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O saxofone da Teodoro

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 12h33 - Publicado em 25 abr 2015, 00h00

Saímos de Dourados, em Mato Grosso do Sul, em janeiro de1977, rumo ao Rio de Janeiro, na Caravan laranja de Vittório Fedrizzi. Devia haver umas seis pessoas no veículo, entre adultos, adolescentes e crianças. Puxávamos, ainda, um trailer. A ideia era chegar a São Paulo, descer até Santos, atravessar na balsa para o Guarujá e subir pelo trajeto da futura estrada Rio-Santos. Acamparíamos pelo caminho.

É uma viagem e tanto. Era um presente para mim. Hoje, sei disso. A família Fedrizzi, que me recebera tão bem, ao longo de um ano, ou quase isso, queria que eu conhecesse um pouco mais da beleza do Brasil antes de voltar para a Califórnia, de onde viera num intercâmbio colegial. Tinha eu 18 anos na época. Chegara mais verde do que um abacate. Mas passara a entender e a falar o português, razoavelmente. E, talvez mais importante ainda, do ponto de vista da família Fedrizzi, parara de tocar o saxofone.

Eu o trouxera comigo. Era um tenor, o segundo maior dessa família de instrumentos, da marca Yamaha. O jazz voltara à moda em alguns pontos da Califórnia nos anos 70, e eu, como vários dos meus amigos, havia aderido a ela. Soprava com entusiasmo, sobretudo nos primeiros meses do meu intercâmbio, quando o banzo de casa era mais forte, mas sem nenhum talento. Os Fedrizzi aguentaram firme. Mas devem ter sofrido um bocado, reconheço. A mãe, Ymera, de vez em quando subia até o meu quarto para sugerir que eu escolhesse uma música mais alegre.

Lembrei-me disso, na semana passada, ao subir a pé a RuaTeodoro Sampaio, onde deixei o saxofone para sempre. Passamos rapidamente por São Paulo naquela viagem. Ficamos uma noite só, se a memória não me falha. Mas o Vittório, sempre empreendedor, tivera uma ideia. Aproveitaríamos a passagem para vender o instrumento. Havia, explicou-me, demanda por equipamentos musicais importados em São Paulo. Venderíamos pelo dobro do que eu pagara lá fora, graças aos impostos brasileiros sobre importações. Eu ganharia dinheiro, e ele, um espaço a mais na Caravan. Acho que ele estava se precavendo, também. Vai que a paisagem paradisíaca do Litoral Norte paulistano me inspirasse a voltar a tocar. Era só o que faltava. Ninguém aguentaria ficar naquele trailer.

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Saímos nós dois, eu e o Vittório, para procurar um comprador. Achei milagroso o fato de existir naquela cidade, em que estava pela primeira vez, um bairro inteiro, ou quase, dedicado exclusivamente a lojas de instrumentos musicais. Consegui um dinheiro bom no negócio, lembro, centenas de dólares, uma pequena fortuna para mim na época, o suficiente para comprar lembranças do Brasil e retornar aos Estados Unidos com estilo, levando na bagagem discos e roupas novas. Contei assim a meus amigos, pelo menos, ao chegar de volta à Califórnia: “Vocês precisam ver, são andares inteiros de baterias, violões a perder de vista, lojas de discos e de partituras, de amplificadores e contrabaixos”.

Hoje, como vinha dizendo, penso que fomos é para o trecho musical da Teodoro Sampaio, entre a Praça Benedito Calixto e a Rua Cristiano Viana. Certeza disso não tenho. Esqueci de fazer essa pergunta ao Vittório em vida. Mas, sempre que passo ali e vejo um sax-tenor na vitrine, dou uma olhada na marca para ver se pode ser o meu. É uma curiosidade nostálgica, apenas. Não se preocupe. Não penso em voltar a tocar.

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