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Um terço dos motoristas do Uber procurou o app após demissão

Mesmo sem perspectiva de legalização, aplicativo é visto como tábua de salvação para os desempregados da Grande São Paulo

Por Daniel Bergamasco e Nataly Costa
Atualizado em 1 jun 2017, 16h30 - Publicado em 14 nov 2015, 02h00

“Quem rouba merece perdão?”

“Já lhe ofereceram maconha?”

“Uma garota que usa roupas curtas mereceser assediada?”

Acomodados ao redor de uma mesa, doze homens e mulheres se submetem a uma sabatina com perguntas como essas, exibidas na tela de notebooks. Todos estão ali para ingressar no Uber, o popular aplicativo que conecta motoristas particulares a passageiros. Os candidatos precisam ter na CNH autorização para exercer ocupação remunerada ao volante (o que pode ser obtido em poucos dias mediante teste psicotécnico no Detran), possuir automóvel e conversar com uma das cinco psicólogas que comentam as respostas fornecidas na bateria de questões respondidas no computador.

Nove coisas que você não sabia sobre o Uber

Na manhã de uma sexta do mês passado, cerca de cinquenta pessoas estiveram no local, em rodadas diferentes de conversa. A maioria havia perdido o emprego recentemente, e boa parte buscava ali atividade extra para complementar a renda. “Procuro trabalho há dez meses, desde que saí de uma multinacional”, relatava o motorista executivo Arnaldo de Queirós, de 39 anos. A vida também não está fácil para quem era patrão. “Fechei minha empresa de prestação de serviços e não posso ficar parada, pois tenho três filhos para criar”, lamentava Eliana Carvalho, 54.

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Para paulistanos, Uber deve ser liberado em São Paulo

Uber
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Em tempos de desemprego crescente na região metropolitana (1,6 milhão de pessoas procuraram ocupação no mês de setembro, segundo estimativa da Fundação Seade), efeito de um ano que deve contabilizar recuo de 3% no produto interno bruto (PIB), o Uber, um negócio nascido em São Francisco, na Califórnia, em 2009, reluz para muita gente como oportunidade única. A própria empresa evoca no material de propaganda: “Tem um carro? Transforme-o em uma máquina de fazer dinheiro”.

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Animados com a possibilidade, muitos usam as economias e fazem dívidas para embarcar na onda. Desempregado, sem diploma universitário, Webert Santos, 24, engrossou a frota há quatro meses. Empolgado com os resultados (lucro médio de 5 000 reais por mês), arrastou a mulher, Klayne Borsato, recepcionista de eventos, para o mesmo caminho. Ela deve estrear nas ruas nos próximos dias. Ambos compraram carro para a nova função: um Volkswagen Golf 2013 e umFiat Siena de mesmo ano, em valor total de 63 000 reais, parcelado até 2018. “Senão der certo, não sei como vamos fazer para honrar a dívida”, comenta Santos. Os veículos do casal se enquadram na categoria UberX, que cobra do cliente tarifas econômicas (veja o quadro na pág.34). Nesse contrato, entregam 25% de seu faturamento à companhia.

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Quem é Natalício Bezerra Silva, líder dos taxistas e inimigo do Uber

No segmento Uber Black, os modelos são melhores, as taxas superiores e a mordida da empresa um pouco menor, de 20% (profissionais relatam lucro na casa dos 8 000 reais mensais pela atuação de segunda a sexta). Curiosamente, o contingente é mais jovem nessa modalidade (65% têm menos de 40 anos, contra 59% no X).

As mesmas tarifas do UberX, acrescidas de 4 reais, são aplicadas no UberBike, que vem com suporte para bicicletas.

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Há aproximadamente 7 000 automóveis que operam pelo sistema no país (incluindo Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte). A reportagem de VEJA SÃO PAULO apurou que cerca de 3 500 rodam por aqui. Pouco mais da metade dos condutores (54%) estaria procurando emprego se não fosse a plataforma, à qual 30% recorreram após serem demitidos (35% na categoria X), segundo a empresa. Um montante expressivo (29%) assume o volante por apenas parte do dia, como forma de complementar a renda. Até alguns taxistas, que na quarta (11) fizeram outra manifestação contra o concorrente digital, estão se convertendo. Sem alvará, Anderson Nunes, 29, gastava 4 000 reais mensais para alugar o carro de praça de um terceiro. Vendeu um apartamento e, com parte do valor, arrematou um Volkswagen Voyage por 33 000 reais, a fim de aderir à atividade.

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+ Teste: Uber Black, Uber X ou Táxi?

Quem aderiu à plataforma há mais tempo se preocupa com o aumento de motoristas. Hoje, o crescimento semanal do total de gente na plataforma costuma ficar acima de 10% por semana. Alguns adeptos da categoria Black enxergam pequenos sinais de saturação, especialmente com a chegada do Uber X, em junho. “Antes, eu não passava dez minutos sem corrida. Agora, em dias ruins chego a esperar uma hora”, queixa-se o dono de um Toyota Corolla que não se identifica por ter medo de ser descredenciado — pelo contrato, está expressa a proibição de “falar negativamente (…) em público” sobre a companhia.

