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O Museu do Futebol é inaugurado no Estádio do Pacaembu

Nada de documentos antigos nem relíquias históricas. Sua proposta é utilizar os mais modernos recursos interativos para informar e, sobretudo, divertir tanto os fanáticos como quem não gosta de bola

Por Sérgio Xavier Filho
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h29

Poucos perceberam que era ele mesmo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou no Pacaembu na manhã da segunda-feira passada, nove horas antes da inauguração oficial do Museu do Futebol. Sem flashes, repórteres nem entourage, ele pôde ver com calma o que deverá ser daqui para a frente uma das principais atrações turísticas da cidade. Entre todos os ambientes, Fernando Henrique passou mais tempo na Sala das Origens. Ali, a luz amarelada dá um tom sépia às 431 fotos dos primórdios do futebol no país. Ficou especialmente fascinado com uma do início do século passado. Um torcedor negro do Fluminense se destaca com seu chapéu-coco, paletó e gravata. “Olha só, ele está como todos os demais torcedores”, disse, destacando o papel do negro no futebol brasileiro.

Vitor Birner é comentarista de futebol da Rádio CBN. Apesar de trintão, parecia uma criança na abertura do Museu do Futebol. Passou rápido pela Sala das Origens e se divertiu a valer em uma das quatro mesas de pebolim na Sala dos Números e Curiosidades. Em cada uma delas, os bonequinhos são dispostos de maneira diferente, reproduzindo os diversos esquemas táticos do futebol ao longo dos tempos. “Vá ao museu sem a pressa paulistana. Saí de lá maravilhado”, recomendou em seu blog.

Eliane Coelho, minha mulher, é arquiteta e não gosta de futebol. Apressou o passo na Sala das Origens, olhou com pouco interesse as mesas de pebolim e ficou encantada com a Sala da Exaltação. Trata-se de uma espécie de porão do Pacaembu. Um buraco que precisou ser aberto nas estruturas do estádio para servir de passagem entre as alas do museu. O arquiteto Mauro Munhoz conseguiu tirar dali um ambiente cenográfico entre pilastras, concreto e montes de areia. Grandes telões foram instalados e cenas de torcidas dos principais clubes brasileiros se alternam. O som é poderoso. Dá a sensação de se estar no meio da arquibancada. O curador Leonel Kaz apelidou o pedaço de “Termas de Caracala”. Faz sentido. Foi nas ruínas das termas, em Roma, que os tenores Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo fizeram um concerto lendário na Copa da Itália, em 1990.

Talvez o grande mérito do Museu do Futebol seja reunir na mesma torcida um ex-presidente sociólogo que já viu de tudo, um fanático por esporte que não se cansa de nada e uma arquiteta que nem time tem. Os três, por motivos diferentes, acabaram se interessando e gostando do lugar. É claro que nem todos vão olhar tudo – são 1?490 fotos e seis horas de vídeos, que estão espalhados pelos quase 7?000 metros quadrados de atrações. Uma hora e meia é insuficiente para dar conta dos três andares e quinze ambientes. O futebol é utilizado como fio condutor da cultura nacional e até aqueles que torcem o nariz para o esporte encontram bons motivos para ir lá. Ao que tudo indica, o Museu do Futebol disputará com o Museu da Língua Portuguesa, que recebe 50?000 pessoas por mês, o título de o mais visitado do Brasil. As atrações podem ser divididas em três categorias: para os leigos, para os fanáticos e para todos os gostos.

Salas para leigos

• Origens – Lugar perfeito para quem se interessa pela história do Brasil do século passado. É um espaço com fotos de alto a baixo, mais um vídeo de quatro minutos contando a história do esporte. Há retratos antigos não apenas de futebol, mas de aspectos da cultura nacional: os primeiros automóveis, as cidades, personalidades.

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• Heróis – Um grande painel coloca na mesma cumbuca personagens formadores da cultura brasileira do porte de Getúlio Vargas, Gilberto Freyre e Villa-Lobos e jogadores como Leônidas da Silva e Domingos da Guia.

• Copas do Mundo – Um salão com totens multimídia que lembram uma taça. Cada um deles representa um Mundial. Reúne vídeos, fotos e legendas. E não é só futebol. Na Copa de 82, por exemplo, está todo o contexto da redemocratização do Brasil, com fotos das diretas já e letras de música da época.

• Números e Curiosidades – É o momento McDonald’s do museu. Uma espécie de refeição rápida para quem provou verdadeiros pratos franceses em outras salas. Infográficos de jogadas, regras para quem está sendo apresentado agora ao esporte, tudo muito picotado com a assinatura do jornalista Marcelo Duarte, o rei das curiosidades. Enquanto os leigos aprendem, os fanáticos podem se ocupar com o pebolim.

Salas para fanáticos

• Grande Área – É a entrada do museu idealizada pelos cenógrafos Daniela Thomas e Felipe Tassara. Um grande vão livre com um painel fotográfico variado. Basicamente são objetos do futebol: bandeiras, flâmulas e peças de futebol de botão.

