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Michael Bloomberg: experiências que viraram referência internacional

Na semana em que passou pela cidade para a conferência de sustentabilidade C40, o prefeito de Nova York falou a VEJA SÃO PAULO sobre medidas que deram certo

Por Daniel Bergamasco e Mariana Barros [colaboraram Daniel Salles, Giovana Romani e Manuela Nogueira]
Atualizado em 1 jun 2017, 18h32 - Publicado em 4 jun 2011, 00h50

Enquanto alguns integrantes das delegações da conferência de cidades C40 faziam fila para provar as oito variedades de caipirinha no coquetel do Jockey Club, na última terça, o prefeito Michael Bloomberg, de Nova York, concentrava-se em explicar ao paulistano Gilberto Kassab (a quem chamava de “Zilberto”) um de seus projetos de maior repercussão: a transformação de uma via férrea elevada, espécie de Minhocão, em um parque verdejante para caminhadas e descanso. “No começo, diziam que era uma ideia idiota, que o melhor seria demolir tudo”, contava ele. “Hoje, as pessoas adoram o High Line Park, que está ajudando muito na revitalização da Baixa Manhattan.”

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Esse é apenas um exemplo da lista de intervenções polêmicas da gestão Bloomberg. O prefeito, que comanda a metrópole cujo PIB é de 566 bilhões de dólares, tem uma administração marcada pela adoção de medidas arrojadas e impopulares, em muitos casos com efeitos positivos notáveis. Pioneiro na proibição do fumo em todos os lugares públicos, inclusive bares, Bloomberg também investiu contra a gordura trans nos restaurantes, conseguiu baixar os índices de criminalidade e promoveu uma reviravolta positiva na educação pública por meio de um modelo que recompensa financeiramente as escolas e os profissionais nas quais alunos têm os melhores desempenhos.

Filho de um contador e uma dona de casa, ambos descendentes de judeus russos, Bloomberg, de 69 anos, tem hoje, segundo a revista americana “Forbes”, a trigésima fortuna do mundo (18 bilhões de dólares), graças ao império edificado a partir da agência de notícias econômicas que leva seu sobrenome, e que agora inclui, além de outros investimentos em mídia, imóveis, restaurantes e shoppings.

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Na passagem por São Paulo, ele mostrou estilo bem diferente de outros bilionários-celebridade excêntricos de seu país, como Donald Trump. Aterrissou no heliponto do hotel Sheraton vestindo calça de agasalho. Lá, ficou hospedado no 16º andar em um conjugado de duas suítes, que somam 90 metros quadrados.

Atencioso com os que lhe dirigiam a palavra e empenhado o tempo todo em fazer piadas — a maioria constrangedoras como “Me confundem muito com Brad Pitt”—, Bloomberg está longe de ter o carisma de seu antecessor, Rudolph Giuliani. Ele chegou à prefeitura de Nova York meses após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 com duplo desafio: sanear as finanças da cidade, mergulhada em dívidas que ameaçavam paralisar a administração municipal, e fazer com que os nova-iorquinos esquecessem o popularíssimo antecessor.

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Conseguiu. Eliminou o déficit de 6 bilhões de dólares da prefeitura e não quis mais largar o osso, propagando ideias comportamentais tidas como progressistas (apoia o direito ao aborto e o casamento gay). Numa manobra polêmica, conseguiu a aprovação dos legisladores municipais para disputar o terceiro mandato e foi reeleito. O episódio lhe rendeu o apelido nada elogioso (ainda mais entre americanos) de “Hugo Chávez”.

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Hoje, no entanto, tem o apoio de seus eleitores. “Bloomberg criou maneiras de devolver o espaço urbano às pessoas, combatendo o domínio dos carros e levando os nova-iorquinos a tirar proveito da cidade, de estar na rua, sentar num banco, encontrar pessoas”, resume Caitilin Zaloom, professora de estudos metropolitanos da Universidade de Nova York.

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Estreitar diálogos entre prefeitos faz parte das missões do encontro bianual C40, que em suas outras três edições foi sediado em Londres, Nova York e Seul. Nesse aspecto, o evento que terminou na última sexta com a presença do titular do Banco Mundial, Robert Zoellick, e do ex-presidente americano Bill Clinton cumpriu seu papel. Conhecer mais profundamente o que já foi experimentado em alguns locais e tentar aplicar as boas iniciativas por aqui é salutar.

Nova York e São Paulo guardam muitas semelhanças. A diferença de tamanho entre suas populações não é significativa para o padrão das megalópoles (8 milhões de nova-iorquinos para 11 milhões de paulistanos). Ambas sofrem para equacionar problemas como o trânsito e os elevados custos de vida para os habitantes.

