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Movimento Passe Livre faz quase um protesto por dia na capital

Grupo usa redes sociais e novas táticas para tumultuar a metrópole

Por Veja São Paulo
Atualizado em 1 jun 2017, 16h22 - Publicado em 22 jan 2016, 23h00

Em alguma via importante da capital — pode ser a Rua da Consolação ou a Avenida Brigadeiro Faria Lima —, uma plateia composta de jovens de até 25 anos se senta no asfalto. De pé, somente integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), identificados pela camiseta com o nome da organização e o desenho de um boneco chutando uma catraca.

Os estudantes Vitor dos Santos, de 19 anos, Erica de Oliveira, 25, e Laura Viana, 21, puxam o jogral. “Pesso-al”, gritam, sem a ajuda de altofalante. “Pessoaaaaal”, repetem os manifestantes, ecoando a mensagem como alunos diante de um professor do ensino fundamental. “Estamos aqui hoje…”, continuam, antes de novo coro, “…para mais um dia de luta… É necessário…que a gente se organize… para travar a cidade todos os dias”, orientam.

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E assim começam quase todos os recentes protestos contra o aumento da tarifa do transporte público, que subiu de 3,50 para 3,80 reais em 9 de janeiro. Convocados via Facebook, os atos ocorremem dias alternados da semana, em locais de grande circulação de veículos e no horário de pico da tarde, escolhidos a dedo para causar maior impacto no trânsito e chamar atenção para a reivindicação.Na terça (19), por exemplo, foram bloqueadas as avenidas Rebouças, Paulista, Nove de Julho e Cidade Jardim. Não importa para a turma se isso fere o direito de ir e vir dos paulistanos.

Passe Livre - 2013
Passe Livre – 2013 ()

Criado em Florianópolis em 2003, o MPL está na ativa em São Paulo há onze anos, quando organizou um protesto contra o aumento da passagem de 2 para 2,30 reais. A projeção nacional, no entanto, só veio em 2013, quando o grupo conseguiu levar cerca de 100 000 pessoas às ruas e foi peça fundamental para derrubar na época o aumento de 20 centavos nos bilhetes de ônibus, trem e metrô.

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De lá para cá, muita coisa mudou, das táticas utilizadas pelo movimento aos seus integrantes. Os cerca de trinta ativistas atuais são, em sua maioria, universitários de cursos como história, ciências sociais e direito. Alguns nomes que compunham a linha de frente em 2013 abandonaram a causa, caso do professor de história Lucas Monteiro, de 31 anos.

Outros assumiram funções paralelas, como a então estudante e hoje advogada Nina Cappello, 26, responsável por dar apoio legal a detidos nas manifestações. No lugar deles, além dos já citados Vitor, Erica e Laura, estão as também universitárias Luíze Tavares, 19, e Andreza Delgado, 20. A elas se juntou o caçula Heudes Oliveira, 18, aluno do 3º ano da Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros. O colégio permaneceu 55 dias ocupado por estudantes e virou símbolo da luta contra a reorganização do ensino estadual em 2015.

Protesto MPL
Protesto MPL ()

Foi desse movimento, inclusive, que veio a inspiração para uma das novas ações do MPL. De modo a ganhar visibilidade, os secundaristas realizaram os chamados “travamentos”, protestos relâmpago em grandes vias ou terminais de ônibus, que começam e terminam de forma ligeira, mas afetam diretamente o congestionamento nos horários de pico.

O Passe Livre vem utilizando o mesmo recurso e chegou até a lançar um manual, amplamente distribuído e compartilhado nas redes sociais, que reúne dicas de como bloquear uma via. “Pensem em locais estratégicos para travar” e “filme e divulgue a ação” são algumas das lições da cartilha.

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Passe Livre - protesto - janeiro 2016
Passe Livre – protesto – janeiro 2016 ()

Outra mudança de postura ocorreu na relação com os órgãos oficiais. Até pouco tempo atrás, o Passe Livre costumava anunciar o lugar da concentração, mas tinha por estratégia nunca divulgar os percursos. Isso mudou no dia 12, após um impasse com a Polícia Militar. Na ocasião, a corporação pediu que a passeata descesse a Rua da Consolação.

