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Melhor restaurante do mundo, Noma, na Dinamarca, tem excentricidades

Liderado pelo chef René Redzepi, estabelecimento tem filas de espera de no mínimo três meses

Por Luciana Lancellotti
Atualizado em 1 jun 2017, 18h34 - Publicado em 16 abr 2011, 00h50

Deixe de lado a ideia do restaurante com talheres de prata, toalhas de linho, carta de vinhos com rótulos caríssimos e uma brigada a paparicar os comensais. O atual objeto do desejo de gastrônomos é o oposto disso. Chama-se Noma e fica na Dinamarca, no térreo de um armazém do século XVIII, localizado num cais no Porto de Copenhague. O lugar ganhou fama após receber, em 2010, o prêmio de o melhor restaurante do mundo, conferido pela revista inglesa “Restaurant”, que publica o S. Pellegrino World’s 50 Best, o ranking mais aguardado pelo meio gastronômico — os resultados de 2011 devem ser divulgados no dia 18 deste mês. O responsável pela façanha, o chef dinamarquês René Redzepi, desbancou, aos 32 anos, lendas como o espanhol Ferran Adrià, do el Bulli, e o inglês Heston Blumenthal, do The Fat Duck. O que tem, afinal, o Noma para causar furor culinário mundo afora?

No endereço de Redzepi, nada é óbvio. O ambiente é de uma elegância discreta. São apenas quarenta lugares no salão em que a madeira reina: nas vigas e no piso escuro e polido, além de no desenho clean de mesas e cadeiras com encosto de couro e peles de ovelha. Não há trilha sonora. Sobre as mesas, nada de toalhas nem talheres. Só copos, pratos, vasos de flores e velas, que permanecem acesas durante todo o dia, ainda que no verão imensos janelões de vidro tragam luz natural abundante até por volta de 23 horas. Nada, a não ser a comida, disputa atenção com a vista para o Canal de Nyhavn, margeado de prédios coloridos. “Em que outro lugar é possível enxergar a parte exterior do restaurante a partir da cozinha, sabendo que tempo faz lá fora?”, pergunta, de maneira retórica, Redzepi. “Os cozinheiros precisam ter sempre contato com o entorno.”

É justo dizer que no tal entorno mora o segredo da cozinha do chef dinamarquês. Redzepi fez da sua bandeira gastronômica a valorização de ingredientes locais, numa receita que mistura sabores nunca antes imaginados recheados com o discurso da sustentabilidade. Ele vasculha a região onde vive, sempre em busca da próxima inspiração. Por isso, receitas de foie gras passam longe do cardápio, assim como o azeite, já que não são produzidos na Dinamarca. Por outro lado, não faltam banha de porco, toucinho, algas, vieiras, camarões, folhas de azedinha, entre tantos outros ingredientes locais que ganham significado diferente na cozinha inventiva desse chef. Entre as exceções, figuram café, chocolates e vinhos. Esses últimos vêm de países como França, Itália, Espanha, Alemanha e Áustria.

René Redzepi Luxo 2213
René Redzepi Luxo 2213 ()
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O chef gosta de surpreender além da comida. Ele próprio e seus 25 cozinheiros, de várias nacionalidades, se encarregam de servir os pratos, explicando, em inglês perfeito, a melhor maneira de degustá-los. Para começar, nada de talheres. Trata-se de uma forma de propor o resgate das origens, valorizar o contato com o alimento. E, enquanto você aguarda a primeira sugestão, eis que um dos funcionários aponta para o vaso à mesa e diz: “Pode começar”.

Isso mesmo. As flores são o primeiro aperitivo. No miolo, um escargot se revela sobre a rémoulade (molho à base de alcaparras, pepino, maionese e ervas). Chega à mesa, também, um ovo de porcelana. Quando aberto, faz evaporar uma nuvem de fumaça que até então envolvia dois ovos de codorna em conserva. Mais: peixinhos finlandeses equilibram-se dentro de bolinhos de massa de panqueca. Assim que você começa a se familiarizar com as propostas, tem início o momento mais inusitado da refeição. Camarões vivos são servidos em vasinhos de vidro cheios de gelo. Tomado do espírito bárbaro, é preciso besuntar o crustáceo no molho de manteiga e dar-lhe uma mordida fatal.

René Redzepi Luxo 2213
René Redzepi Luxo 2213 ()
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Ao propor o ingrediente em seu máximo frescor, Redzepi talvez vá longe demais. Mas, uma vez ali, depois de mais de três meses na expectativa, não teria graça voltar ao Brasil sem provar de tudo. Três meses, aliás, é força de expressão: esse é o tempo médio de espera, quando se dá sorte de ter a reserva confirmada. Diariamente, centenas de pedidos pipocam do mundo inteiro, e, em se tratando de apenas doze mesas, é impossível atender todos os interessados. Os contemplados desembolsam cerca de 340 reais pelo menu com sete etapas (ou 430 reais, por doze pratos). No Noma não existe serviço à la carte.

Passada a fase dos aperitivos, aí, sim, vêm os talheres. A esta altura, você se questiona se são, de fato, necessários. Vieiras desidratadas parecem pétalas, servidas como chips sobre creme de agrião ao molho de tinta de lula. Uma ostra apresentada com água do mar repousa sobre cama de algas. O filé-mignon cru, cortado na ponta da faca, é coberto por folhas de azedinha colhidas pela própria equipe. E o aipo é assado na manteiga de leite de cabra e oferecido sobre trufas negras da ilha sueca de Gotland. Por fim, frutas vermelhas e pétalas feitas com beterrabas cobrem um filé de cervo, numa combinação dos deuses. É a vez da sobremesa. Uma delas chama-se “um passeio na floresta”: bola de sorvete de mirtilo servida com a fruta in natura, croûtons de brioche, folhas de azedinha, tomilho e granita de pinheiro (espécie de raspadinha verde).

Quatro horas de almoço resultam numa bela experiência gastronômica. Com tantas surpresas, há quem ame e quem odeie o Noma. Redzepi sabe disso. “Em alguns dias, você só quer fazer seu trabalho, sem grandes preocupações. Mas aqui nunca é possível”, desabafa. “Por isso, quando algum cliente comenta que não gostou, não nos ofendemos. Porque existe uma diferença entre fazer o melhor e fazer realmente o melhor. E damos nosso máximo, absolutamente todos os dias.

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