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O drama da crise hídrica em São Paulo

O resultado das medidas de emergência e as obras para enfrentar uma das maiores estiagens da história e evitar o racionamento na capital

Por Maurício Xavier
Atualizado em 1 jun 2017, 17h12 - Publicado em 23 out 2014, 23h59

Na semana passada, o nível de água do Sistema Cantareira, que abastece um terço dos habitantes da região metropolitana de São Paulo, atingiu 3% mesmo com o uso do chamado volume morto. Mantendo-se o ritmo atual de queda, os 30 bilhões de litros restantes secariam até o mês que vem. Com o tanque quase vazio, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) realizou obras nos reservatórios para acessar uma segunda cota do líquido que repousa no fundo das represas, abaixo do túnel que leva água à capital (veja mais detalhes no infográfico acima). O formato do resgate  ainda está sendo discutido com a Agência Nacional das Águas (ANA), que quer dividi-lo em parcelas. Mesmo que a autorização seja concedida nos termos propostos pela companhia  estadual, representaria no máximo 105 bilhões de litros, o suficiente para elevar o nível a apenas 10% da capacidade total, mas sem conseguir mudar o cenário crítico.

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Apesar do agravamento da crise, do crescimento de queixas da população e do aumento do volume de críticas (uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o assunto foi instaurada  recentemente na Câmara dos Vereadores), o governador Geraldo Alckmin continua repetindo o discurso da campanha de sua reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. Segundo ele, não há torneira seca em nenhum dos 364 municípios atendidos pela Sabesp (incluindo a capital e a região metropolitana). E as medidas adotadas em sua gestão, combinadas às obras em curso, vão garantir o fornecimento nos próximos meses, até a situação ser aliviada de vez pela volta do período de chuvas.

É certo que o problema chegou a esse ponto devido a uma excepcionalidade. A atual seca é a maior registrada nos últimos 84 anos. Mas os especialistas e estudiosos do assunto são quase unânimes em afirmar que a inoperância do poder público na área durante as últimas décadas, sobretudo nas questões de planejamento e de investimentos em infraestrutura, deixou o estado despreparado demais para enfrentar um evento extremo. “As ações só foram aceleradas quando chegou a crise”, entende a arquiteta Marussia Whately, coordenadora do Programa Mananciais do Instituto Socioambiental.

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A seguir, um balanço das políticas de emergência adotadas nos últimos meses, o detalhamento das medidas em curso e o que está planejado para o futuro para tentar resolver de vez essa questão.

A POLÍTICA DA EMERGÊNCIA

Em fevereiro, a Sabesp anunciou um bônus de 30% no valor da conta para o cliente da capital que conseguisse reduzir o consumo mensal de água em 20%. Cerca de 80% dos moradores da região metropolitana diminuíram o gasto e metade deles atingiu a meta. Em abril, o programa foi expandido para os 31 municípios da região metropolitana. A política resultou em gastos extras de mais de 100 milhões de reais até a metade do ano. A conta deve aumentar ainda mais. Na semana passada, foram anunciadas novas faixas de premiação, entre 10% e 20% de economia, com bônus equivalentes. Apesar do crescimento de queixas da população com relação a cortes de fornecimento, o governo diz que não há racionamento por aqui. De acordo com Dilma Pena,  presidente da Sabesp, existe um “contingenciamento do recurso”.

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Desde o começo do ano, a empresa reduz a pressão nos canos no período noturno na região metropolitana. O objetivo seria diminuir o desperdício com vazamentos. Na média, a pressão caiu de 40 metros de coluna d’água para 10 metros. “Com isso, melhoramos a gestão do sistema, o que resultou em uma economia de 2 400 litros por segundo nos últimos meses”, contabiliza o  superintendente da Sabesp, Marco Antonio Lopez Barros. A título de comparação, o Sistema Cantareira está entregando 19 000 litros por segundo (antes da crise, o volume era de 33 000). Como a água passou a chegar com menos força a pontos altos (acima de 10 metros de altura da caixa-d’água do bairro, por exemplo), pode haver parada momentânea no abastecimento, segundo a Sabesp. Viria daí o aumento das queixas, que se tornaram rotineiras nos últimos meses. “Recebemos cerca de 1 000 reclamações por dia, mas essa já era a média antes do início da crise. Não houve mudança”, garante Barros.

Segundo a companhia, a pressão foi reduzida de forma igualitária pelas regiões, apenas evitando a proximidade de serviços públicos como hospitais e delegacias. A diminuição da dependência do Cantareira foi outra ação crucial. O principal sistema do estado era responsável pelo abastecimento de mais da metade da região metropolitana. Em seis meses, sua participação por aqui caiu de 47% para 33% e, até o fim do ano, esse índice vai baixar mais 2,5%. Para isso, outros sistemas, como o Guarapiranga, cujo reservatório está com nível de 42%, passaram a assumir a entrega em áreas do Cantareira.