Talvez a maior distância entre elas hoje se verifique no estilo de gestão de seus comandantes. A marca de Bloomberg tem sido utilizar sua experiência no mundo dos negócios para melhorar a administração pública, gerindo a prefeitura como se fosse uma empresa. Ao assumir o cargo, carregou para o serviço uma série de executivos tarimbados. Para planejar o desenvolvimento econômico de Nova York, por exemplo, contratou Dan Doctoroff, ex-gestor do fundo de private equity Oak Hill Capital. As metas econômicas foram traçadas com ajuda da consultoria McKinsey. Ao contrário de muitos de nossos homens públicos, a prioridade de Bloomberg não é a de cumprir uma agenda política, mas sim a de fazer a cidade funcionar.

O que os aproxima…

➜ População numerosa: são 8 milhões de habitantes em Nova York e 11 milhões na capital paulista.

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➜ Trânsito complicado: a frota da metrópole americana é de 1,8 milhão de carros, enquanto em São Paulo circulam diariamente 4 milhões de veículos.

➜ Alto custo de vida: o aluguel representa em média 38% do orçamento de um nova-iorquino e 18% do de um paulistano; despesas com alimentação (17% e 15%, respectivamente) e transporte (9% e 15%, respectivamente) são outros itens que pesam no bolso dos cidadãos das duas localidades.

…e o que os distancia

➜ Transporte público: com 1.000 quilômetros, a rede de metrô nova-iorquina é catorze vezes a paulistana.

➜ Segurança: embora os homicídios venham caindo em São Paulo, a cidade ainda tem uma taxa maior que a de Nova York. Em 2010, foram 10,6 assassinatos por 100.000 habitantes, enquanto a cidade americana registrou 6 por 100.000.

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➜ Turismo: Nova York recebe por ano 48,7 milhões de visitantes, contra 11,7 milhões de São Paulo.

➜ Estilo de gestão: Michael Bloomberg recrutou executivos na iniciativa privada para cuidar de áreas importantes e deu autonomia a cada departamento. Gilberto Kassab preferiu recrutar boa parte de seus assessores entre políticos e imprimiu um estilo de gestão centralizador.

 

Recuperar áreas degradadas 

➜ Para recuperar o entorno degradado de uma linha de trem desativada no lado oeste da cidade, a prefeitura deu início à construção de um parque no lugar dos antigos trilhos, suspensos a 9 metros do chão. Assim, o High Line Park ganhou a forma de uma passarela-jardim, com piso de madeira, bancos e acessos laterais por escadas ou elevadores. O projeto tem duas etapas: a primeira foi concluída em 2008, a segunda será inaugurada na próxima quarta (8), somando gastos de 153 milhões de dólares e totalizando 1,6 quilômetro de extensão. O projeto virou hit urbanístico, e arquitetos de Chicago, Hong Kong e Roterdã já anseiam por reproduzir o modelo em sua cidade.

Em vez de Nova York, São Paulo poderia ter sido a musa inspiradora dessa ideia. Em 2006, um projeto de parque havia sido imaginado pelos arquitetos Juliana Corradini e José Alves, que venceram um concurso organizado pela prefeitura para dar cara nova aos 3,5 quilômetros do Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva, o Minhocão, inaugurado em 1970. Não foram só eles. Vários especialistas propõem há anos a substituição total do tráfego por áreas de lazer, o que, para a urbanista Regina Mayer, da USP, parece temerário. “Seria preciso antes criar uma boa alternativa para o trânsito, aí então poderíamos pensar em fazer ali um parque”, afirma ela. Kassab diz que está buscando essa opção: anunciou em maio do ano passado o plano de construir uma avenida que absorvesse esse tráfego. Para ele, contudo, o mais útil para os prédios do entorno seria demolir de vez o elevado.

Privilegiar os pedestres nas ruas 

Times Square - capa 2220
Times Square – capa 2220 ()

➜ Quando souberam que o prefeito planejava interditar para passagem de veículos dois dos locais mais movimentados da cidade, muitos nova-iorquinos protestaram. Achavam que a proposta de restringir as congestionadas Times Square e Herald Square apenas a quem está a pé ou de bicicleta seria a gota-d’água para o trânsito entrar em colapso. Michael Bloomberg, porém, não só foi adiante como ousou, oferecendo até cadeiras e bancos para os interessados em relaxar em meio ao asfalto. “Ele tenta fazer da cidade um lugar para as pessoas, e não para seus carros”, diz Caitlin Zaloom, professora de estudos metropolitanos da Universidade de Nova York. “Esses locais agora ficam lotados, com 20.000 pessoas às 11 horas da noite, o que foi excelente para o comércio”, diz Bloomberg.

