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Holandeses e japoneses

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 14h20 - Publicado em 26 jun 2014, 23h00

Lia o jornal enquanto aguardava meu voo para São Paulo, logo cedo, no pequeno e charmoso Aeroporto Santos Dumont. Já não havia receio (esquecera, até) da ameaça de caos aéreo. Viajei muito de avião dentro do país desde um pouco antes do início da Copa até a semana passada e tive a impressão de que os aeroportos começaram a funcionar melhor do que em tempos normais. Meus voos todos saíram na hora. Vai entender. O Brasil é sempre uma caixinha de surpresas.

Não foram os adereços holandeses que chamaram a minha atenção nos dois sujeitos altos, esguios e endinheirados. Já estava acostumado a identificar a origem de torcedores. Gosto de pensar que essa capacidade de observação é meu superpoder. Mas tive de parar de ler para tentar entender o trambolho grande que um dos dois carregava com carinho em direção ao portão de embarque. O que poderia ser aquilo? Embrulhado em um pano branco, deveria ter 1,50 metro de altura. Não parecia pesar muito. Ele o levava em uma só mão. Era um berimbau, meu Deus.

Àquela altura do torneio, faltavam pelo menos dois jogos para a seleção holandesa, quiçá mais. Concluí que viajariam muito com o novo instrumento musical. Fiquei comovido com a ideia. A demonstração de carinho para com a cultura musicalbrasileira me emocionou. Estavam dispostos a sacrificar seuconforto para levar o instrumento para a Europa.

A Copa do Mundo é linda, pensei. Resolvi tomar mais um café. Era cedo, domingo de manhã para ser exato. À minha frente, no caixa, havia outro holandês (eles andam em grupos). Este me parecia já um pouco mais malandro. Solicitara a ajuda de uma comissária de bordo brasileira, bonita, para traduzir seu pedido ali na lanchonete. Ela estava ciente das verdadeiras intenções do forasteiro. Começou ali um flerte. Sugeriu o cheesebread. Explicou que era pão misturado com queijo, muito bom, e que ele iria gostar, tinha certeza. O cheesebread é capaz de sair vitorioso desta Copa.

 

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Não era a primeira vez que ouvira suas virtudes declamadas para um gringo. Quiçá ganhe um status novo, de produto de exportação. Esse holandês é capaz de se dar bem, também. Não tenho dúvida de que o Brasil sairá ganhando da Copa. Muitos estrangeiros voltarão, recomendarão a música, falarão da simpatia e do acolhimento por parte do povo daqui. Crescerá o interesse pela cultura do país para além das suas fronteiras.

Mas seria de maior valor ainda se o Brasil soubesse aproveitar também algumas lições do Mundial. Quando os torcedores japoneses coletaram o lixo deixado no estádio do Recife após a derrota diante da Costa do Marfim, a atitude causou comoção na imprensa nacional, para dar um exemplo. E, convenhamos, não era para menos. A ideia é tão exótica que nunca ninguém aqui tinha pensado nela. A Copa, afinal, é um evento privado, lucrativo. A responsabilidade pelo lixo deveria ser dos organizadores. Ou não, mostraram os asiáticos. Eles levaram a discussão sobre os resíduos sólidos para outro patamar ético. Disseram, em suma, que somos responsáveis pelo nosso próprio impacto sobre o ambiente, qualquer que seja, onde quer que seja. Se soubermos aproveitar, essa lição trará um ganho histórico para o país. A Copa é linda.

matthew@abril.com.br

 

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