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Dez metas para a prefeitura: as mudanças da gestão de João Doria

Mudar a velocidade nas marginais deve ser a primeira, mas ela será acompanhada por outras mais difíceis, incluindo o maior programa de privatizações na cidade

Por Sérgio Quintella
Atualizado em 1 jun 2017, 15h54 - Publicado em 8 out 2016, 00h00

Foi uma das arrancadas mais vertiginosas da história da política paulistana. Em um mês, João Doria disparou dos 5% de preferência nas pesquisas para a conquista de 53% dos votos e uma vitória no primeiro turno, algo inédito na disputa pela prefeitura da capital. A surpresa engolfou até o próprio eleito, que havia marcado uma reunião do comitê de campanha para as 7 horas de segunda (3), o dia seguinte à primeira rodada de votação.

A agenda de campanha foi trocada às pressas por dezenas de entrevistas. Ao longo da semana passada, o tucano conversou com mais de sessenta veículos da imprensa, incluindo jornais como o francês Le Monde e o americano Washington Post. Esse último o comparou a Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos.

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Na noite da última terça (4), Doria recebeu a reportagem de VEJA SÃO PAULO em seu amplo escritório no 11º andar de um prédio na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em frente ao Shopping Iguatemi e a poucos metros de sua mansão na Rua Itália, no Jardim Europa. A conversa de duas horas seria interrompida apenas por uma ligação do ministro das Relações Exteriores, José Serra, parabenizando-o pela conquista.

Em seu quartel-general, o empresário de 58 anos circula entre telas do nipo-brasileiro Manabu Mabe, esculturas dos artistas plásticos Romero Britto e Bia Doria (sua mulher, com quem tem três filhos), livros de moda e retratos de moldura branca em que aparece ao lado de celebridades como Roberto Carlos, Ayrton Senna e Ray Charles. Apesar da (assumida, aliás) fama de “coxinha”, tem aparecido de jeans e tênis. Mas as peças são de grifes caras como Ralph Lauren, Diesel e Calvin Klein.

ilustracao joão dória
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Apesar do mantra “Não sou político, sou gestor”, usado à exaustão na recente disputa, Doria já passou pela administração pública. Na década de 80, foi secretário municipal de Turismo e dirigiu a Embratur. No lançamento da pré-candidatura no PSDB, contou com o apoio do governador Geraldo Alckmin e a rejeição de boa parte do tucanato. Sua pretensão era motivo de piada entre os adversários. Como se sabe, ele acabou levando não só as prévias do partido como também a eleição. Venceu em quase todas as regiões da metrópole, incluindo as mais pobres. Mais que ninguém, soube capitalizar o forte sentimento anti-PT por aqui.

Na sexta 7, estava agendada a primeira reunião de transição com Fernando Haddad. “Temos conversado por telefone todo dia, a relação está ótima”, afirma Doria. Pelos próximos três meses, sua equipe deve ocupar uma sala no centro sob o comando do ex-secretário estadual de Planejamento Julio Semeghini, cotado para exercer um cargo na prefeitura.

Praticamente certo no time de secretários é o sociólogo Daniel Annenberg, responsável por implantar o Poupatempo no governo estadual. “É um excelente quadro, mas ainda não defini nada, não tive tempo”, despista o prefeito eleito. O vice Bruno Covas também assumirá um posto. Outro nome forte é o cientista político Bruno Caetano, diretor do Sebrae-SP. Confira, nas próximas páginas, uma relação das medidas consideradas prioritárias pelo novo governo, que assume o poder em 1º de janeiro de 2017.

1. Velocidade nas marginais


marginal tietê
marginal tietê ()

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Ainda pré-candidato, antes de enfrentar as prévias no PSDB, João Doria já falava em voltar a liberar os carros para andar a 70 e 90 quilômetros nas marginais. Agora, diz que vai implementar a medida logo nas primeiras semanas de governo. No ano passado, quando reduziu a velocidade nessas vias, a prefeitura atual pagou 704 000 reais a uma empresa terceirizada pela troca de 456 placas da Tietê e 263 da Pinheiros, o que representa quase 1 000 reais por cada uma. “É muito dinheiro, mas espero que a sinalização antiga esteja guardada”, diz Doria, ao ser informado da quantia.

