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Por que a capital é 11ª colocada no Enem?

Para mudar essa situação, pais, alunos e professores devem exigir reformas no currículo

Por Camila Antunes, Daniel Nunes Gonçalves e Caio Barretto Briso [João Batista Jr.]
18 set 2009, 20h27

Cidade mais rica do país, São Paulo acostumou-se a figurar no topo de qualquer lista, seja de museus, restaurantes, salas de espetáculo, comércio ou hospitais. Causa espanto, portanto, o fraco desempenho dos colégios paulistanos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), do Ministério da Educação. Apenas uma escola aparece entre as dez melhores do país: o Vértice, do Campo Belo, em nono lugar. Lá, os pouco mais de 200 alunos são conhecidos pelo nome e pela carreira que pretendem seguir – já que essa é levada em conta na elaboração de um plano de estudos com metas individuais. Duas posições para baixo está o colégio Bandeirantes, do Paraíso, que conseguiu uma nota excepcional considerando-se a totalidade de 545 formandos da turma de 2008. “Seríamos os primeiros se apenas a nota dos 300 melhores contasse na média”, calcula o diretor Mauro Aguiar. As salas de aula do Bandeirantes são divididas de acordo com o desempenho dos alunos. Nas mais fracas, há um monitor ajudando o professor. “Os alunos sem base recebem auxílio extra para vencer.”

À parte esses dois casos, inscritos no grupo das vinte melhores, onde é que foram parar as demais escolas da cidade, sobretudo as que têm maior renome e, como o Vértice e o Bandeirantes, cobram mensalidades altas? “Tive de correr os olhos lista abaixo para encontrá-las”, afirma o economista Gustavo Ioschpe, colunista de VEJA e especialista em educação. “É um mistério que os colégios da elite paulistana não se saiam bem no Enem.” A unidade Morumbi do Colégio Visconde de Porto Seguro, por exemplo, ficou em 435º lugar no ranking nacional, incluindo escolas públicas e privadas. O resultado caiu como uma bomba. Até pouco tempo atrás, a instituição colhia os louros por ter sido eleita a melhor da cidade, em 2001, numa pesquisa do instituto Ipsos Marplan encomendada por Veja São Paulo. Naquela sondagem, foram avaliados os colégios que ofereciam ensino básico completo em cerca de 100 aspectos, desde o número de idiomas lecionados até o nível de formação do corpo docente. “Sabemos que o Enem só analisa uma faceta do ensino das escolas, mas ainda assim estamos nos perguntando: como é que fomos tão mal?”, diz a diretora Mariana Battaglia. A aprovação dos alunos em faculdades, segundo ela, supera 70%. Entre os enigmas a ser esclarecidos está, também, a grande diferença no resultado das três unidades do Porto – Morumbi, Panamby (452º) e Valinhos (81º). “A proposta educacional é a mesma, assim como o investimento na formação dos professores”, conta a diretora pedagógica Sonia Bittencourt. A direção da escola distribuiu 7?000 cartinhas compartilhando com os pais a decepção e reforçando o empenho na superação.

Em outras instituições de boa reputação, como Santo Américo (103º), Dante Alighieri (228º) e Nossa Senhora das Graças, o Gracinha (287º), o descontentamento não saiu do controle – até porque os jornais costumam dar destaque aos rankings estaduais, fato que mascara a deficiência de São Paulo. “Recebi apenas três e-mails de contestação”, diz Lauro Spaggiari, diretor do Dante. “Fiquei com a pulga atrás da orelha e solicitei uma reunião com a coordenadora pedagógica”, afirma Fadua de San Juan, mãe de Marcela, aluna do 9º ano do Gracinha. Segundo ela, sua filha “vai bem, mas podia estudar mais e passar menos tempo navegando na internet”. A coordenadora pedagógica Maria Stella Scavazza não gostou de ver que a escola perdeu algumas posições, mas garante que confia em sua proposta. “Simulação de reuniões da ONU, projetos de voluntariado e atuação em miniempresas preparam o aluno para a vida”, diz.

Talvez esteja aí uma das explicações para o desempenho decepcionante no último exame. “São Paulo foi a primeira cidade do Brasil a entrar na onda das escolas liberais e construtivistas”, lembra a psicóloga Ceres Alves de Araujo, especialista no atendimento de crianças e adolescentes. “O professor perdeu autoridade e os caminhos individuais para a aquisição de conhecimento forjaram alunos autônomos, porém indisciplinados.” Isso é ruim? Em provas ou vestibulares, sim. A cobrança de resultados – não necessariamente rigidez na disciplina – caracteriza boa parte dos colégios campeões. “O importante é que as famílias se sintam confortáveis com as regras e os objetivos das escolas”, opina Ilona Becskeházy, diretora executiva da Fundação Lemann, ONG que mantém um programa de oferta de bolsas a alunos da escola pública. Ela conhece bem o clima no melhor colégio do Enem 2008, o São Bento, do Rio de Janeiro, por ser um de seus parceiros. “Nenhum pai questiona por que lá só são aceitos meninos e há aulas aos sábados”, diz. “Para que os filhos pertençam àquele grupo tradicional e bem-sucedido, os pais estão dispostos a sacrifícios, como deixar de viajar ou de ir à praia.”