Os manifestantes resolveram seguir pela Avenida Rebouças, e a PM reagiu soltando bombas de gás lacrimogêneo na esquina com a Avenida Paulista. Depois disso, o MPL passou a informar pelo Facebook, com algumas horas de antecedência, todas as ruas por onde pretende passar. Para a Secretaria Estadual de Segurança Pública, o ideal seria a comunicação do percurso no dia anterior. “Isso não atende apenas as autoridades. A população também precisa ter ciência prévia do percurso, para se planejar”, afirma o procurador-geral do Estado, Márcio Elias Rosa.

As manifestações de hoje reúnem cerca de 3 000 simpatizantes — número ínfimo em vista das mais de 100 000 pessoas que lotavam as ruas em um único dia em 2013. “O Passe Livre continua atraindo gente, mas perdeu a força catalisadora do passado recente”, entende a professora Esther Solano, da Unifesp, que pesquisa o movimento. “A população tem dificuldade em diferenciar MPL de black bloc, e não vem aderindo.”

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Além do sofrimento dos moradores com os congestionamentos provocadospelo travamento de avenidas, há as depredações praticadas por vândalos .Mesmo sem ligação com o MPL, os black blocs são presença constante nos atos. No primeiro deste ano, no dia 8, eles destruíram três agências bancárias, um ônibus, uma viatura da polícia e uma da CET. No dia 14, quebraram um vidro da Estação Consolação do metrô com um chute. Ao todo, 38 pessoas chegaram a ser detidas pela PM, a maioria liberada rapidamente.

Outros grupos que engrossam o caldo atual são os movimentos sociais, os militantes de partidos como PSOL e PSTU e os secundaristas, que importaram até as músicas e os gritos de guerra usados nas ocupações das escolas. “Eu tô boladão, não vou deixar o governo fechar minha escola, não” foi adaptado para “Não vou deixar o governo subir a tarifa, não”. Para o MPL, a mobilização só terminará no dia em que os governos estadual e municipal baixarem a tarifa. “Nossa pauta é clara, só sairemos das ruas com a revogação do aumento”, diz a porta-voz Laura Viana.

Protesto na rua é com ele mesmo

Conheça o estudante da Unicamp participou de quarenta manifestações desde 2011

Formado em letras pela USP e hoje cursando doutorado em filosofia na Unicamp, o estudante Rafael Padial é uma espécie de Forrest Gump das variadas manifestações que ocorreram na capital nos últimos anos. Qualquer que seja a reivindicação, quase sempre é possível encontrá-lo em fotos dos atos. Padial é membro do Território Livre, obscuro grupo político que prega, entre outras coisas, o voto nulo.

Sua militância começou em 2011, durante a ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo. Na ocasião, ele foi protestar contra o governador Geraldo Alckmin e a presença da Polícia Militar no câmpus. De lá para cá, tornou-se figura mais do que carimbada no ativismo, seja contra a Copa e a crise hídrica, seja a favorda redução da tarifa de transporte, do aumento salarial de professores e da revogação da reorganização escolar. No caso dos secundaristas, o movimento do qual participa (é o mais velho da turma, que conta com quarenta membros) forneceu a linha de ação, sugerindo que eles ocupassem as regionais e a Secretaria da Educação.

Os estudantes optaram pela tática mais light e se limitaram às escolas, o que também deu resultado.Marxista, Padial não pretende ingressar na política formal. “Sempre votei nulo”, explica. Aos 28 anos, com uma bolsa de 2 100 reais por mês, mora em um apartamento no centro e circula pela capital em uma Caloi 10 ano 78. Entre todas as causas que abraçou, destaca a da Copa. “Acreditei mesmo que os protestos poderiam inviabilizar o Mundial”, afirma. / SÉRGIO QUINTELLA       

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