A medida não deve ser replicada no resto da cidade, que permanecerá com os atuais limites. Durante a campanha, o tucano acusou Fernando Haddad de criar a bilionária “indústria da multa”. De acordo com uma recente acusação do Ministério Público, a verba arrecadada foi usada de forma indevida para o custeio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Os promotores pedem a devolução de 1,4 bilhão de reais aos cofres públicos. O caso está na Justiça. “Depender da ação dos radares para pagar funcionários mostra que a gestão não está correta”, afirma Doria. “Vamos acabar com essa volúpia em multar os paulistanos.”

2. Corujão da Saúde

Escolhida pelo tucano como “as prioridades números 1, 2 e 3”, a saúde do município ganhará um programa emergencial. Em uma tentativa de reduzir rapidamente a espera para a realização de exames — hoje estimada por ele em cerca de 500 000 pessoas —, o próximo prefeito pretende alugar os serviços laboratoriais de pelo menos quarenta hospitais particulares e de todas as unidades estaduais localizadas na capital. O custo disso é estimado em 100 milhões de reais.

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O nome Corujão da Saúde refere-se à faixa de horário que será disponibilizada gratuitamente à população: entre 20 e 8 horas. No raciocínio do novo prefeito, é melhor encarar o consultório de madrugada do que aguardar na fila. “Gestantes, idosos e casos mais graves terão preferência de atendimento no começo da noite ou pela manhã”, afirma Doria. “Não tem cabimento uma grávida de quatro meses esperar tanto para fazer o primeiro pré-natal”, completa. Sua intenção é implantar a primeira fase do Corujão em apenas seis meses (ou seja, até julho de 2017). O esquema deve funcionar por um ano, no máximo.

3. Ciclovias


ciclistas protesto
ciclistas protesto ()

Uma das principais bandeiras da gestão Haddad, a implantação massiva de ciclovias pela capital dividiu os paulistanos. Idolatrados por quem comemorou a criação de uma nova opção de deslocamento, os 400 quilômetros de faixas pintadas de vermelho foram criticados por outros, seja pela supressão de vagas, seja pelo argumento frequente da baixa presença de ciclistas em vários deles. As denúncias do Ministério Público de superfaturamento nas obras só engrossaram o caldo. “Elas serão descontinuadas”, disparou Doria, logo após o resultado das urnas. Nos dias seguintes, no entanto, esclareceu que não construirá novas, mas manterá parte das atuais. O alvo da extinção serão as ociosas ou instaladas em locais considerados inadequados. “Não tem cabimento colocar ciclovia na frente de loja. Prejudica quem depende do comércio”, afirma o novo prefeito. “E vou mandar tirar todas as pintadas sobre calçadas.”

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Entre as preservadas estão algumas das mais importantes da capital, como as das avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima. “São bons exemplos, com espaço segregado no meio da pista”, entende Doria. Nesses casos, a intenção da futura gestão é entregar a manutenção à iniciativa privada. “A prefeitura não tem condições de mantê-las em ordem”, explica. Em troca, a empresa que vencer a licitação poderá inserir publicidade, nos mesmos moldes do que ocorre no serviço de locação de bicicletas, dos bancos Itaú e Bradesco. O anúncio da medida provocou manifestações de repúdio. Na última quarta, 5, um grupo de ciclistas pedalou até a porta da casa de Doria, no Jardim Europa, e deitou-se na rua, em protesto.

4. Creches

Tema recorrente de discussão nos debates da última campanha (e em várias outras anteriores), o histórico déficit de vagas para crianças em creches, hoje na casa de 100 000, está na fila da frente do plano de prioridades do governo eleito. Por outro lado, Doria não pretende comprar nenhum tijolo para erguer prédios. “Não dá tempo, é caro, burocrático e ineficaz”, diz. Seu plano é destinar às organizações sociais (OSs) o papel de cuidar dos menores em idade pré-escolar, a exemplo do que começou a ocorrer recentemente na atual administração. “A gestão Haddad está no caminho certo, o problema foi que demorou a agir”, opina.