Desde que o Enem passou a divulgar as médias das escolas, em 2005, educadores puderam olhar para as instituições mais bem colocadas, examinar suas práticas e, por que não?, copiá-las. Especialmente em colégios como o Pentágono (156º), que custam mais de 1?600 reais por mês (veja na pág. 26 o quadro com as mensalidades mais altas da cidade). “Instituímos o período integral já no ensino fundamental, pelo menos duas vezes por semana”, explica Nancy Izzo, dona da rede. “Criamos uma sala especial, com livros, lousa eletrônica, computadores, um pequeno anfiteatro e espaço para as artes.” A ideia é trazer prazer à leitura e à escrita, integrando-as em projetos de outras disciplinas.

Na semana passada, o MEC convocou seus conselheiros para uma reunião da qual saíram cinco sugestões de mudança para melhorar o ensino médio. A primeira pede o mínimo: a expansão da carga horária de quatro para cinco horas diárias. A segunda propõe que 20% da grade seja reservada para disciplinas eletivas. A terceira e a quarta incentivam mais projetos interdisciplinares de leitura e de arte e cultura. Por fim, os educadores acreditam que laboratórios poderiam ser mais explorados, não só nas ciências. Em suma: as escolas precisam distribuir o conteúdo das atuais doze matérias em quatro grupos mais amplos (línguas, matemática, humanas e biológicas/exatas). Exatamente a forma como a prova do Enem até hoje foi dividida – neste ano, ela terá 200 questões (não 63) e poderá sofrer outras alterações para substituir os vestibulares das universidades federais. “Não será fácil promover as mudanças, pois o professor aprendeu a ensinar por disciplinas”, acredita Silvio Freire, orientador pedagógico do Santa Maria, no Jardim Marajoara (117º colocado no ranking nacional). “Mas o caminho da melhora é exatamente esse.”

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Das dez campeãs nacionais, extrai-se uma cartilha comum: oito instituem jornada esticada, de até dez horas por dia; oito incutem no jovem o hábito de estudar por meio de uma rotina frequente de provas e simulados; e todas incluem opções de aulas diferentes, como robótica, canto gregoriano, sustentabilidade e aprofundamento em matemática. Nove delas selecionam os alunos por meio de vestibulinhos, cuja concorrência atinge 25 candidatos por vaga. A seguir, especialistas apontam algumas hipóteses que podem ter levado as escolas paulistanas a uma posição tão desfavorável.

• A rede do ensino médio é enorme e desproporcional à de outras cidades

Neste ano, 423 escolas privadas paulistanas entraram para o ranking do Enem e obtiveram média de 61,81 pontos, em uma escala de zero a 100. Sua quantidade – que equivale à soma dos colégios de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre – interfere negativamente na nota. “Aqui, escola particular não é sinônimo de atendimento à elite”, comenta Mauro Aguiar, diretor do Bandeirantes. “Pela diversidade do alunado, as escolas também variam em preços, propostas pedagógicas e, é claro, nos resultados.”

• Há um número expressivo de escolas baratas com resultados medíocres

A classe C representa 55% da população da capital paulista. Para atraí-la, há um nicho de escolas mais baratas, cujo resultado no ranking do Enem oscila na casa dos 50 pontos. De acordo com levantamento do Guia do Estudante — “Colégios da Grande São Paulo”, da Editora Abril, que publica Veja São Paulo, 182 dos 493 colégios da cidade cobram menos de 500 reais por mês. “Mensalidade é um indicador de qualidade”, diz o professor Arthur Fonseca Filho, do Conselho Estadual de Educação. “Centros de excelência não dependem de milagre, mas de boa estrutura, empenho e investimento no recrutamento dos professores.”

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• Poucas escolas alcançam nível de excelência

Apenas quinze colégios particulares de São Paulo obtiveram média superior a 70 pontos. Nessa mesma faixa, há 24 escolas cariocas e treze de Belo Horizonte. “São elas que puxam a média para cima”, explica Adilson Garcia, diretor adjunto do Colégio Vértice.

• Longas distâncias e o trânsito não favorecem o recrutamento dos melhores alunos

Os colégios mais bem posicionados no ranking nacional do Enem, públicos ou privados, realizam provas de ingresso. Assim, podem escolher os alunos mais bem preparados e impor um currículo puxado. Em São Paulo, a dificuldade de locomoção muitas vezes faz com que os pais optem por um colégio próximo, ainda que ele não seja a primeira opção.

• Falta compromisso com a prova do Enem

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Normalmente, o ranking do Enem é feito pelo critério mais completo, que considera as notas da redação e da prova de múltipla escolha. Porém, quando a classificação é refeita só com a nota do teste, as escolas de São Paulo sobem várias posições. Aparecem três, e não uma, entre as dez melhores. Quem explica o que ocorre é o ex-aluno do Santo Américo Vítor Camargo. “Dei prioridade às questões objetivas e acabei fazendo uma redação ‘meia boca’, já que ela não vale para a Fuvest.” Seu orientador, contudo, pediu para que os alunos se empenhassem por igual em toda a prova, pois assim não prejudicariam a média do colégio. “Passei na Poli graças aos 2 pontos que trouxe do Enem”, conta o rapaz. Sem a nota da redação, o Santo Américo ficaria em 34º lugar no ranking nacional. Com ela, amargou a 103ª posição.

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