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Livro Eldorado, a Rádio Cidadã é lançado pela editora Terceiro Nome

Livro conta como a Eldorado AM e FM, com muito prestígio, pouca audiência e baixa rentabilidade, tornou-se uma das emissoras mais cultuadas da cidade

Por Carlos Maranhão
Atualizado em 5 dez 2016, 19h29 - Publicado em 18 set 2009, 20h29

Para quem se acostumou com a mesmice da grande maioria das FMs brasileiras, eis uma lembrança que pode parecer fantasiosa. Já existiu em São Paulo uma emissora AM – naquele tempo chamada de ondas médias – tão sofisticada que tinha programas diários de música francesa, jazz e concertos, além de longos noticiosos e transmissões turfísticas. Tudo isso apresentado por locutores instruídos, de pronúncia impecável e formalíssimos a ponto de só trabalharem de terno e gravata. Era a Rádio Eldorado, fundada há cinqüenta anos pelo jornal O Estado de S. Paulo. Mais tarde, ela passou a transmitir também em FM. A emissora, que mudou bastante de perfil mas meio século depois ainda apresenta uma grade diferenciada, sempre teve prestígio inversamente proporcional à sua pequena e qualificada audiência.

Atrás dessa imagem requintada, porém, havia uma realidade bem menos glamourosa. Quando assumiu sua direção geral, em 1982, o paulistano João Lara Mesquita, um dos acionistas do Grupo Estado, descobriu coisas espantosas sobre a emissora da família. Ele relata que os funcionários ganhavam muito mal e alguns nunca iam trabalhar. A entrada da rádio, na Rua Major Quedinho, centro, era na saída da porta de lixo do antigo Hotel Jaraguá. Tinha mau cheiro e virou passagem de ratos. Todas as tardes, durante anos, até ficar doente e morrer, o compositor Adoniran Barbosa, autor de Saudosa Maloca, embora não fosse empregado da casa, ia até lá para tirar um cochilo num sofá, sem jamais ser importunado.

No surpreendente livro Eldorado, a Rádio Cidadã (Editora Terceiro Nome, 224 páginas, R$ 34,00), João Lara, como é mais conhecido, conta que estudava clarineta em Nova York, sem saber bem o que faria na vida, quando seu tio José Vieira de Carvalho Mesquita, o Juca, convidou-o para comandar a rádio. “Aquilo é um elefante branco, só dá prejuízo”, disse-lhe o tio Juca. “A empresa está quase perdida. Só não nos peça dinheiro. Isso não vai ter!” Não tinha mesmo. Segundo afirma, entrou ganhando menos do que sua então namorada recebia como mesada do pai. Após uma década, ainda lhe pagavam “uma merreca”. Mesmo com poucos recursos, ele conseguiu mudar a sisuda estação de rádio. Ela se tornaria cultuada e daria o que falar nos anos seguintes.

Entre outras iniciativas, ao lado de uma eficiente cobertura por helicóptero do trânsito paulistano, João Lara criou o Prêmio Eldorado de Música (o primeiro vencedor foi o hoje consagrado maestro Roberto Minczuk), o Prêmio Visa de MPB (revelou a cantora Mônica Salmaso e o violonista Yamandu Costa) e a louvável campanha para a despoluição do Rio Tietê (teve 1,2 milhão de assinaturas). Numa cruzada de ampla repercussão, batalhou pelo fim da obrigatoriedade da transmissão da chatíssima Voz do Brasil. Para rejuvenescer a audiência, a emissora passou a acompanhar esportes radicais e vela, uma de suas paixões. Lara cobriu pessoalmente uma das edições do rali Paris-Dacar e participou de outra como navegador. Em compensação, houve uma “barriga” fenomenal em sua gestão. Barriga é a gíria jornalística para o maior pesadelo que um órgão de imprensa pode sofrer: dar uma notícia falsa. A Rádio Eldorado, em abril de 1985, noticiou a morte do presidente eleito Tancredo Neves três dias antes que ela ocorresse. Dada sua grande credibilidade, a informação foi repetida pela BBC de Londres.

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Lara era um obcecado pelo que fazia. Selecionava pessoalmente, uma a uma, as 106 músicas tocadas durante a madrugada e aprovava todas as demais que a Eldorado FM transmitia (a Eldorado AM tem somente programas jornalísticos). Em sua casa, acompanhava o que era levado ao ar através de sete aparelhos que mantinha ligados, do quarto ao banheiro. Mas os resultados financeiros não apareciam. “Por mais que a Eldorado AM fizesse sucesso, a audiência não crescia”, lamenta no livro. “O resultado era um baixo faturamento. No máximo, em alguns anos, empatávamos. Lucro, que é bom, nada.” Em 2003, toda a sua família afastou-se do Grupo Estado e foi substituída por executivos profissionais. Do numeroso clã, ficou apenas o jornalista Ruy Mesquita, diretor de opinião do Estadão, responsável pelos mais sólidos editoriais da imprensa brasileira, pai de João Lara – que, longe dos estúdios, depois de passar quase dois anos velejando pelo Brasil inteiro, decidiu escrever sobre uma rádio que até hoje vale a pena ouvir.

Eldorado FM (92,9 MHz) e Eldorado AM (700 KHz).

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