A conjuntura favoreceu o sucesso da iniciativa: em decorrência da recente crise econômica nos Estados Unidos, muitas pessoas cortaram gastos com transporte, deixando seus veículos na garagem. É possível imaginar algo semelhante em São Paulo, em avenidas como a Paulista ou a Faria Lima? Projetos um pouco parecidos entram em discussão na cidade de tempos em tempos. Desde o início de seu mandato, Gilberto Kassab divulgou com estardalhaço a criação de ao menos quatro bulevares, com projeções fantásticas computadorizadas anunciando um admirável mundo novo. Mas nada saiu do papel. “Antes de tentar algo do tipo, o poder público precisa criar alternativas capazes de convencer os habitantes a deixar seus automóveis em casa”, diz a urbanista Nadia Somekh.

 

Direcionar policiais para onde há mais crimes 

Brooklyn - capa 2220
Brooklyn – capa 2220 ()

➜ O ano de 2009 é considerado o mais seguro da história recente de Nova York. Foi quando a cidade bateu um recorde, registrando sua menor taxa de homicídios: 6 para cada 100.000 habitantes (o índice de São Paulo, que também baixou muito, é de 10,6). Bloomberg teve a sabedoria de seguir adiante com o modelo de tolerância zero implantado por seu antecessor, Rudolph Giuliani. Uma inovação da atual prefeitura, no entanto, foi a implementação de uma filosofia na polícia de transformar as revistas num procedimento de rotina para o menor sinal de suspeita. Embora polêmica, a tática da “geral para todos” rendeu bons resultados. “Nas abordagens mais recentes, encontramos menos armas de fogo, o que é um indício de que a medida deu certo”, diz o “xerife” de Nova York.

Outra medida importante foi rever o mapa do patrulhamento. Bloomberg concentrou o efetivo da tropa de 35.000 homens nas regiões carentes, onde os problemas aconteciam em maior proporção. Com isso, fez a criminalidade despencar. A medida, que parece óbvia, nunca havia sido colocada em prática, pois concentrar soldados nos bairros mais ricos era um hábito dos políticos, em busca da aprovação da elite da cidade. “São Paulo pode obter resultados semelhantes investindo mais na inteligência na área de segurança”, diz Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

Fechar ainda mais o cerco ao fumo 

Proibido fumar - capa 2220
Proibido fumar – capa 2220 ()

➜ Opositores de Michael Bloomberg costumam dizer que seu principal defeito é se intrometer demais na vida dos cidadãos. Defensores do prefeito, porém, encaram suas ações como tentativas corajosas de cuidar da saúde dos nova-iorquinos e reduzir gastos com tratamentos. Os cardápios com alimentos gordurosos estão entre os alvos recentes da gestão. A prefeitura obrigou as lanchonetes a estampar em letras garrafais as calorias dos alimentos, proibiu a troca do vale-refeição do governo por refrigerante e vetou o uso de gordura trans em restaurantes.

Para Jen Petersen, socióloga urbana da Universidade de Nova York, o efeito dessas medidas pontuais é mais imediato que o da maioria das campanhas de conscientização do governo federal. “São ações locais com impacto global”, diz. “Ainda que alguns as considerem invasivas, são um primeiro passo para contornar um problema muito sério.”

Outra batalha de Bloomberg se desenrola no campo do tabagismo. Desde o início deste ano, a proibição do cigarro em locais públicos da metrópole americana foi estendida aos parques e praias — agora o vício só é permitido em calçadas e a uma distância superior a 4,5 metros das portas de estabelecimentos onde o fumo é banido, como bares. “Eu adoraria levar os louros por essa ideia, mas foi o povo que pediu”, diz ele. Segundo David Uip, diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, a ampliação da restrição poderia ser aplicada desde que antes houvesse uma oferta suficiente de programas para ajudar os que buscam abandonar o vício. “Isso é extremamente difícil e não se resolve apenas com proibição”, afirma.

 

Multiplicar o número de parques 

Parque que margeia o Rio Hudson - capa 2220
Parque que margeia o Rio Hudson – capa 2220 ()

➜ São Paulo tem 77 parques, e o prefeito promete presentear a cidade com outros 23 até 2012. Em Nova York, esse processo ocorre de forma muito mais acelerada. Nos últimos cinco anos, Bloomberg acrescentou à metrópole americana mais de 1 quilômetro quadrado de áreas verdes (quase um Ibirapuera). Ele tem como objetivo garantir um espaço desses a dez minutos da casa de cada nova-iorquino. A meta é possível graças a uma política criativa de “puxadinhos”. Para o plano dar certo, jardins de algumas escolas passaram a fazer as vezes de espaço público após as aulas e oito grandes locais estão sendo remodelados para ganhar quadras, piscinas e pistas de skate.

Até o Rio Hudson, que ainda sofre com poluição, viu aflorar sua vocação de local de passeio. Embora a limpeza das águas seja anterior à chegada de Bloomberg à prefeitura, é dele a iniciativa de aproximar os cidadãos do leito, criando locais de convivência para pedestres e bicicletas. “É fundamental transformar em polos de recreação os lugares ociosos”, diz Saskia Sassen, socióloga e especialista no estudo de problemas das megalópoles, da Universidade Colúmbia.

 

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