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Cineasta Lúcia Murat entrevista Julia Murat, também diretora

Em cartaz, o drama “Histórias que Só Existem Quando Lembradas” é o primeiro longa-metragem de ficção de Julia

Por Tiago Faria
Atualizado em 5 dez 2016, 17h01 - Publicado em 17 jul 2012, 19h38

As cariocas Lúcia e Julia Murat seguiram caminhos quase opostos nos filmes que realizaram em 2011. Enquanto a mãe, cineasta experiente, reafirmou o interesse por temas políticos no documentário “Uma Longa Viagem”, a iniciante criou uma cidade fictícia, a silenciosa Jatoumba, no drama “Histórias que Só Existem Quando Lembradas”, em cartaz em São Paulo.

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Diferentes em quase tudo, os projetos têm um ponto em comum: a boa aceitação em festivais. A produção de Lúcia, 63 anos, venceu o Festival de Gramado, em agosto do ano passado. Um mês depois, Julia estreava em Veneza com um filme que seria selecionado por cerca de 20 mostras.

Aos 32 anos, Julia escolheu um ponto de partida arriscado para o seu primeiro longa-metragem de ficção: combinar elementos de documentário com as liberdades do realismo fantástico. Após pesquisar o cotidiano do Vale do Paraíba, a diretora compôs a cidade fantasma onde reside a septuagenária Madalena (papel de Sonia Guedes). A rotina morosa da personagem sofre um baque com a chegada de Rita (Lisa E. Fávero). A jovem fotógrafa não demora a identificar um ar de estranheza na região. Os portões trancados de um cemitério, por exemplo, parecem impedir que as pessoas morram.

A convite da VEJINHA.COM, Lúcia fez perguntas para Julia sobre a produção de “Histórias que Só Existem Quando Lembradas”, o gosto pelo cinema, o assédio dos festivais internacionais e as dificuldades de filmar no Brasil.

LÚCIA MURAT – Por que você faz cinema? Sempre achei que pela minha experiência você teria vivido muito diretamente todas as dificuldades de fazer cinema no Brasil e que isso te afastaria… Por que você acha que essas dificuldades não te assustaram?

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JULIA MURAT – Set afugenta ou apaixona, não? Eu me apaixonei. Ficava ali vendo você dirigindo quando eu era pequena. Depois você fez a série de TV “O Caso Eu Conto Como o Caso Foi” (entre 1993 e 1994): me lembro das sombras chinesas, do Marcos Breda de palhaço, do Felipe Rocha e Floriano no papel de burros que puxavam charretes (era isso mesmo?). E fui misturando fantasia e trabalho… Deve ser por isso que sou tão workaholic: brincadeira e trabalho sempre estiveram no mesmo plano. Além disso, teve uma frase que você me disse assim que comecei a ser recusada nos editais para os quais eu mandava os meus projetos (a partir de 18 anos): “Julia, cinema é feito de quem consegue ouvir nãos e seguir tentando”. Tá aí: peguei de ti sua perseverança.

LÚCIA MURAT – “Historias que Só Existem Quando Lembradas” nasce na experiência do filme “Brava Gente Brasileira” (dirigido por Lúcia em 2000), quando você encontrou um cemitério fechado em Forte Coimbra (no Mato Grosso do Sul). Por que desde aquele momento esse fato te pareceu um filme? Apenas pelo inusitado?

JULIA MURAT – Acho que não era o inusitado que me interessava, mas a poesia de um cemitério sem função. Nunca me interessei pelos fatos: quem tinha fechado, quando, por quê? Mas pelo absurdo da situação. Pela possibilidade de explorar a magia e associar a idéia do cemitério fechado à impossibilidade da morte, ou explorar os sentimentos de uma pessoa próxima da morte.

LÚCIA MURAT – Houve um longo trabalho na realização do roteiro o filme. O que você acha que ele ganhou em relação ao primeiro tratamento?

JULIA MURAT – Ganhou silêncio e maturidade. Fui aprendendo que eu não precisava contar tudo através de palavras, que eu poderia sugerir apenas. E que eu poderia materializar um discurso em ações ou imagens: como na cena em que Madalena se olha no espelho, depois que a jovem Rita a fotografa, e se sente velha. Cena esta que substituiu a frase do primeiro tratamento: “Eu não sou velha diante de outro velho, somente sou velha diante de jovens”.

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LÚCIA MURAT – A sua geração, que nasceu vendo televisão, vem fazendo um cinema mais contemplativo. Em que medida isso surge como uma negação daquilo que vocês vivenciaram na infância?

JULIA MURAT – E você ficava preocupada com o meu futuro ao me ver presa o dia inteiro diante da Globo! Talvez isso sugira apenas que a televisão tem um efeito menor do que imaginávamos. Outro dia li uma critica sobre o “Histórias” que falava que o último plano do filme demonstrava um conhecimento/influência do filmes pop de terror… Não acho que a presença que a TV teve na minha vida está representada no filme: nem como uma negação, nem como influência.

LÚCIA MURAT – Houve muita dificuldade para se levantar dinheiro no Brasil (para o filme) e, ao mesmo tempo, um interesse do mercado internacional que vem desde o roteiro. A que você atribui isso?

JULIA MURAT – Por um lado “Histórias…” tem uma temática muito universal: o encontro de gerações, a tradição, a velhice, a morte. Por outro lado é um filme que dialoga com uma produção oriental, europeia e latino-americana que vem preenchendo os festivais. Tem ainda um interesse dos festivais internacionais e fundos de investimento de “descobrir” novos realizadores. Esses três fatores juntos talvez indiquem motivos pelos quais o filme foi tão bem recebido lá fora. Porque ele não teve a mesma recepção aqui? Acho que infelizmente tem a ver com a atual política cinematográfica brasileira que nos últimos 15 anos vem tentando firmar uma suposta “indústria cinematográfica auto-suficiente”. Em nome da recuperação de investimentos optou-se por esquecer que cinema é cultura e se trata hoje os filmes como números exatos. O resultado foi um encarecimento da produção, uma concentração de público em poucos filme e uma valorização do cinema comercial. Fazer um outro tipo de cinema hoje está difícil. Mas seguimos insistindo, não?

LÚCIA MURAT – Como você se sente depois dessa trajetória de grande receptividade do filmar para realizar um segundo filme?

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JULIA MURAT – Como você se sentiu quando fez o “Doces Poderes” (segundo longa-metragem de Lúcia, lançado em 1997)? A época é outra, mas não sei se a pressão do segundo filme muda muito. Espero ter calma e maturidade para lidar com ela. Em todos os festivais me perguntavam qual era o meu próximo projeto, com uma pressa e uma ansiedade que não condizem com o meu processo criativo. Aprendi ao longo do “Histórias” que eu preciso de tempo para maturar uma ideia.

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