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Paulistanos contam como é participar do júri popular

Histórias de quem já sentiu o peso de ter de condenar ou absolver os acusados

Por Camila Antunes
Atualizado em 5 dez 2016, 19h27 - Publicado em 18 set 2009, 20h30

Sempre que um caso rumoroso de homicídio vai a júri popular, essa instituição criada em 1824 torna-se notícia. E é questionada. Chama a atenção que caiba a cidadãos comuns, sem conhecimento prévio de leis, a missão de decidir sobre o futuro de réus. Em 2007, o Tribunal do Júri de São Paulo realizou 6 475 julgamentos, quase um terço deles na capital. No mês passado, por exemplo, sete paulistanos ajudaram a condenar o médico Farah Jorge Farah a treze anos de prisão em regime fechado. Ele confessou ter matado e esquartejado sua amante em janeiro de 2003. Mas alegou estar em surto na ocasião, razão pela qual não pegou a pena máxima, de trinta anos. Na semana passada, o tribunal do júri voltou à pauta. Desta vez, por causa do caso da pequena Isabella Nardoni. Com a apresentação da denúncia da promotoria contra o pai e a madrasta da menina, há a expectativa de que o caso vá a júri popular.

Esse tipo de julgamento pode ser realizado apenas em casos de crimes contra a vida, como homicídio, infanticídio e aborto (veja quadro ). “O júri popular é muito mais humano que o juiz nas decisões”, afirma a professora Ana Judith Velloso, doutora em filosofia e voluntária nos tribunais por dois anos. Ela conta que dois julgamentos a marcaram profundamente, pela simplicidade dos réus: o de uma vítima de estupro no sétimo mês de gravidez, processada por tentar o aborto, e o de um vigilante de estacionamento acusado de tentativa de homicídio após agredir gravemente um invasor. “Eu me perguntava se poderia tirar a liberdade deles”, lembra. Ana Judith se recorda também dos três dias massacrantes na avaliação de um caso de briga de trânsito na Praça Pan-Americana, que terminou na morte da garotinha Tainá Alves de Mendonça, de 5 anos de idade. O crime, que chocou São Paulo em 2002, foi a júri em 2004 e o assassino, condenado a dezesseis anos de prisão. “Dormi duas noites num quartinho do fórum”, diz.

Quando uma pessoa é convocada para o cadastro de jurados (composto de cerca de 5 000 nomes), dificilmente consegue se livrar do dever. Tem de comparecer ao tribunal até seis vezes por ano. É preciso paciência, pois as sessões levam em média sete horas. Testemunhas e réu são entrevistados pelo juiz. Depois, o promotor e o advogado têm duas horas cada um para apresentar sua argumentação. Há pausas para café com bolacha e sanduíches. Com sorte, à noite chega pizza. A sessão lembra um espetáculo teatral, no qual o júri é a platéia. Às vezes, sonolenta. Outras, intimidada. “Fico aflito na saída do fórum”, afirma o vendedor de arte Sandro Souza. “A família do bandido assiste a tudo e observa como você reage.”

Para alguns especialistas, os leigos chegam, em boa parte dos casos, a uma decisão adequada. “Sem conhecimentos técnicos, agem como manda a consciência, enquanto o juiz tem na lei uma camisa-de-força”, opina o advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. A pedagoga Maria Cecília Andreoli, que já participou de um júri, concorda: “Penso no futuro daquela pessoa e se ela é realmente perigosa para a sociedade”. Por esse viés, o júri popular é polêmico. Até a década de 70, era comum que o marido traído saísse livre ou com pena reduzida pelo assassinato da mulher. Um dos casos mais emblemáticos foi o do playboy paulista Doca Street, que em 1976 matou a tiros a socialite mineira Ângela Diniz, sua namorada. Ele foi condenado a apenas dois anos. Não foi para a prisão, o que rendeu uma série de protestos. Num novo julgamento, em 1981, a pena foi aumentada para quinze anos. O analista de sistemas Wilton Oliveira passou em fevereiro por uma experiência oposta. Ele ajudou a absolver uma moça que tentou matar o ex-marido um dia após flagrá-lo na cama com outra mulher. “Ela era muito pobre, carente e parecia arrependida. Já esperava pela pena em liberdade, sem impor riscos à sociedade.” Os sete jurados decidiram em unanimidade pela absolvição.

Ao contrário do que se vê no cinema americano, o juiz não pergunta no fim da sessão se o réu é culpado ou inocente. Também não são admitidas testemunhas-bomba nem provas apresentadas na última hora – o que diminui o suspense. Num anexo apelidado de sala secreta, os jurados recebem uma cédula em que assinalam “sim” ou “não” em uma série de questões, como “fulano atirou em beltrano?” ou “foi em legítima defesa?”. Depois, depositam-na em uma urna. Com base nas respostas, o magistrado define se haverá prisão e seu tempo. “O sistema é democrático, mas muita gente não entende as perguntas, e os juízes não tomam o cuidado de explicá-las”, afirma Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça licenciada e autora do livro A Paixão no Banco dos Réus. “Por isso, os julgamentos do tribunal do júri são bastante suscetíveis a anulações.”

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O palco dos julgamentos

No Fórum Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, ocorrem as atividades de quatro dos cinco tribunais do júri de São Paulo (zonas Sul, Leste, Oeste e central). O advogado Fernando Guastini Netto simula, na foto acima, uma apresentação aos jurados do 3º Tribunal do Júri da capital (Zona Sul), observado por seu assistente, Kenji Takahashi, na mesa do fundo. Ao centro, está o juiz Luiz Tolosa Neto e, à sua direita, o promotor Ivandil Dantas da Silva. Na última segunda, a sessão para a qual todos foram convocados não ocorreu, pois o réu faltou. Ele ficaria sentado no meio da sala, algemado e escoltado por PMs. Diariamente, seis acusados são julgados ali.

Juízes sem toga

Como funcionam os julgamentos em que os jurados são cidadãos comuns

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O júri

É composto de sete cidadãos, sorteados de um grupo de 21 convocados pela Justiça

Que crimes julgam

Homicídio, infanticídio, aborto e indução ao suicídio (tentativas também estão incluídas)

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Como os jurados formam sua opinião

Assistem ao interrogatório do réu e das testemunhas. Têm acesso às provas do crime. Escutam, ainda, as alegações dos advogados e da promotoria

Quem dá o veredicto

Os sete jurados. Vence a maioria. O papel do magistrado que preside o júri é determinar a pena sempre que há condenação

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Duração do julgamento

Em média, sete horas. Pode se alongar por três dias em casos em que são ouvidas muitas testemunhas

Regras

Durante o julgamento, os jurados não podem conversar sobre o caso nem ler notícias a seu respeito. Quando o júri é longo, eles dormem em hotéis ou em quartinhos dentro do tribunal

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Exigências

Os jurados devem ter acima de 21 anos de idade, não apresentar antecedentes criminais nem ser parentes do réu, do juiz, do promotor ou do advogado

Como eles são escolhidos

Por indicação de tribunais eleitorais, empresas ou sindicatos. Alguns são voluntários

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