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O fantástico mundo das baladas milionárias

Só entra quem tem nome na lista ou está disposto a pagar 3 000 reais por um camarote

Por Alvaro Leme, Fabio Wright e Filipe Vilicic
18 set 2009, 20h28

Como muitos jovens de sua idade, o estudante Rodrigo Vieira comemorou seu aniversário com uma noitada. Pouca gente, porém, paga conta de 20 000 reais no fim da festa. Foi o que ele fez no último dia 6, na casa noturna Pink Elephant, no Itaim Bibi. Para começo de conversa, pediu 22 garrafas de champanhe Veuve Clicquot (485 reais a unidade). “Uma para cada ano de vida”, contou. O som parou. Ao microfone, um dos proprietários, Giuliano De Luca, anunciou a presença do aniversariante: “Rodrigo is in the house!”. A música eletrônica, então, deu lugar ao tema do filme Super-Homem, que ecoa pelo local sempre que alguém encomenda uma Veuve Clicquot Jeroboam (3 litros, 2 800 reais) ou mais de dez garrafas de qualquer champanhe. Nessas ocasiões, velas especiais, do tipo que solta faíscas para todas as direções, são acopladas à bebida e, no caminho entre o bar e a mesa, atraem uma legião de olhares. “A atenção da mulherada se voltou para mim”, disse o rapaz. Não raro, esse showzinho pirotécnico copiado da matriz nova-iorquina (que o imitou de baladas europeias) detona uma guerra entre camarotes. Trata-se de uma competição para ver quem consegue gastar mais. A canção do Super-Homem soou em mais três momentos daquela madrugada – o recorde desde a inauguração, em dezembro, é de oito vezes.

Celebrações como a de Rodrigo são comuns, quase banais, na verdade, no exclusivo circuito de boates frequentadas pelos paulistanos endinheirados. Aliás, boates, não. A palavra caducou, segundo onze em cada dez habitués. Eles preferem o termo “clube”, em geral usado no original em inglês, ou seja, sem a letra “e” no final. “Aqui todo mundo se conhece, pertence à mesma galera”, diz a socialite Joanna Trabulsi, que bate cartão na Pink toda semana. Participar dessa turma – ou tentar, na maioria dos casos – custa, no mínimo, 250 reais para homens e 100 para mulheres. Isso para ficar na pista. O preço dos camarotes varia entre 2 000 e 3 000 reais. O gasto médio, no entanto, gira em torno de 300 reais por cabeça. Multiplique-se o valor pelo público que os proprietários dizem receber por noite, de 800 pessoas, e o faturamento numa única madrugada pode chegar a 240 000 reais. O Museum, no Brooklin, afirma ter faturamento mensal de 750 000 reais. Na Disco, outro reduto classe AAA no Itaim, a conta mais alta já registrada foi de 40 000 reais. Segundo os donos, paga por um empresário americano que, entre muitos brindes, pediu champanhe Cristal Magnum (1,5 litro, 5 950 reais). Lá não rola o tal foguinho. “Acho muito cafona essa ostentação”, cutuca Marcos Campos, um dos cinco sócios.

Ter dinheiro não significa, contudo, livre acesso. A maioria dos clubes lança mão da chamada door policy. Na prática, a seleção dos muitos candidatos a ocupar as escassas vagas da balada. Essa incumbência recai sobre uma figura que, por seu poder de veto, costuma render polêmica: a hostess. É aquela moça bonita, com cara de quem acabou de bater um prato de jiló, que logo pergunta se o aspirante a cliente tem nome na lista. É a primeira peneira. “Se a pessoa diz que não, posso oferecer a opção de comprar uma mesa”, diz a modelo Fernanda Abreu, que cuida da porta da Disco. Para cair em suas graças, há quem lhe mande presentinhos. “Já ganhei um vale-compras de 5 000 reais para usar numa loja bacana”, conta ela, raro espécime da cepa de hostesses capazes de dispensar alguém sem soar grosseira. Na Pink, a coisa é complicada. Lá, Andrea Gozzoli, estilista de formação, comporta-se com a simpatia de um segurança de escola de samba quando um joão-ninguém (o que, no caso dela, parece incluir grande contigente dos paulistanos) se aproxima para pedir informações. “Todo dia tem barraco”, afirma. “O povo não gosta de esperar e, quanto mais rico, mais mal-educado.” Seu antídoto para o “sabe com quem está falando?” parece eficaz: responder que sim, com conhecimento de causa. “Sei bem quem ficou rico porque deu golpe, quem são os bacanas de verdade e quem são os falidos”, explica. “Tem horas em que preciso ser ríspida, mas sou humilde, não tenho o rei na barriga e sempre trato todos com respeito”, diz, antes de dar um passa-fora em três rapazes – grupos com muitos homens levam sinal vermelho porque as casas buscam manter a proporção mínima de 60% de mulheres.

