, e descobertos.

 

“Não gosto de nada me constrangendo os pés.”

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De manhã, antes de usar a pia, veja bem, antes, lava-a e enxuga-a. Coa café fresco todas as manhãs e, faça a quantidade que fizer, serve-se de uma xícara e toma a metade, apenas a metade, sempre a metade.

 

Assombração sabe para quem aparece.

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