A ideia é expandir a oferta para pontos de grande circulação de pessoas, como terminais de ônibus, estações de metrô e até shoppings. “Mães e pais já passam por esses locais e vão economizar tempo, a vida de todos vai melhorar”, assegura. Cada espaço do tipo deve abrigar entre sessenta e 150 crianças, dependendo da disponibilidade. A oferta de horários estendidos, à noite, também faz parte da concepção do plano de educação de Doria.

5. Privatizações

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Salão do Automóvel, no Centro de Convenções do Anhembi
Salão do Automóvel, no Centro de Convenções do Anhembi ()

O polêmico e inédito plano de desestatização inclui o Anhembi e o Autódromo de Interlagos. Doria quer concluir essas vendas até 2019. No primeiro caso, a divisão será em três lotes: Sambódromo, Palácio das Convenções e Pavilhão de Exposições, que deverão render aos cofres públicos em torno de 4 bilhões de reais. “O Anhembi está caindo aos pedaços”, diz Doria. “Outro dia fui lá e vi lona plástica no teto para segurar goteiras.” O objetivo é que o pavilhão retorne a seus tempos áureos para abrigar novamente eventos como o Salão do Automóvel. Neste ano, pela primeira vez na história, a badalada feira de veículos será realizada em outro local, o São Paulo Expo, antigo Centro de Exposições Imigrantes, privatizado há três anos pelo governo estadual. Já o Sambódromo, mesmo vendido, deverá ser cedido gratuitamente às escolas de samba durante o Carnaval.

Coma venda de Interlagos (que inclui um kartódromo e um parque), Doria pretende arrecadar 3 bilhões de reais. O problema é que há um contrato em vigor com a Fórmula 1 para a realização do GP Brasil por ali até 2020. “Não vamos pôr um centavo a mais de dinheiro público. Os organizadores terão de custear as provas”, afirma. Se confirmado, isso representará 100 milhões de reais a mais no caixa municipal por ano. “Em quatro anos, eu construo um hospital com essa verba”, afirma Doria. “Nunca se fez nada parecido na cidade”, comenta o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas. “Interlagos deve atrair investidores, mas o forte do Sambódromo é o Carnaval. Como ele ficará no resto do ano?”, questiona.

6. Poupatempo municipal

Além de alterar o nome das subprefeituras — elas passarão a se chamar “prefeituras regionais” a partir de janeiro —, João Doria quer instalar nos 32 locais uma espécie de irmão caçula do Poupatempo, órgão estadual que concentra serviços públicos de toda espécie. Na versão municipal, a atenção será voltada para a emissão de alvarás e certidões para os microempreendedores.

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Isso sem tirar serviços como a emissão de carteiras de identidade, de motorista e de trabalho, que continuará sendo feita nesses locais. “Nosso atendimento será eficiente, tecnológico e confiável”, promete Doria. Para isso, vai contar com a experiência adquirida pelo recém-eleito vereador Daniel Annenberg, do PSDB, considerado o criador do conceito de Poupatempo. Ele deve assumir uma secretaria que será criada especificamente para esse projeto.

7. Concessão de parques


Parque Ibirapuera
Parque Ibirapuera ()

Sob a alegação de que a prefeitura não tem condições de gerir sozinha os 107 parques municipais, João Doria quer transferir para a iniciativa privada o poder de administrar e cuidar da zeladoria das áreas verdes da cidade. A concessão, ainda sem prazo definido para começar e terminar, inclui a mais cobiçada e movimentada da capital, o Ibirapuera. Com 1,5 milhão de metros quadrados, o local está sem segurança privada desde julho, quando o contrato com uma empresa particular foi suspenso. “Os banheiros são imundos e as quadras estão caindo aos pedaços”, diz o tucano. Para deixar o Ibirapuera com vigilância, equipamentos em ordem e mais limpo, o consórcio que vencer a licitação poderá administrar os quiosques e carrinhos de alimentação existentes no local, além de estipular o valor pelo uso comercial dos espaços e do estacionamento.

