Quando dei por mim estava passando pela porta da frente da Livraria da Vila na Fradique Coutinho, a original, localizada na Vila Madalena. Não me lembro do caminho que fiz. Fui a pé, é só o que sei. A cabeça estava quente, fervendo, com uma mensagem de WhatsApp ou Facebook, algo do gênero. A comunicação eletrônica trouxe com ela uma quantidade gigantesca— e inesperada — de desentendimentos.
Dou sempre uma volta no quarteirão. É o melhor remédio. Recomendo. Ou, quando a ofensa, imaginada ou real, é mais grave, saio andando a pé sem destino. Foi o que acontece unesse dia, já faz um tempinho. O piloto automático me levo uaté a porta da livraria, um dos meus lugares favoritos em São Paulo. Há, nos fundos, ao ar livre, um café simpático, onde quase sempre se acha um lugar para sentar e ler ou conversar.
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Nesse dia fui ficando pela entrada mesmo, olhando as obras mais vendidas. Não pretendia levar nada. Não pretendia estar ali. Mas nesses endereços sou pior que cachorro em açougue. Compro de tudo no impulso. Não leio sequer um terço do que levo para casa. Mas é do jogo. Quando sou fisgado por uma obra, isso recompensa todas as escolhas infrutíferas. Uma boa leitura é o maior prazer que há (ou quase, vá). Não é fácil pescar um título cintilante, no entanto.
Foi por acaso, naquela hora de irritação, que achei Sapiens: uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari. Estava em quinto lugar entre os mais vendidos. Nunca ouvira nem falar do autor, um historiador israelense, com doutorado em Oxford. Sei que mencionei o título em uma crônica recente. Mas merece muito mais atenção. Está entre os livros mais instigantes dos últimos anos, quiçá da década. E, apesar do seu alcance imenso e erudição, é fácil e gostoso de ler.
Ele responde à seguinte pergunta: como é que um animal insignificante, o Homo sapiens, sem nenhum impacto ambiental até então, dominou o mundo, transformando-o à sua imagem em apenas 70 000 anos. Mistura muita biologia com história, de forma surpreendente. Não foi o homem que domesticou o trigo, garante, mas o contrário. O trigo botou o homem para trabalhar. Chega aos dias de hoje e especula sobre o futuro. Passa pelas questões candentes de raça, gênero e revolução. E, para minha alegria, enfrenta a cronologia da felicidade, perguntando quem é mais feliz, o banqueiro parisiense nos dias de hoje ou um camponês na França medieval. A resposta não é óbvia. Em alguns momentos, parece obra de autoajuda para historiadores. É um elogio, acredite.
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De tão entusiasmado, voltei ao local dias depois e comprei mais três exemplares, para meus filhos mais velhos e uma amiga que faz aniversário. Falei tanto do livro para o professor Antônio Pedro Tota que me senti obrigado a procurá-lo para ele. Na Livraria da Vila não havia mais. Acabei achando um último exemplar, o da vitrine, na banca em frente ao Conjunto Nacional, na Avenida Paulista.
Sei que é tarde para presente de Natal. Mas se você estiver à procura de uma leitura de férias, recomendo. O irônico nisso tudo é que não me recordo qual foi o motivo da raiva que me levou até a livraria. Como garante o ditado: há malas que vão para Belém.