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OBRAS EM CURSO

O retrato do cenário desolador do Cantareira foi capturado recentemente pela auxiliar administrativa Ingrid Venturini. Em abril, ela havia sido fotografada sentada ao lado do filho Breno, de 3 anos, em um deque diante de uma ainda volumosa Represa do Atibainha, em Nazaré Paulista, a 64 quilômetros da capital. Em outubro, ao voltar ao local, Ingrid deparou com um grande areão no lugar da água. Resolveu fazer um registro na mesma pose e postou no Facebook. A imagem teve mais de 9 000 compartilhamentos. “Foi um baque. Enquanto a gente vê água saindo da torneira, não tem noção do problema”, diz.

Seca 3
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Para aumentar a oferta do líquido na rede operada pela Sabesp, obras emergenciais  estão sendo inauguradas para estancar o problema. Há um mês, terminou o trabalho de ampliação na estação de tratamento do Rio Grande, ao custo de 27 milhões de reais. Isso proporcionou um acréscimo de 500 litros por segundo ao total de 60 000 captados atualmente pela Sabesp nos sete sistemas — Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga, Alto e Baixo Cotia, Rio Grande e Rio Claro. E, a partir desta semana, após aporte de 50 milhões de reais, a Guarapiranga vai entregar mais 1 000 litros por segundo.

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Ambas as medidas seriam adotadas em 2016, mas foram antecipadas para ajudar no esforço da crise. Outras duas intervenções nestes mesmos dois sistemas ocorrerão ao longo do ano que vem. Com a instalação de equipamentos de filtragem de maior eficiência, será possível retirar mais 2 000 litros por segundo de Guarapiranga e Rio Grande, metade em cada uma. Essa última ainda passará por uma repaginação até o fim de 2016, com uma nova estação de captação e outras melhorias que a farão ser capaz de disponibilizar mais 1 200 litros por segundo.

INVESTIMENTOS FUTUROS

A principal obra no horizonte será inaugurada em outubro de 2017. Com um custo de 2 bilhões de reais, o São Lourenço se tornará o oitavo sistema de abastecimento da região metropolitana.A previsão é captar 4 700 litros de água por segundo no reservatório Cachoeira do França, em Ibiúna, a 70 quilômetros da capital, tratá-los em uma estação em Vargem Grande Paulista e trazê-los a São Paulo por meio de 83 quilômetros de adutoras. No entanto, terá capacidade para produzir até 6 000 litros por segundo, o que representa um terço do que é entregue hoje pelo Cantareira.

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Seca 2
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O empreendimento, uma parceria público-privada, está sendo tocado pelas construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. No plano do governo ainda está prevista a integração da Represa do Atibainha, do Cantareira, com a Represa de Jaguari, do Rio Paraíba do Sul. Isso seria executado somente em 2020, mas o projeto deve sair mais cedo da gaveta pela gravidade do momento. Se no próximo verão a chuva ficar dentro da média histórica, a Sabesp prevê que o Cantareira voltará a 50% de seu volume útil em abril. Ainda que isso não ocorra, a captação de uma terceira cota do volume morto ou mesmo a adoção  de racionamento, por enquanto, estão fora de questão. “Estamoscontrolando o nível e, se preciso, usaremos as mesmas estratégias já adotadas, mas com mais intensidade”, diz Barros.

Para especialistas, é temerário confiar na recuperação dos reservatórios apostando em São Pedro. “É preciso esperar novembro para ver como a estação chuvosa se estabelece”, alerta o  professor de climatologia e meteorologia Tércio Ambrizzi, da USP. “Em 2013, as chuvas de outubro estavam acima da média, e ninguém conseguiu prever a atual seca.” Segundo alguns  técnicos, mesmo se o plano da Sabesp tiver sucesso a curto prazo, falta ainda a implantação de um projeto que não se resuma ao aumento de oferta de água.

Seca 4
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A Califórnia, nos Estados Unidos, é um exemplo bastante citado. O estado enfrenta o quarto ano seguido de seca e pôs em prática um amplo conjunto de medidas que inclui distribuição gratuita de medidores individuais de água para condomínios, tratamento de esgoto para abastecimento de lençóis freáticos e multa por desperdício do recurso. “As ações da Sabesp não serão suficientes a médio prazo, com o provável aumento do consumo em 15% nos próximos dez anos”, diz o especialista de água da ONG The Nature Conservacy, Samuel Barrêto. “O modelo inteiro precisa ser revisto.”

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