A análise das hostesses passa pelo visual da pessoa. Menina sem chapinha já sai em desvantagem. A dica de ouro: seguir à risca a indumentária de Heleninha Bordon, filha de Donata Meirelles, diretora da Daslu. A moça, de 22 anos, integra todas as listas vip de São Paulo. Combina peças de marcas nacionais, como Lilly Sarti, com internacionais arrasa-quarteirão. Como toque final, uma bolsa Chanel, acessório mais comum. Ícone da nova geração de socialites, Heleninha é comparada a Serena van der Woodsen, protagonista do seriado americano Gossip Girl, que retrata o cotidiano de jovens milionários de Nova York. O uniforme da rapaziada consiste em camisa polo Ralph Lauren ou Lacoste com jeans Diesel. No fundo, tudo vale a pena se a conta bancária deles não for pequena. No Museum, numa quinta-feira, um rapaz circulava todo serelepe de chinelos de dedo. Havia acabado de desembarcar de um Porsche Cayenne, carrão cujo modelo mais básico custa 300 000 reais. Na Disco, bermuda e regata equivalem a ficar do lado de fora, regra que não se aplica às celebridades e conhecidos dos sócios. “O grau de stress de um amigo nosso para entrar é bem baixo”, reconhece um deles, Marcos Campos.

Do lado de dentro, um sistema de castas separa a clientela. Esparramada por 10 000 metros quadrados, a Pacha, na Vila Leopoldina, recebe até 3 000 clientes por festa. Isso não quer dizer que seja democrática. Pelo contrário, ali se notam com maior facilidade as diferenças. Na pista, cujo acesso custa, em média, 70 reais, existem perfis variados. O camarote, não por acaso chamado de El Cielo (o céu, em espanhol), comporta os chamados vips. Uma mesa custa 2 000 reais num dia comum, valor que chegou a 10 000 reais quando o DJ inglês Fatboy Slim comandou os pick-ups. Como nos documentários sobre o reino animal, existe uma espécie de macho alfa no comando de cada um deles. Ocupa o topo da hierarquia o indivíduo mais apto a gastar. “Minhas amigas nunca pagam nada”, conta Douglas de Oliveira, que, com as mãos na cintura de duas moças com pinta de modelo-atriz-apresentadora, se declarou diretor de uma multinacional. No sábado passado, ele curtiu o agito num grupo que lotou três camarotes da Pacha. Em volta dos candidatos a marajá, o número de “amigos de infância” e beldades de copo em punho se multiplica a cada nova rodada de bebida. “Sempre vejo caras interessantes aqui”, diz Flávia Lemos, 25 anos, representante comercial, assídua no Museum. Seu grande sonho é simples: “Ter o Brad Pitt apaixonado por mim, deitado numa Ferrari, sendo banhado em uma cachoeira de uísque Blue Label”.

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Receber um público que, em tese, já visitou impressionantes templos do luxo mundial requer instalações de primeira. O projeto da Disco leva a assinatura do arquiteto Isay Weinfeld. De quebra, um painel feito pelos Irmãos Campana decora o bar principal. O pé-direito baixo cria a sensação de intimidade. Vai demorar, entretanto, para desbancarem a Pink Elephant, a caçula do circuito. O investimento declarado por Giuliano De Luca e seus sócios foi de 5 milhões de reais. A maior parte dessa quantia se destinou a transformar o imóvel que ocupa no ambiente mais sofisticado da noite de São Paulo. Foram comprados, por exemplo, decantadores de fumaça, instalados para evitar que a clientela saia cheirando a cigarro. Os sofás, vítimas número 1 dos saltos agulha das festeiras empolgadas, ganharam revestimento de um tecido tecnológico que se regenera. Para quem duvida, De Luca saca uma caneta e crava no estofado mais próximo. Em seguida, passa o dedo indicador sobre o rasgo, como se o acariciasse, e ele desaparece. O sistema de som é distribuído de modo a permitir que as pessoas no camarote conversem com o vizinho sem precisar aumentar o tom de voz. As mesas têm compartimento para acomodar bolsas, com chave e tudo. A cereja do bolo consiste num camarim com produtos da grife francesa Christian Dior. Ali, setenta mulheres podem retocar a maquiagem a cada noite sem desembolsar um tostão. Tal e qual na porta de entrada, rola uma seleção: a preferência é das famosas e mais bonitas. “Muitos desfiles não contam com uma estrutura assim”, jura a modelo Elizabeth Perfoll. “Num bom salão de beleza, custaria uns 250 reais”, estima Dudu Vasconcelos, que atua como diretor artístico e de sala. O que quer dizer isso? “Sou responsável pelo cliente desde sua entrada até sua saída”, afirma. Ou seja, deve-se mimá-lo o máximo possível. “Já mandei trazer comida de um restaurante próximo para uma pessoa.” A casa oferece chinelos a quem sentir dor nos pés, camisetas brancas e tira-manchas, caso alguém tome um banho de bebida – o que, no calor das comemorações, pode ser intencional. O estudante Rodrigo, aquele das 22 garrafas de champanhe, levou uma enxurrada de Veuve Clicquot que consumiu meia dúzia de garrafas na hora do parabéns.

