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Em tempo de ser mãe

Os tratamentos de reprodução assistida cresceram 30% na cidade nos últimos cinco anos

Por Mariana Barros
Atualizado em 2 jan 2017, 17h16 - Publicado em 16 fev 2012, 23h50

Durante muito tempo, a promoter Rosana Beni dedicou-se integralmente à carreira, ajudando a organizar festas e eventos badalados de São Paulo. Quando chegou perto dos 50 anos de idade, ficou apavorada ao se dar conta de que talvez fosse tarde demais para realizar o sonho de ter filhos. “Você vai se ocupando e, num belo dia, percebe que o tempo passou”, diz. A executiva Mitania Domingues Bailer, por sua vez, quis guardar os planos da primeira maternidade para a hora em que estivesse com alguém especial. O problema é que o companheiro apareceu no momento em que ela estava prestes a completar 40 anos. As tentativas de engravidar naufragaram uma após outra, o que a deixou desesperada. “Ficava me perguntando por que não havia feito isso antes”, lembra. Sentimento semelhante atormentou a dona de casa Cristiane Mahfuz, que esticou quanto pôde as delícias de uma vida sem maiores responsabilidades. “Gostava demais de sair para dançar, de jantar fora e de viajar”, conta. Aos 39 anos, achou que era o momento de trocar tudo por um bebê. “Tinha a ilusão de que aconteceria naturalmente, mas não foi nada disso. Chorava a cada novo fracasso.”
Apesar dos percalços, a história de cada uma dessas mulheres teve um final feliz. Rosana tornou-se mãe em 2009, dando à luz os gêmeos Raphael e Anita. Aos 45 anos, Mitania ganhou a risonha Laura, deixou para trás o trabalho e garante estar hoje feliz da vida cuidando da filha. Depois de quatro anos de tentativas, Cristiane saiu da maternidade com Joaquim nos braços. Decidida a ter mais um filho, já havia até entrado na fila de adoção quando recebeu a notícia de que esperava Clara. Aos 47 anos, a mãe enche de mimos a garota, que acaba de completar 1 mês. “Agora, o que eu quero é cuidar deles”, afirma.
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Uma grande mudança de comportamento, acompanhada por avanços importantes na medicina, está tornando esses episódios mais comuns na cidade. “As mulheres postergam cada vez mais a maternidade”, diz o especialista Arnaldo Schizzi Cambiaghi, do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia (IPGO). “A boa notícia é que nunca existiram tantos recursos para ajudá-las.” Graças a melhorias em procedimentos como o congelamento de óvulos, a chance de uma gravidez após os 40 anos aumentou em 20% (veja o quadro no final da matéria). Com isso, o relógio biológico ganhou mais tempo. A idade considerada máxima para uma gravidez assistida passou de 40 anos para 55 da década de 90 para cá — embora os casos de sucesso nessa faixa- limite sejam raríssimos.
O cenário contribuiu para engordar a quantidade de clientes nas salas de espera de consultórios especializados. Desde 2007, a procura por tratamentos de reprodução assistida cresceu 30% por aqui. Desse total, mais da metade das mulheres está próxima dos 40 anos. A grande demanda por tratamentos fez da capital a maior referência brasileira no assunto, reunindo as principais clínicas de medicina reprodutiva da América Latina, tais como a Huntington, a Fertility, centros ligados à USP e à Unifesp e consultórios de hospitais como Sírio-Libanês e Albert Einstein.
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Mulheres de outros estados e mesmo de outros países são atraídas a São Paulo em busca de soluções. “Enquanto há óvulos, existe esperança”, brinca a engenheira Maria do Socorro Sena, de 46 anos. Moradora de Feira de Santana (BA), ela vem para cá com frequência para ser atendida no IPGO, no bairro do Paraíso. Maria do Socorro já é mãe de Tiago, hoje com 16 anos. Em 2008, casou-se novamente e agora quer dar um herdeiro ao marido, dez anos mais jovem e sem filhos. “Ele é muito grato por eu tentar realizar esse seu sonho”, diz. A funcionária pública Lucilene Fernandes, de 48 anos, viveu uma situação semelhante. Ganhou o pequeno Lucca em 2008, fruto do segundo matrimônio. A irmã do garoto, Larissa, tem 23 anos. Quando os três saem juntos na rua, muita gente acha que o menino é neto de Lucilene. “Não me importo, acho até graça”, revela.
A grande oferta de possibilidades a ser experimentadas não faz com que a gravidez depois dos 40 anos seja uma conquista fácil. As mulheres nascem com um número determinado de óvulos, que envelhecem junto com elas e podem sofrer pequenas mutações ao longo dos anos, comprometendo sua qualidade. Assim, quanto mais velha a pretendente, mais velhos são seus óvulos — e maior o risco de complicações. Além disso, cerca de dez anos antes de entrar na menopausa, a mulher ingressa num período em que os ciclos menstruais se tornam cada vez mais irregulares, até cessar de vez. “Nenhum parâmetro médico ou laboratorial é mais determinante para o sucesso de uma gestação do que a idade da mãe”, resume o médico Edson Borges Júnior, da clínica de reprodução assistida Fertility, nos Jardins. Por isso, os especialistas consideram que o período-limite para engravidar seja o estipulado pela natureza, por volta dos 35 anos. “Ainda assim, há uma ilusão de que a boa forma exterior de uma mulher é absorvida por seu ovário”, completa Borges Júnior.
Mesmo os métodos de reprodução assistida têm limitações. Das que buscam tratamento nessa faixa etária, cerca de 20% engravidarão e, dessa parcela, 65% concluirão a gravidez, ou seja, não sofrerão aborto ou outro problema que inviabilize a gestação. “A probabilidade de uma mulher com mais de 39 anos ter um bebê é de cerca de 13%”, aponta o médico Julio Elito Junior, da Unifesp. As desvantagens iniciais costumam ser compensadas com maior maturidade para lidar com o novo integrante da família. “Toda mulher deveria engravidar com corpo de 20 e cabeça de 40”, acredita a documentarista Bettina Turner, de 53 anos, que teve um menino em 2004.
OS RISCOS DA ESPERA

