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Aplicativo de paquera Tinder vira febre em São Paulo

Com mais de 3 milhões de usuários na cidade, a ferramenta promove de relacionamentos de uma noite só a casamento

Por Angela Pinho e Mauricio Xavier
Atualizado em 1 jun 2017, 17h24 - Publicado em 27 fev 2014, 23h00

No romance de realismo fantástico O Amor nos Tempos do Cólera, os jovens Florentino Ariza e Fermina Daza trocam confidências secretas por meio do telégrafo, tecnologia comum na virada do século XIX para o XX. Uma paixão mantida acesa por “51 anos, nove meses e quatro dias”, como descreve o colombiano Gabriel García Márquez. Auxiliados por uma ferramenta que está revolucionando o mercado da azaração, os pombinhos do veloz mundo de hoje não precisam amargar tanto tempo até que sejam abatidos pelas flechas de Cupido. Disponível para smartphones, o aplicativo Tinder usa a geolocalização para unir pessoas em busca de um relacionamento, seja de cinquenta anos, seja de cinquenta minutos.

 

Como num álbum de figurinhas, o usuário percorre perfis daqueles que estão nas redondezas e seleciona quais são de seu interesse. Se é correspondido, uma janela de bate-papo se abre. A administradora de empresas Sabrina Mariano e o representante comercial Ronaldo Ciasqui viveram um amor ao primeiro clique. Os dois baixaram o programa no fim de agosto e, em 15 de setembro, tiveram a primeira conversa pelo celular. Quatro dias depois, encontraram-se no Shopping Vila Olímpia e começaram a namorar ali mesmo. Estão de casamento marcado para 12 de abril. “Quando o conheci, acendeu uma ‘luzinha’, o que era cada vez mais raro na minha vida”, diz Sabrina. “Deletamos o aplicativo juntos, naquele dia.” Caminho idêntico está sendo trilhado pela assistente de fotografia da agência Y&R Carmen Galera e pelo engenheiro Bruno Colbalchini. “Eu o achei bonito nas fotos, vi que tinha gostos parecidos com os meus, como praia, e resolvi clicar no coração”, conta. Em outubro, os dois trocaram mensagens, encontraram-se e desde então estão namorando.

 

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Conhecer alguém pela internet não é um mecanismo novo. Em 2011, um levantamento de VEJA SÃO PAULO mostrou que a rede era a forma preferida de fazer contatos para 27% dos solteiros da capital. O novo aplicativo caiu em cheio no gosto desse público. Criado em 2012 em Los Angeles, nos Estados Unidos, o Tinder chegou ao Brasil em julho do ano passado e, segundo a empresa, tem impressionantes 10 milhões de usuários no país. Desses, estima-se que cerca de 3 milhões estejam na cidade de São Paulo. O sucesso é impulsionado pela disseminação dos smartphones. Com eles, a paquera está à palma da mão 24 horas por dia, sete dias por semana.

 

Para fazer o cadastro não demora mais do que trinta segundos. A pessoa entra com seu nome de usuário e senha do Facebook (com isso, o Tinder passa a ter acesso aos dados da página). Para montar o perfil, podem-se usar até seis fotos que já estejam na rede social e inserir uma frase. Em seguida, é escolhido o alvo: homem ou mulher, de que idade e a qual distância está, até 160 quilômetros. Definido isso, o aplicativo disponibiliza um extenso cardápio de perfis com o primeiro nome e a idade. Quem não gosta do que vê aperta um símbolo de X e move a foto para a esquerda. Quem curte clica no coração ou arrasta o perfil para a direita. Se a outra pessoa fizer o mesmo, o sistema avisará os dois — “it’s a match!” (“vocês gostaram um do outro”, numa tradução livre). “No início, o usuário tem a tendência a procurar pretendentes próximos. Depois de um tempo de uso, aumenta o raio, para evitar conhecidos”, diz o professor Gil Giardelli, coordenador do Centro de Inovação e Criatividade da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

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Com variações, outros aplicativos que funcionam da mesma maneira vêm ganhando adeptos na esteira do sucesso do Tinder, como Eaí, ParPerfeito e Zoosk. A casa de shows de música sertaneja Wood’s, na Vila Olímpia, desenvolveu uma ferramenta própria: o Matchat. Ele será lançado no fim de abril e funcionará de um jeito muito parecido com o Tinder, mas só poderá ser acessado por quem estiver no local naquele momento. “Vai ser uma brincadeira para que as pessoas interajam, saiam do virtual para o real”, diz um dos sócios do estabelecimento, Rafael Setrak. E o feriado deve impulsionar ainda mais esse ramo de negócios. “Nosso crescimento diário tem sido de 2%, mas esperamos um aumento ainda maior dessa taxa durante os dias do Carnaval, porque muitas pessoas viajam e devem usar o aplicativo para conhecer outras pessoas em lugares diferentes”, diz Rochane Garcia, gerente de marketing do Tinder no Brasil.