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• Gols e Rádios – É um espaço para ficar um bom tempo. Trinta jornalistas e personalidades, como Armando Nogueira e Ruy Castro, elegem o gol de suas vidas e explicam em vídeo o porquê da escolha. Ao lado, ouvem-se narrações históricas de gols por vozes como as de Osmar Santos e Ary Barroso.

• Dança do Futebol – São estações multimídia em que é possível entrar e acompanhar em telões textos e imagens sobre goleiros, drible, Canal 100 e gol. É difícil ver uma e deixar para trás as outras…

• Pacaembu – Para fanáticos de carteirinha, arquitetos e, eventualmente, interessados pela história de São Paulo. O assunto é a construção do Pacaembu em um vale que parece ter nascido para abrigar um estádio de futebol. Vídeo, plantas e fotos. Aqui vale um parêntese. De uma certa forma, o Museu do Futebol, concebido há três anos pelo então prefeito José Serra, que o inaugurou como governador, celebra a vitória do Estádio do Pacaembu. Ao abrigar uma obra de 32,5 milhões de reais, cujas concepção e realização se devem à Fundação Roberto Marinho, ele reafirma sua vitalidade. Se como arena esportiva ainda tem sua utilidade questionada por ter instalações obsoletas, agora o Pacaembu está tão vivo quanto nos anos 50.

Salas para todos

• Pé na Bola – É o corredor onde começa o museu. Telas em seqüência com crianças chutando bola nos mais diversos terrenos dão o pontapé inicial na visita. O fanático vai gostar, o leigo achará poético.

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• Anjos Barrocos – Um momento tecnológico: a sala escura com painéis holográficos flutuando sobre as cabeças. Ali aparecem 25 craques brasileiros de todos os tempos, de Pelé a Ronaldo, passando por Rivellino, Zico e Nilton Santos.

• Exaltação – A hora sagrada do museu. Nas entranhas do estádio, uma ópera popular com o canto das torcidas. Imperdível para quem é apaixonado pela bola e também para quem não dá a menor pelota a ela.

• Rito de Passagem – Quem conhece a história da derrota de 50 sofrerá de novo. Quem mal ouviu falar da tragédia no Maracanã a sentirá pela primeira vez. Em uma sala escura, com um som nas alturas, o visitante é transportado para o Brasil 1 x 2 Uruguai de 1950. O nome “rito de passagem” se deve à sala seguinte, que é a das Copas do Mundo.

• Pelé e Garrincha – É um espaço pequeno, quase uma passagem para a passarela que leva até a ala dos Números e Curiosidades. Mas ali estão Pelé e Garrincha, que jamais perderam um jogo de futebol quando atuaram juntos na Seleção Brasileira. O destaque é a camisa usada por Pelé na final da Copa de 70, vendida pelo técnico Zagallo em um leilão londrino. A sorte do museu é que o cineasta e apaixonado por futebol João Moreira Salles a arrematou e decidiu doá-la.

• Jogo de Corpo – Era para ser um show tecnológico já no final da exposição, mas faltou um pouco de capricho. Nesta área há um “cineminha” em 3D com embaixadinhas de Ronaldinho Gaúcho. Além da gravação um pouco longa, a bola muito próxima do jogador ameniza o efeito de 3D.

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Percorrida a exposição, o único incômodo que fica é em relação à quase inexistência de memorabilia. Com exceção da camisa de Pelé, não há objetos expostos. “A rigor, o museu cabe dentro de um DVD. A principal experiência de quem o visita é a contemplação de vídeos e fotos”, escreveu no portal IG o jornalista Mauricio Stycer. O comentarista da Rede Globo Arnaldo Jabor, um dos convidados da abertura, já tinha decretado opinião diferente antes mesmo da visita: “A visão tradicional de museu tem algo de sepultura, é a preservação de relíquias de um passado poeirento. Por isso esse museu é maravilhoso, porque ele não preserva nada. Ele celebra a imaginação dançante do futebol”.

O fato é que a falta de objetos não foi exatamente uma opção conceitual. A curadoria tentou negociar raridades e esbarrou nos valores pedidos por colecionadores para ceder suas camisas, bolas e chuteiras. Acabou optando pelo caminho virtual. A experiência de grandes museus do esporte – o melhor exemplo é o inglês Preston, que concilia delírios tecnológicos com um precioso acervo de equipamentos do futebol – ensina que um objeto fascinante atrai visitantes e ao mesmo tempo preserva, de fato, a memória. Talvez seja por aí a evolução nos próximos anos do nosso Museu do Futebol, que tem tudo para ser uma das grandes atrações de São Paulo.

• Museu do Futebol. Estádio do Pacaembu. Praça Charles Miller, s/nº, Pacaembu, 3663-3848. 10h/18h (ter. a dom.). Fecha em dias de jogos. R$ 6,00. A bilheteria fecha uma hora antes. Grátis para menores de 7 anos. https://www.museudofutebol.org.br.

