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Lixo: foi você quem jogou?

Estas centenas de garrafas PET foram encontradas no Rio Pinheiros. Outras tantas boiavam no Tietê. Elas contribuíram para o caos na última terça

Por Daniel Salles e Maria Paola de Salvo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h02 - Publicado em 11 dez 2009, 14h37

1 Quem joga lixo na rua é culpado pelas enchentes  O Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) e a Empresa Metropolitana de Água e Energia (Emae) retiram, todos os anos, 140 000 metros cúbicos de lixo das águas do Tietê e do Pinheiros. “Qualquer saco plástico ou bituca jogados nas calçadas acabam nos rios ou em alguma boca de lobo”, explica Malu Ribeiro, coordenadora do programa de águas da SOS Mata Atlântica. “Se a população não se conscientizar, as enchentes continuarão ocorrendo.” Na natureza, uma garrafa PET demora 400 anos para se decompor.

2 Nossos rios são esgotos a céu aberto  Toda a sujeira que é lançada nos córregos da Grande São Paulo vai parar nos rios Pinheiros e Tietê. Eles recebem, diariamente, 760 toneladas de esgoto, sobretudo de Guarulhos e de municípios do ABC. Essas cidades ainda não se conectaram às estações de tratamento da Sabesp por motivos financeiros — quando as prefeituras começarem a usar o sistema, terão de pagar por isso. Hoje, o índice de coleta do esgoto na região metropolitana é 84%, e o de tratamento, 70%.

3 A limpeza dos rios é insuficiente   O alagamento das pistas da Marginal Tietê nesta semana foi o segundo desde que a ampliação da calha do rio foi concluída, em 2006. O governo estadual afirma retirar todos os anos 400 000 metros cúbicos de lixo e sedimentos do rio. “Deveria retirar no mínimo 1 milhão de metros cúbicos”, diz o engenheiro hidráulico Julio Cerqueira Cesar. “Se a calha estivesse realmente limpa, a inundação não teria ocorrido.” Para piorar, uma das quatro bombas da Usina Elevatória de Traição, responsável por reverter o curso do Pinheiros, parou de funcionar. Quando acionado, esse equipamento faz com que as águas do rio sejam encaminhadas para a Represa Billings.

4 Os piscinões não saíram do papel   Elaborado em 1998, o Plano Diretor de Macrodrenagem prevê que a região metropolitana tenha, até 2020, 100 reservatórios antienchentes. Somente 43 foram construídos. Para cumprir a meta, o governo estadual precisaria desembolsar 1,1 bilhão de reais. “Apenas com os piscinões existentes, a cidade ainda é incapaz de dar vazão a temporais como o da terça-feira passada”, conta o engenheiro hidráulico Aluísio Pardo Canholi.

5 Não há uma política de remoção de ocupações irregulares Cerca de 16 000 pessoas ocupam ilegalmente a área de várzea do Tietê, que deveria ficar livre para quando o rio transbordar. Para reverter o problema, o governo do estado planeja criar um parque de 75 quilômetros de extensão ao longo do Rio Tietê, entre a Zona Leste e o município de Salesópolis, a 110 quilômetros da capital. A obra vai custar 1,7 bilhão de reais. Em 2008, a prefeitura também anunciou um projeto para construir 34 parques ao longo de córregos e em áreas de mananciais até 2012, para impedir ocupações irregulares nessas regiões. Apenas sete saíram do papel. Outro problema é que não se sabe quanta gente vive em áreas de risco. O mapeamento mais recente dessas regiões foi realizado em 2003. De acordo com esse levantamento, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), 120 000 pessoas moravam na beira de córregos ou em encostas da capital. Um novo estudo foi encomendado ao IPT, em setembro. “A prefeitura deveria requisitar mapeamentos anuais para evitar novas tragédias”, afirma o urbanista Candido Malta. “O número de habitantes em áreas suscetíveis a desabamentos aumenta a cada dia.” Só a chuva de terça passada matou oito pessoas na Grande São Paulo — seis viviam em áreas de risco e foram soterradas. Em todo o estado, 23 pessoas morreram por causa das chuvas desde o dia 1º.

6 A prefeitura limpa só 20% das galerias pluviais  A cidade tem 2 850 quilômetros de galeria, mas a prefeitura faz manutenção em apenas 680 quilômetros todos os anos. “De nada adianta investir milhões em piscinões e grandes obras hidráulicas, se o básico, como cuidar das vias, não é executado”, diz o engenheiro Eduardo Mario Mendiondo, professor do departamento de hidráulica e saneamento da Escola de Engenharia da USP de São Carlos.

