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Meu amigo croata

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h09 - Publicado em 19 Maio 2012, 00h50

Você não vai acreditar, mas conheço um físico nuclear que é responsável pela edição croata da revista National Geographic. Ele também estudou filosofia, mas não chegou a terminar o curso. Nas horas vagas escreve ficção científica. Seus contos já foram publicados em diversos idiomas. O nome dele é Hrvoje Prcic, com acento agudo nos dois cês. Não me pergunte a pronúncia.

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Hrvoje, como você pode imaginar, é uma grande figura. Estive com ele em um jantar da National Geographic Society em Washington, na semana retrasada. Do outro lado de uma mesa em um restaurante libanês, ele me contou que veio para São Paulo há alguns anos em uma missão jornalística. Buscava um cartunista croata famoso, quiçá o mais célebre de todos, que resolvera se mudar para cá. Não vou dizer o nome. Hrvoje o encontrou em uma favela na Zona Sul. Lembrava-se de detalhes da viagem. Não era possível chegar de carro ao barraco do artista. O motorista de táxi ficou esperando ao pé de um morro. Segundo Hrvoje, a vida do cartunista andara de lado. Nunca mais fizera ilustrações. Ficou sem dinheiro. Mas continuou aqui em nossa cidade, na favela.

A vida nos países da ex-Iugoslávia, como a Croácia, não foi fácil nas décadas recentes. A fuga do artista fazia sentido para mim. Quando perguntei a Hrvoje por que o cartunista viera para nossa cidade, no entanto, a resposta veio lacônica: “As mulheres”. Ele achava as mulheres de São Paulo as mais bonitas do mundo.

Mas no jantar daquela noite Hrvoje queria mesmo era me contar outra história. Disse que durante o dia, em Virgínia, próximo a Washington D.C., ele havia realizado o sonho de toda a sua vida. Esperava o metrô na estação de Pentagon City, após uma expedição ao mercado consumidor americano. Tal como eu, sempre que meu amigo croata vai para os Estados Unidos é obrigado a adquirir uma série de “encomendas”. Confesso que acreditei ser essa uma peculiaridade da cultura brasileira. Descobri que não.

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Tivemos até uma discussão, Hrvoje e eu, a respeito de quem havia trazido a encomenda mais exótica ao longo da vida. Falei dos anzóis de pesca oceânica em formato de sardinha solicitados pelo professor Antônio Pedro Tota. Meu amigo contra-atacou com repelente de insetos em spray sem cheiro para caçadores. Você decide.

De qualquer forma, meu amigo croata voltava das compras em Pentagon City quando, ali, na plataforma do metrô, um homem passou mal. Tinha cerca de 40 anos e estava bem vestido, com terno e gravata. Desmaiou e caiu no chão. Apresentava dificuldade para respirar. Parecia sentir dor. Babava, sem conseguir formular palavras.

Antes, Hrvoje dera a entender que havia assistido a um número gigantesco de filmes americanos. Participara de produções de teatro amador. Seu desejo de adolescente, inclusive, era ser ator. Perguntei-lhe por que não havia feito artes cênicas, então, em vez de física.

— Porque meus pais teriam me matado — respondeu, sem pestanejar.

Mas sonhou vida afora, em pronunciar a frase comum nos filmes e programas de TV americanos: “Someone call 911!”. Apenas esta frase: “Ligue para o 911”. Para quem não sabe, 911 é o número do telefone de emergência nos Estados Unidos, como é o 190 aqui. É só ligar e dar o endereço que vêm os bombeiros, a polícia, as ambulâncias, o FBI, a CIA e o escambau.

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Quando perguntei o que fez com o passageiro desmaiado, Hrvoje contou que segurou sua cabeça para que pudesse respirar melhor e gritou: “Someone call 911!”.

Ou seja, realizou seu sonho.

— E aí? — indaguei.

— E aí chegou a ambulância — respondeu. — Que nem nos filmes.

 

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E-mail: matthew@abril.com.br

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