A cobrança de entrada para a população será proibida. A medida é vista com reservas por parte do público. “Uma gestão de interesse público e sem fins lucrativos, como ocorre no Central Park, em Nova York, seria mais interessante”, defende Thobias Furtado, diretor da ONG Parque Ibirapuera Conservação. Nos mesmos moldes, está na mira a concessão do Estádio do Pacaembu a uma empresa privada. “Ele será destinado exclusivamente ao futebol, e o público da região continuará usando o clube e a piscina de forma gratuita”, diz Doria. O problema será encontrar um interessado nesse modelo, pois os três grandes clubes da capital já possuem casa própria. “Não estou fazendo esse projeto para o Santos”, garante o novo prefeito, torcedor do time da Baixada.

8. Tarifas e taxas

Durante a campanha, Doria prometeu não aumentar o preço da passagem de ônibus, hoje em 3,80 reais. Tão logo venceu a eleição, garantiu a medida em 2017. Questionado por jornalistas se a política valeria para os demais anos, preferiu desconversar. “Uma coisa de cada vez”, respondeu. Para manter a tarifa, ele terá de absorver a desvalorização do real e aumentar os subsídios às empresas de transporte, que poderão bater na casa dos 2 bilhões de reais por ano. Isso vai pesar no orçamento municipal, que deve sofrer uma redução.

De acordo com proposta de Fernando Haddad a ser apreciada pela Câmara, o orçamento em 2017 será de 51,3 bilhões de reais (queda de 5,6%). “Vamos utilizar boa gestão financeira e ampliar a quantidade de recursos”, garante Doria. Outra de suas promessas é não reajustar o principal meio de arrecadação da prefeitura, o IPTU. O valor dos carnês em 2017 deve só acompanhar os índices inflacionários, na casa dos 10%. “Não vamos aumentar o tributo”, diz. “Aumento é aumento real, acima da inflação, o que nós não vamos fazer”, completa.

9. Cracolândia 


Cracolândia
Cracolândia ()

Criado em janeiro de 2014, o De Braços Abertos oferece atividades remuneradas aos dependentes da Cracolândia, como a varrição de ruas, e hospedagem em hotéis e pensões. Fernando Haddad considera o programa bem-sucedido, mas a realidade é outra. O controle sobre as atividades dos viciados é bem precário. Por isso, muitos ganham sem trabalhar. Boa parte dos estabelecimentos credenciados tem graves problemas estruturais, a ponto de o Ministério Público ameaçar seu fechamento. Um dos objetivos centrais do projeto, o de reduzir a quantidade de pessoas nas ruas, também não se cumpriu. O fluxo tem hoje cerca de 600 pessoas, 20% mais que no ano passado. “Eles não se recuperaram e mais dinheiro passou a circular na Cracolândia, elevando o preço da droga”, afirma Doria.

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Os contratos com os seis hotéis e pensões da região que abrigam os dependentes serão cancelados. “Faremos de modo gradual, mas aquelas cenas de viciados amontoados sob a escolta da Guarda Civil Metropolitana vão acabar logo”, promete. A intenção é seguir o programa do governo estadual, chamado de Recomeço, e propor a internação das vítimas do crack, um trabalho a ser feito em conjunto com as famílias. “Vamos levar as pessoas próximas dos dependentes para ajudar na recuperação deles”, completa o tucano.

10. Iluminação pública 

Avenida 23 de Maio com lampadas de led
Avenida 23 de Maio com lampadas de led ()

Para dar seguimento à proposta de trocar toda a iluminação da cidade por lâmpadas de LED, a futura gestão terá de fazer o que Haddad não conseguiu: vencer os trâmites burocráticos. Desde seu lançamento, em 2014, a parceria público-privada (PPP) que prevê a troca de 580 000 pontos de luz não saiu do papel. Primeiro, um questionamento do Tribunal de Contas do Município (TCM) adiou a licitação por um ano. Quando tudo parecia caminhar, a Justiça suspendeu a disputa e o caso continua parado. “Vou resolver as pendências e botar para andar”, afirma Doria, elogiando a “boa vontade” do petista. “Ele foi corajoso, estava no caminho certo, mas historicamente o PT não aprova programas de concessão ou privatização”, opina.

O prefeito eleito pretende fazer uma visita nesta semana ao TCM, onde o atual administrador não tem bom trânsito. Nos últimos quatro anos, o Tribunal barrou quase todos os projetos ambiciosos da gestão municipal, como a construção de corredores de ônibus, a concessão do transporte público e até o sorteio de alvarás de táxi.

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