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Os últimos retoques no painel de Di Cavalcanti

Monumental trabalho de restauro da obra do pintor brasileiro na fachada do Teatro Cultura Artística se aproxima do fim

Por Daniel Salles
Atualizado em 1 jun 2017, 18h33 - Publicado em 30 abr 2011, 00h50

Não se assuste com a explicação: “Encontramos as tesselas em estado crítico e muitas não puderam ser salvas. De acordo com o nosso diagnóstico, elas foram degradadas por doze patologias, como eflorescência e sujidade”. As palavras que a arquiteta Isabel Ruas usa para descrever o processo de restauração do painel criado por Di Cavalcanti para a fachada do Teatro Cultura Artística, destruído por um incêndio em 2008, costumam despertar reações semelhantes às provocadas por médicos em pacientes: suscitam mais dúvidas do que respondem. Para compreender a explanação da especialista, é preciso franzir as sobrancelhas e pedir a ela que repita tudo, desta vez traduzindo para o português falado no país. Só assim para entender que tesselas são pastilhas de vidro artesanais (o artista utilizou cerca de 1 milhão delas); que eflorescência é um fenômeno provocado pela chuva e resulta em manchas escuras e claras; e que sujidade é apenas um sinônimo para a velha sujeira. O vocabulário técnico, porém, não passa de um detalhe diante da complexidade da tarefa enfrentada desde junho passado por Isabel e sua equipe de doze pessoas, que inclui profissionais como mosaicistas e restauradores. “Esta é uma de minhas missões mais delicadas, e 80% dela está concluída”, afirma.

Batizado de Alegoria das Artes, o trabalho do grande pintor brasileiro foi inaugurado em março de 1950, junto com o Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, no centro. O mural, com 48 metros de comprimento por 8 metros de altura, jamais foi conservado adequadamente. Com a ação do tempo e da chuva, suas vigas de ferro estruturais se oxidaram e nacos de cimento e de argamassa foram se soltando. Limo e sujeira penetraram nos vãos entre a maior parte das pastilhas coloridas, muitas esmaecidas e a ponto de cair. “Todos os reparos executados no local ao longo das últimas décadas devem ter sido realizados por pedreiros, e não por profissionais especializados em mosaicos”, acredita Isabel. “Alguns trechos ganharam remendos desalinhados.”

Resultado: em razão de restaurações preguiçosas, o desenho acabou sendo modificado com o passar dos anos. Descobriu-se, por exemplo, que os dedos de uma das mulheres da obra viraram uma luva, dessas utilizadas para retirar travessas do forno. Numa confusão semelhante, por falta de peças pretas, o cavalete de um violão transfigurou-se em um pequeno triângulo. A equipe de Isabel constatou ainda que as pastilhas marrons, utilizadas em trinta formas, foram afixadas na verdade nos anos 70. A suspeita é que elas tenham substituído peças de outra cor. Mas não se sabe qual — as fotos existentes do desenho original de Di Cavalcanti são em preto e branco. Não havia outro caminho a não ser fazer uma escolha arbitrária, até porque o autor morreu em 1976. “Optamos por trocar o marrom pelo dourado, presente em diversos pontos”, explica Isabel.

Painel Di Cavalcanti - 2215
Painel Di Cavalcanti – 2215 ()

Tombada pelo Condephaat, a fachada do Cultura Artística não foi atingida pelo incêndio de 2008. Sua reforma, orçada em 1,7 milhão de reais e com previsão para terminar no dia 30 de julho, é a primeira etapa da recuperação do complexo (visitas para ver o painel podem ser agendadas pelo telefone 5083-4360). A segunda fase, a reconstrução do imóvel, ainda não saiu do papel. “O projeto arquitetônico está sendo definido e apenas a limpeza do terreno foi finalizada”, informa Eric Klug, relações-públicas da Sociedade Cultura Artística, entidade mantenedora do teatro. Concebido pelo arquiteto Paulo Bruna, discípulo de Rino Levi, autor do desenho original, o novo prédio terá sete andares e 10.500 metros quadrados de área construída. A obra custará 30 milhões de reais, valor já amealhado por meio de doações. Outros 45 milhões de reais ainda precisam ser captados para a etapa final, de acabamento, e para a compra de equipamentos como poltronas e elevadores. Os prazos, no entanto, seguem indefinidos.

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OBRA COMPLEXA

Os principais desafios enfrentados na reforma do mural, inaugurado em 1950

– Entre a maior parte do 1 milhão de pastilhas havia limo e sujeira incrustados

– Nacos de cimento e de argamassa haviam se soltado e trechos da parede estavam ocos

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– As vigas de ferro estruturais estavam enferrujadas

– Reações químicas provocadas pela água da chuva deixaram as pastilhas manchadas e a ponto de cair

– Na falta de peças de reposição, em uma antiga e malfeita restauração, o cavalete de um violão foi transformado em um triângulo

– O mesmo aconteceu com a mão de uma das figuras, que virou uma “luva” devido a um remendo preguiçoso

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