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Fabio Sabba, porta-voz da multinacional no Brasil, diz que não há perspectiva de restringir o número de motoristas. “O equilíbrio entre oferta e demanda acontecerá naturalmente”, avalia. “Com um limite de carros, o usuário poderia esperar demais em momentos de grande procura e entender que não vale a pena.” Hoje, o tempo médio de espera é de quatro minutos e 56 segundos na metrópole, segundo a companhia. “Como em qualquer empreendimento, é preciso muito cuidado com os riscos envolvidos”, alerta o economista Alexandre Pacheco, coordenador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getulio Vargas. “No Uber, a ameaça é clara: há possibilidade de o serviço continuar proibido ou, com uma regulação, ser menos lucrativo.”

São Paulo terá ‘táxi virtual’ preto e com preço por trecho

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O prefeito Fernando Haddad sancionou há um mês a lei que reafirma a proibição da Câmara Municipal enquanto não forem feitos estudos técnicos de como o Uber pode ser regularizado. Na prática, o negócio ainda funciona graças ao controle ineficiente das autoridades. De agosto de 2014 a 1º de novembro deste ano, ocorreram apenas 104 apreensões de veículos da frota na capital. A Secretaria de Transportes intensificou a atuação dos agentes nas últimas semanas. Uma única batida no Parque do Ibirapuera, em 21 de outubro, durante a São Paulo Fashion Week, resultou em oito automóveis guinchados. Portas de hotéis têm sido alvo das ações. Os carros são abordados quando deixam clientes eacabam rebocados.

Fiscalização Uber
Fiscalização Uber ()

Em certos casos, os próprios fiscais fazem uma pegadinha: solicitam o Uber, como se fossem passageiros comuns, e dão o flagrante. Se o carro é apreendido em serviço, a empresa arca com despesas como multas e diárias de pátio (isso dá, ao menos, 2 200 reais). A reportagem de VEJA SÃO PAULO também apurou que a companhia manda mensagens aos parceiros para evitar locais onde a fiscalização é mais severa (o Uber não confirma a história).

Esses alertas, no entanto, são menos ágeis que os dos próprios motoristas em grupos do WhatsApp. Com nomes como “Homens de preto” e “Bando de loucos”, as comunidades criadas pelos profissionais têm na fiscalização e na indicação de regiõescom maior demanda os assuntos principais. Mas algumas “descambam” para pornografia e piadas sobre políticos.

As artimanhas para passar batido são as mais variadas. “Quando vou até Congonhas, peço licença ao cliente para tirar a gravata e esconder as balas oferecidas, assim não notam que é Uber”, diz um ex-comerciário. Outros deixam o passageiro (mesmo cheio de malas) do outro lado da Avenida Washington Luís, que dá acesso ao aeroporto. Há os que escondem no porta-luvas a bolsa térmica com água e outras bebidas a ser oferecidas, tudo para ocultar a marca da empresa. E também existem aqueles que cortaram as mordomias, apesar do risco de diminuir a nota média dos usuários estabelecida entre uma e cinco estrelas (quem fica abaixo de 4,6 está fora).

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Protesto Uber
Protesto Uber ()

Desde o início de outubro, a reportagem de VEJA SÃO PAULO usou o Uber setenta vezes. Em geral, a qualidade se mostrou superior à dos táxis. Os motoristas costumam ser gentis, consultar os clientes sobre temperatura do ar, rádio de preferência, e, em alguns casos, as comodidades incluíam wi-fi e refrigerante. Em apenas um caso houve desrespeito claro às leis de trânsito (uso do WhatsApp em movimento).

Em geral, o passageiro paga menos na categoria X do que em táxis comuns. Quando rodam em bandeira 2, os carros de praça também podem acabar superados pelo segmento Black (leia as comparações). Segundo os críticos, a concorrência é desleal, já que não há controle sobre o pagamento de impostos no caso dos profissionais da plataforma.

Por ora, o destino do aplicativo é incerto. Nos bastidores da prefeitura, os mais próximos a Haddad dizem que ele gostaria de dar o sinal verde para o programa, mas o temor de contrariar os 34 000 taxistas paulistanos e suas famílias às vésperas de ano eleitoral pesa na decisão. Em sua defesa, a empresa argumenta que é um serviço de tecnologia para conectar as pessoas interessadas em pagar por uma carona, não podendo ser enquadrada como uma companhia de transporte tradicional.

Discussões como essa ocorrem em boa parte dos locais do mundo onde o negócio está presente. Algumas metrópoles estão mais à frente na questão da regulamentação. Na Cidade do México, desde julho, os condutores pagam 100 dólares anuais e 1,5% sobre o faturamento, uma mordida leve, que não massacra a competitividade do serviço. Já começam a surgir até concorrentes.

Nos Estados Unidos, o Lyft (que tem como marca um enorme bigode rosa de pelúcia na dianteira) encontra-se em 205 cidades e conta entre seus investidores com o Alibaba, gigante chinês do comércio eletrônico. O próprio Uber começou a expandir sua área de atuação no exterior, lançando recentemente o Rush, modalidade de entregas expressas. Se a moda chegar por aqui, os motoboys podem se unir aos taxistas na luta contra a empresa.

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