Em geral, guarda-costas pessoais precisam esperar do lado de fora. “Senão, o cliente se sente muito macho e pode causar encrenca”, diz De Luca, da Pink. Como em qualquer lugar com alto consumo de álcool, vira e mexe pipocam desentendimentos. A confusão pode nascer da pouca gentileza que impera nas pistas de dança. No lugar de “por favor” e “com licença”, boa parte prefere recorrer aos cotovelos na hora de passar por alguém. A orientação dos seguranças quando rola uma briga é conter os agressores sem jamais descer a mão – qualquer estabelecimento iria à falência se aparecesse nos noticiários como o lugar onde um milionário levou uma surra de funcionários. Na Disco, quem briga é banido. O sócio Marcos Campos conta que tentou organizar uma lista negra para impedir o acesso dos encrenqueiros também às concorrentes. “Os sujeitos que provocam confusão são os mesmos aqui, na Pink ou no Museum”, afirma. O projeto não foi adiante. “Há casos em que o cara expulso do meu clube é íntimo do dono de outro lugar.” Todas as casas, é claro, se declaram radicais no que diz respeito a drogas: ser flagrado consumindo qualquer substância ilícita equivale a ser posto para fora. O mesmo vale para garotas de programa em busca de serviço. Nada garante, porém, que ambos não apareçam por lá.

O consumo de álcool em altíssima escala exige que os clubes apostem em prevenção. Na entrada da Disco há uma máquina para verificar a autenticidade do RG da moçada. “Se pegassem um menor de idade aqui dentro, ainda mais bebendo, daria um rolo danado”, explica Marcos Maria, um dos donos. Quando alguém abusa dos drinques, é abordado por um funcionário que oferece um táxi ou motorista para dirigir o carro do cliente até em casa. Já houve gente que, literalmente, dormiu lá dentro. Acordou ao meio-dia e só então foi embora. O Museum dispõe de um enfermeiro de plantão. A Pacha, de três, além de um médico e uma UTI móvel. A Pink Elephant afirma que espera a chegada de um recém-adquirido equipamento para atendimentos de urgência com prancha, colar cervical e desfibrilador. Aprender a usá-los será mais uma atribuição para as 24 modelos contratadas como garçonetes. A seleção, como quase tudo no mundo das baladas milionárias, foi inusitada. Durante a entrevista, as moças eram assediadas com termos pouco cordiais. O modo como reagiam determinava seu futuro. “Quem se assustasse ou fosse grosseira estava eliminada na hora”, conta De Luca. “As que aceitavam a cantada também.”

Na contramão da Pacha e da Pink, que são franquias brasileiras de boates consagradas no exterior, as outras baladas milionárias paulistanas ambicionam ir para fora. “Vamos conquistar o mundo”, sonha o VJ Marcos Mion, que também integra o time de proprietários da Disco. Tarik Taha, um dos donos do Museum, planeja abrir filiais em outros dois estados brasileiros e afirma ter recebido propostas para se instalar na Europa. Se isso, de fato, se concretizar, terá valido a pena o investimento de 500 000 reais que ele e o irmão, Murched, fizeram ao comprar 25% do clube no início de 2008. Se bem que, atualmente, os dois não andem exatamente se queixando. “Antes de virar sócio, pensava que seria uma vida maravilhosa”, diz Tarik. “Agora, tenho certeza.”

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