7 São Paulo cresceu de forma descontrolada  Desde 1936, a temperatura média da cidade subiu 2,1 graus. A mancha de concreto que tomou conta de São Paulo é a explicação para a mudança, segundo o meteorologista Augusto José Pereira Filho, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da USP. “A urbanização aqueceu a atmosfera e provocou mais ilhas de calor”, afirma. “Para neutralizar esse efeito surgem as tempestades, que funcionam como um balde de água fria na atmosfera.” De acordo com o Atlas Ambiental da prefeitura, em bairros como o Brás e a Mooca, com vias pouco arborizadas e carência de parques e jardins, a temperatura do solo gira em torno de 31 graus (às 10 horas, em setembro), 4 graus mais alta que em regiões como o Alto de Pinheiros.

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45% da cidade é impermeável   Se 100 litros de água caírem em 1 metro quadrado de grama, cerca de 40 litros serão absorvidos pela terra. Se o terreno for coberto por uma capa de concreto, toda a chuva vai rapidamente para as galerias pluviais. Como cerca de 45% de toda a área da cidade é impermeável, fica fácil entender por que há tantos pontos de alagamento — no último dia 8, foram 124, sendo 26 intransitáveis. Os distritos da Bela Vista e República, por exemplo, têm cerca de 90% de suas ruas cobertas por asfalto. “Além de absorver água, a vegetação retém alguns poluentes e evita que eles corram para os córregos”, diz o engenheiro Eduardo Mendiondo.

9  O trecho já pronto da nova pista da Marginal Tietê contribuiu para agravar os alagamentos   Os primeiros 7,1 quilômetros da nova pista central da Marginal Tietê foram liberados no último dia 30 de novembro, mas só 2 300 das 16 000 mudas prometidas para repor as 849 árvores retiradas foram plantadas. O impacto dessa nova cobertura de concreto não foi compensado. “Não se trata de uma coincidência a cidade ter registrado alagamentos justamente em locais próximos às obras”, afirma a promotora de Justiça Maria Amelia Nardy Pereira, que investiga a ampliação da marginal. “Uma muda é equivalente a um galho de uma árvore adulta”, conta o botânico Ricardo Cardim. “Só daqui a dez anos elas farão diferença no meio ambiente paulistano.” De acordo com a Dersa, a impermeabilização atingirá apenas 0,006% da área da bacia do Alto Tietê, o que inclui não só a capital como vários outros municípios da região metropolitana. Para a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), no entanto, trata-se de um cálculo equivocado. “É preciso saber qual é a porcentagem dessa nova capa de asfalto em relação às margens banhadas pelo Tietê dentro da cidade”, diz a geógrafa Regina Célia Bega, uma das autoras do parecer da AGB.

10  Este dezembro será um dos mais chuvosos da história  As chuvas que assolaram a cidade no dia 8 são apenas um prenúncio do que teremos até o fim do ano. Segundo estudos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), choverá cerca de 300 milímetros em dezembro, 48% mais que a média histórica para este mês. “Sofremos influência do ar quente e úmido da Amazônia”, diz o meteorologista Marcelo Schneider, do Inmet. “Estamos tendo uma primavera chuvosa para compensar o outono mais seco.”

DINHEIRO PELO RALO

A prefeitura não tem estudos que mostrem quanto a cidade perde com as cheias. Mas veja alguns exemplos do prejuízo econômico causado pelas chuvas

Debaixo d’água, a Ceagesp perdeu cerca de 70 toneladas de alimentos e teve de interromper as operações durante todo o dia. O prejuízo foi estimado em 15 milhões de reais.

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A revendedora de cosméticos Gislene Emerick precisava visitar cinco clientes para receber pagamentos, mas acabou indo a apenas um, porque, com as ruas interditadas, não conseguiu sair da Vila Olímpia, onde mora. “Não sei quando poderei recuperar o prejuízo”, diz ela. Gislene terminou o dia com apenas 300 dos 1 500 reais que deveria ter faturado.

Por causa das chuvas, a Rua 25 de Março recebeu 40% do cerca de 1 milhão de visitantes que costumam lotar o local nesta época do ano. Segundo os lojistas, as vendas caíram 20%. Aproximadamente 9,6 milhões de reais deixaram de entrar nos caixas.

Moradora da Zona Norte, a produtora de eventos Roseli Cavalcante saiu às 6h30 em direção ao trabalho, na Rua do Bosque, na Barra Funda. Por causa das enchentes, às 11 horas ela continuava com o carro parado na Marginal Tietê, quando decidiu voltar para casa. “Nem os ônibus passavam pelos alagamentos”, diz ela, que perdeu o dia. “Por volta das 11 horas, me avisaram que apenas dez dos 120 funcionários da empresa tinham conseguido chegar.” Ou seja, o expediente da manhã foi praticamente perdido.

Nos cinquenta shoppings da cidade, muitos funcionários não conseguiram chegar sequer para abrir as lojas. “Estimamos que o movimento tenha sido 50% menor e o faturamento tenha caído cerca de 40% nesse dia”, afirma Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). Cerca de 20 milhões de reais se perderam.

 

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