 

Juntar casais firmes não é sua única vocação. Nem a mais popular. Do total de usuários, 80% são solteiros de 14 a 35 anos. Grande parte deles está à procura de um relacionamento que não precisa durar mais de uma ou algumas noites. Um sócio vip desse clube é o estudante Caue Gimenes, de 23 anos. Desde que entrou no Tinder, há três meses, ele teve mais de 100 matches. Ainda assim, considera-se seletivo. “Às vezes, passo quarenta meninas até achar uma de que eu goste”, diz. Beleza é um critério eliminatório. “Sempre olho bem o rosto e, se não tiver foto de corpo inteiro, observo o tamanho do braço”, explica. Imagens em cenários como praia ou parque também contam pontos a favor. Em seguida vem o papo. Gimenes chega a falar com mais de dez meninas ao mesmo tempo. Encontrou-se com sete. Ficou com todas, menos uma que apareceu muito diferente da foto — “Inventei uma desculpinha para ir embora” —, mas não continuou se relacionando com nenhuma. “Até gostaria de arrumar uma namorada, mas nunca rolou”, jura, caprichando na lábia.

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caue gimenes tinder
caue gimenes tinder ()

Curiosamente, o aplicativo vem sendo bastante usado em ambientes como baladas e bares, onde a azaração corre solta ao vivo e pessoalmente (ou deveria correr…). “Até alguns anos atrás, o que aproximava os casais era o cigarro. Hoje estão todos no celular”, comenta Agenor Dias, dono do bar Charles Edward, na Vila Nova Conceição, tradicional ponto de paquera na capital. A facilidade de aproximação atualmente surpreende antigos frequentadores da noite. “Na minha juventude, tinha de subir e descer a Rua Augusta ou ir a boates como o Gallery e chamar as meninas para dançar”, lembra o apresentador Otávio Mesquita, de 54 anos e casado há sete. Para o psicólogo Ailton Amélio da Silva, facilitar relacionamentos casuais é a principal vocação dos aplicativos de paquera. “O Tinder é revolucionário para o pessoal que gosta de ficar, porque agora não precisa mais se arrumar, pegar o carro e ir para a balada”, afirma. “As pesquisas mostram que a maioria dos namoros começa com pessoas que ou já se conhecem ou têm amigos em comum”, completa.

Fugir a essa regra é o objetivo da empresária Adriana Moraes, de 36 anos, solteira há seis meses. Proprietária de uma filial da agência de namoros A2 Encontros, no Brooklin, ela incluiu o Tinder no grupo de ferramentas que recomenda a seus clientes para encontrar alguém. Usa o negócio inclusive em proveito próprio, com o objetivo de firmar uma relação estável. Nessa busca, conheceu pessoalmente três interessados. Em todos os casos, seguiu duas regras. A primeira foi perguntar logo o que eles estavam buscando. “Todo mundo está ali para um relacionamento, o problema é que cada um tem uma definição de relacionamento”, justifica. A outra, marcar os encontros em cafeterias, por precaução. Adriana tem repetido a recomendação a outras clientes que a procuram.

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O surgimento do Tinder modificou a atuação das agências de casamento. Com 22 anos de experiência em arrumar encontros presencialmente, a dona da A2, Cláudya Toledo, tem realizado palestras por todo o país para dar dicas de como usar o smartphone para encontrar um par. Uma das principais é checar informações sobre o pretendente em outras redes sociais. Mas nem sempre as medidas evitam uma roubada. A empresária Renata Costa recentemente conheceu um rapaz pela ferramenta. Conversou com ele e o adicionou ao seu Facebook para obter mais dados. “Eram poucas fotos, mas ótimas”, conta. Marcaram de se encontrar há três semanas em uma festa. Ela não conseguiu identificá-lo em meio à multidão. “Parecia outra pessoa, a foto devia ser de cinco anos atrás”, recorda.

andrea moraes tinder
andrea moraes tinder ()
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Mesmo quando as informações são verdadeiras e atualizadas, há um risco grande de o relacionamento simplesmente não ir para a frente, pelos mais variados motivos. A promotora de eventos Julia Ropero foi uma usuária frenética do Tinder no segundo semestre do ano passado. “Curtia pessoas a toda hora e meu índice de matches era de quase 90%”, gaba-se. “Saí com algumas, mas nada muito sério.” No fim do ano passado, no entanto, apaixonou-se por um rapaz. Ficaram juntos durante o mês de janeiro. O relacionamento, entretanto, não avançou. “Depois do fora que levei, fiquei até com um pouco de raiva do Tinder e pensei em apagá-lo do meu celular”, conta.

julia ropero tinder
julia ropero tinder ()

A força do aplicativo, portanto, não é garantir relacionamentos estáveis, mas a praticidade de selecionar e dispensar pretendentes entre a grande oferta disponível. “Sou muito tímido, para mim é difícil conversar pessoalmente”, admite o programador digital Arthur de Jesus, que é músico nas horas vagas e se apresenta em bares. “Com o programa, consigo focar pessoas que tenham os mesmos interesses que eu e ainda iniciar um papo pela internet, o que ajuda a me soltar”, completa ele, que saiu com quatro garotas nos últimos meses. Não engatou uma relação séria com nenhuma, mas ainda está em busca daquele amor eterno, como o de Florentino e Fermina.

Arthur de Jesus tinder
Arthur de Jesus tinder ()
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