Jogo de corpo

Nessa sala, a ciência entra em campo para tentar explicar o futebol. Um equipamento especial capta em supercâmera lenta a dinâmica do esporte. A deformação da bola e a tensão dos músculos dos atletas revelam um jogo que não é percebido a olho nu. Ronaldinho Gaúcho também é a estrela do cineminha 3D do museu. O papel do craque do Milan? O mesmo de sempre. Ronaldinho desafia nas embaixadinhas e malabarismos um esqueleto. Saindo do cinema, os mais fanáticos por futebol podem encarar o desafio do pesquisador Celso Unzelte, um dos consultores do museu. Em painéis, os 128 clubes que já participaram do Campeonato Brasileiro estão representados. Quando foram fundados? Como é mesmo a letra do hino do clube? Está tudo lá.

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Copas do Mundo

Os totens multimídia lembram uma taça, e não é coincidência. É um jeito divertido de compreender a história do Brasil e do mundo, já que o eixo da narrativa não passa apenas pelo futebol. Em cada totem, fotos, filmes e legendas narram o período de uma Copa específica. Monitores estão preparados para tirar as dúvidas.

Exaltação e Heróis

No alto, talvez o mais surpreendente ambiente do museu. Nas entranhas do Pacaembu, o arquiteto Mauro Munhoz conseguiu um achado. Aproveitou a paisagem rústica de pilastras e montes de areia para construir um cenário perfeito para o espetáculo de som e vídeo das torcidas. Acima, a Sala dos Heróis. Painéis móveis e uma locução procuram demonstrar que craques como Leônidas da Silva e Domingos da Guia são tão importantes para a cultura nacional quanto Candido Portinari e Mário de Andrade.

Origens e Grande Área

Acima, a sala mais “cabeça” do museu. Nas Origens, 431 fotos estão emolduradas do chão ao teto. São imagens de época, não só dos primeiros jogadores e estádios, mas também das cidades, do Carnaval e de outros momentos da formação do Brasil. No alto, a Grande Área, a entrada do museu. Aí é uma overdose de quadros pelas paredes, com flâmulas, chaveirinhos e todos os símbolos do futebol.

Pênalti e Números

E se depois de tanta informação der vontade de bater uma bolinha? Na Sala do Jogo de Corpo há um desafio real, ou quase. Pode-se cobrar um pênalti em um goleiro virtual e descobrir a velocidade de seu chute. Na Sala dos Números e Curiosidades não falta informação em forma de almanaque. Frases divertidas, regras explicadas de maneira didática, jogadas infografadas e até mesas de pebolim. Mas não mesas convencionais. Em cada uma delas, a disposição tática dos bonequinhos obedece ao esquema de determinada época. Dunga poderia perder um tempo por lá.

Pelé e suas jóias no museu high-tech

O espaço é pequeno, apenas quatro salas, mas o conteúdo é imenso. Primeira exposição temporária do Museu do Futebol, a mostra As Marcas do Rei fica no Pacaembu até 14 de dezembro. Por rei, entenda-se Edson Arantes do Nascimento, Dico ou simplesmente Pelé. Por marcas, imagine-se um resumo dos 67 anos de vida do maior jogador de todos os tempos. São camisas, troféus, medalhas, bolas, documentos, fotos, vídeos e uma estátua de cera em tamanho natural. Para cada objeto, há um texto ou um vídeo contando sua história. Do antigo jornal cinematográfico Canal 100 pode-se ver uma seleção de lances e gols pouco conhecidos de Pelé.

As Marcas do Rei são um contraponto por estar dentro de um museu rico em tecnologia e pobre em objetos. A exposição faz o caminho inverso, vai fundo na memorabilia de Pelé. Ali, e em nenhuma outra sala do museu, está a jóia mais valiosa exposta hoje no Pacaembu. Pelé recebeu na Copa de 70 uma réplica folhada a ouro da Taça Jules Rimet. Era tamanha a confiança no tri brasileiro que a organização mexicana do Mundial mandou confeccionar um troféu sobressalente para Pelé. Afinal, a seleção que ganhasse três Mundiais ficaria com a posse definitiva da Jules Rimet (tanto Brasil quanto Itália já tinham vencido dois), e apenas Pelé poderia se transformar no único jogador a conquistar três Copas do Mundo.

É curiosa a história dessa exposição. O acervo estava praticamente jogado em uma sala de sua casa do Guarujá quando, há seis anos, Pelé conheceu Rogério Zilli, um colecionador de conchas. Pelé entregou-lhe a missão de organizar seus objetos, e logo ficou claro que havia material suficientemente valioso para uma exposição e mesmo um museu. Uma casa no centro de Santos foi doada pela prefeitura para abrigá-lo. A Figer, empresa de marketing que montou a exposição e gerencia projetos do ex-jogador, tenta fazer o sonho virar realidade.

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