Em média, cerca de 85% dos casais obtêm sucesso após um ano de tentativas. Quando isso não ocorre, os especialistas recomendam procurar ajuda profissional. Para quem chega aos consultórios, há várias opções para driblar a infertilidade, conforme sua complexidade. O método mais comum entre as mulheres na faixa dos 40 anos é a fertilização in vitro, em que a fecundação ocorre fora do útero. Cada tentativa custa entre 15.000 e 20.000 reais, e a probabilidade de dar certo é de cerca de 40%. No caso da fotógrafa Gil Lourenço, que ganhou sua primeira filha aos 41 anos, a dificuldade para o início da gestação era muito menor: uma obstrução das trompas, resolvida com um rápido tratamento. A pequena Nina, hoje com 1 ano, ganhará em março uma irmã. “Ela aponta para minha barriga e já sabe falar ‘bebê’”, orgulha-se a mãe.
A maternidade tardia exige também outros cuidados, pois, com o passar do tempo, aumentam os riscos de uma gestação mais complicada, por causa da maior incidência de males como diabetes e hipertensão (veja o quadro abaixo). “Mas são riscos controláveis”, pondera a médica Tânia Schupp Machado, da USP. Em janeiro, das 37 gestantes internadas no ambulatório do Hospital das Clínicas com complicações na gravidez, 11% tinham mais de 40 anos. “Partos prematuros e formação de gêmeos, mesmo quando as mães engravidam naturalmente, são mais frequentes do que nas mulheres jovens”, afirma Daniel Rolnik, diretor do ambulatório de obstetrícia do HC.
RISCOS DE O BEBÊ TER SÍNDROME DE DOWN

Uma das pacientes internadas recentemente era Vanderléia Rodrigues Silva Santos, 44 anos, grávida de trigêmeos e hipertensa. Sua entrada no hospital ocorreu em 20 de dezembro e, por isso, ela e o marido permaneceram em um dos quartos do HC durante o Natal e o Ano- Novo. “Fizemos as ceias aqui mesmo, mas nem ligamos. Há dez anos vínhamos tentando a gravidez”, diz ela. No fim do mês passado, o tão aguardado momento chegou. Vanderléia deu à luz Murilo, Marina e Mariana. O trio ainda se fortalece no berçário antes de ir para casa. Mas desta vez o casal deve passar pelo menos um pedaço do Carnaval longe da maternidade: a previsão de alta é para segunda-feira 20.
 
NOVIDADES NA MEDICINA
Os tratamentos que estão ajudando a estender o relógio biológico
Ovodoação
Se a mulher não tem mais óvulos com qualidade suficiente para gerar embriões saudáveis, há a opção de recorrer a doadoras. Elas são anônimas e podem ter suas características físicas escolhidas pela receptora — afinal, o bebê herdará o DNA da dona do óvulo, e não de quem o gestou. A busca por doadoras é uma das etapas mais difíceis do processo. “Costumam ser mulheres que conhecem outras com dificuldade de engravidar e se sensibilizam”, diz o médico da Unifesp Jorge Haddad Filho.
Congelamento de óvulos
Nos últimos cinco anos, novas formas de armazenamento vêm permitindo congelar os óvulos para ser usados depois. Mas há alguns problemas. A idade em que as mulheres buscam essa solução, normalmente a partir dos 35 anos, é considerada tardia pelos especialistas. Além disso, o uso desse método para quem quis atrasar a maternidade não é consenso entre os médicos. “É mais indicado para mulheres que passaram por quimioterapia ou outro problema de saúde e por isso tiveram de adiar a gravidez”, pondera Alexandre Pupo, ginecologista do Hospital Sírio-Libanês.
Detecção de síndromes
Alterações cromossômicas, como a que ocasiona a síndrome de Down, são mais comuns nos embriões de mães acima dos 35 anos. Hoje, esses problemas são detectados através da punção do líquido amniótico ou da placenta, o que traz risco de aborto. Métodos para averiguá-los por exame de sangue, evitando riscos para o bebê, já estão em fase de teste.

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