Aqui e ali, em diferentes cidades, vão surgindo os sintomas. Pessoas a quem só é dado observá-los, impotentes para interferir, cobrem a boca com a mão e abrem olhos de espanto a cada sinal inquietante. Autoridades desconversam, perdidas. Religiosos, desatentos aos seus rebanhos, só fazem política ou esperam milagres. Aos pais e mães resta chorar na frente das câmeras de televisão. Estamos vendo sinais preocupantes e não juntamos coisa com coisa para diagnosticar a doença. Os sintomas, no entanto, estão aí para todo mundo ver.
Jovens e adolescentes se armam com porretes, barras de ferro e soco-inglês, vestem roupas com símbolos de um clube de futebol, saem de sua casa, onde têm mãe, pai, irmãos, onde dormem e comem arroz com feijão, bife e batata frita, alguns têm até um trabalho, têm colegas, há os com namorada, juntam-se em um ponto escolhido da cidade, o que significa que estão combinados, esperam sorrateiros que apareçam jovens desgarrados e desprotegidos vestindo roupas com as cores de outro clube de futebol, separam um e o atacam com sanha feroz, e batem, batem, batem até ver seu cérebro exposto, e depois vão para casa orgulhosos da façanha, enquanto morre a vítima.
Grupos de homens jovens, portadores do vírus da aids, contaminam parceiros eventuais de propósito com a doença incurável. Deram a isso até um nome, que circula entre os praticantes: “carimbar”. Formaram o “clube do carimbo”, e usam a internet para marcar encontros e “carimbar”. Nas redes sociais e em bares, relatam e contabilizam seus feitos. Um, em reportagem na televisão, encoberto, vangloria-se de ter infectado “mais de quinze”; outro diz que ama “carimbar” e defende seu direito de fazê-lo. É um crime provocar lesão corporal grave — mas eles não pensam assim, agem como anarquistas do prazer e consideram um bônus desgraçar alguém.
O réu-mor da Lava-Jato aparece na televisão depondo na Justiça com ares seguros de um sociólogo que sabe o que diz, crítico que entende como funciona a sociedade brasileira, e, doutor no assunto, como se falasse de um ponto de vista apenas teórico, como se estivesse fora disso, declara com gestual de professor que “não existe almoço de graça”, pois quando há uma recomendação política para um cargo em empresa estatal ou órgão público é para desviar dinheiro, é para roubar. “É assim que funciona.”
Um garoto de 20 anos bebe vodca até morrer, um copinho de 50 mililitros a cada minuto, disputando com outros colegas quem aguentaria mais. Havia deixado no celular a frase “É melhor morrer de vodca do que de tédio”.
No centro do Rio, “meninos” saem esfaqueando as pessoas que roubam, ou saem roubando as pessoas que esfaqueiam (difícil perceber a ordem das ações, filmadas). A intenção não é só roubar um objeto qualquer, um cordão, um celular, dinheiro, é também ferir a vítima — um velho, uma senhora —, é machucar, tirar sangue.
No trote aos calouros, um universitário do 2º ano joga ácido na perna e no tronco de uma garota, marcando-a para sempre.
Em uma pequena cidade do interior de Goiás, dezenas de meninos e meninas de uma escola pública de nível médio invadem o 2º andar, trancam o acesso gradeado e promovem uma destruição ruidosa e raivosa, quebrando salas de aula, banheiros, janelas de vidro, armários, iluminação, portas, cadeiras, carteiras, e só param quando a força policial consegue entrar. Entrevistada na televisão, uma das meninas explica que a diretora é muito severa e os alunos queriam reduzir o horário de aulas.
São alguns dos sintomas. Que doença será? Está sinistro, brother.
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