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O desgaste das palavras

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Sou um tonto. Dia destes recebi um recado na secretária eletrônica pedindo retorno urgente. Liguei. Era um corretor de imóveis querendo me vender um lançamento.

– Qual era a urgência? – perguntei, irritado.

– Bem… Estamos selecionando alguns clientes e…

Conversa mole. As pessoas usam a palavra “urgente” em mensagens de todo tipo. Ainda sou daqueles que se assustam de leve com um e-mail “urgente”. Para logo descobrir que se trata de um assunto muito corriqueiro. A palavra está perdendo a força. Daqui a pouco não vai significar mais nada. A mesma coisa acontece com o verbo “revelar”. Abro uma revista e vejo: fulana de tal “revela” que gosta de ir à praia. Ou: a atriz tal “revela” que vai pintar o cabelo de loiro. Isso é revelação que se preze? Resultado: quando se quer realmente revelar algo se usa “denuncia” ou “confessa”. Até que também sejam desgastadas pelo uso impróprio.

E vip? A sigla surgiu como abreviação de “very important people”. Os vips tinham acesso preferencial a festas e eventos de todo tipo. Obviamente, todo mundo quis ser tratado como vip. Alguns shows e camarotes carnavalescos ficam lotados por manadas de vips. Para diferenciar “vips” entre si, nos lugares mais disputados surgiram chiqueirinhos para os “supervips” ou “vips dos vips”. Em resumo: “vip” não significa absolutamente coisa nenhuma – somente que a pessoa é rápida para descolar um convite com pulseirinha.

Os anúncios imobiliários são pródigos em detonar palavras. “Exclusivo” é um exemplo. Quase todos falam em “condomínio exclusivo”, “espaço exclusivo” (e não havia de ser, se o proprietário está pagando?). De tão comum, “exclusivo” deixou de ser “exclusivo”. Veio o “diferenciado”. Ou “único”. Mas como um apartamento pode ser “diferenciado” ou “único” se está em um prédio com mais cinqüenta iguais?

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Elogiar também ficou difícil. Antes bastava dizer:

– Você está bonita.

A cortesia não exige sinceridade. Mesmo que a sujeita pareça ter saído de um sarcófago, sempre se dá um jeito de dizer que está bem.

– Que vestido lindo! Você ficou bonita.

Portanto, se quero realmente adoçar, digo:

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– Você é muito bonita.

Algumas vezes parece pouco, e atinjo os píncaros:

– Você é o máximo.

Mas o que vem depois de “máximo”? Já andaram usando “deusa”, mas acho meio cafona. E “santa”, por incrível que pareça, perdeu o jeito de elogio, principalmente para quem acaba de fazer regime, botou silicone nos seios e fez preenchimento labial.

A palavra “amigo” é incrível. Implica uma relação especial. A maioria fala em “amigos” referindo-se a conhecidos distantes. Pode ter visto a pessoa duas ou três vezes e já é “amigo”. O mesmo ocorre com “abraço”. Terminar uma mensagem com um “abraço” era suficiente. Se envio um abraço é porque realmente tenho vontade de oferecer meu carinho. Foi tão banalizado que agora se usa “grande abraço”, “forte abraço”. Já é pouco, e surgiu o “beijo no coração” no fim das mensagens realmente amigáveis. A seguir, o que virá? Algum termo cirúrgico? Minha imaginação não alcança.

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Minha vontade é voltar a usar os termos com a força que eles realmente têm: “abraço” é “abraço”, “amigo” é “amigo”. Por que deixar as palavras se desgastarem? Se o que têm de mais belo é justamente sua história e o sentimento que contêm? Enfim, tudo o que lhes dá realmente significado.

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