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Geração desempregada

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h07 - Publicado em 19 out 2009, 18h54

Tenho uma amiga bem preparada, inteligente e fluente em vários idiomas. Dirigiu uma grande empresa, em um cargo logo abaixo do de presidente. Ia ao Oriente tratar de importações. Lançou produtos lembrados e copiados até hoje. Há anos está fora do mercado de trabalho. Quando a empresa foi vendida e ela saiu, parecia fácil encontrar novo posto.

Passaram-se os anos, o dinheiro acabou. Aceitou dirigir uma empresa na área de decoração, a qual, por falta de grana, pagou o segundo mês com um sofá e duas poltronas. Desde então faz pequenos trabalhos, terceirizada, sempre à espera de uma oportunidade que não chega. Outra, doutora e responsável por pesquisas sérias na área da biologia, perdeu a cadeira em uma universidade após quase trinta anos de dedicação. Passou os últimos três com o dinheiro recebido. E mais nada! Voltou para a casa da mãe, já idosa, para poder alugar a casa onde morava. Recentemente, peguei um táxi especial. O motorista, um homem de maneiras refinadas (aliás, muito mais do que as minhas), contou que fora diretor-presidente de uma empresa na área de componentes elétricos. Após uma fusão, montou a própria. Não deu certo e fechou.

– Nunca mais achei emprego! O jeito foi comprar o táxi, pelo menos para comer – contou.

Era o tipo de executivo cuja casa eu poderia ter frequentado anteriormente, que serviria vinho importado e cuja mulher usaria roupas de grife. Após certa idade, com raras exceções, as pessoas são descartadas. Há situações tremendas: nos meus anos de jornalismo conheci um diretor de arte talentoso, que não se adaptou de imediato aos computadores. Perdeu o emprego. Da última vez que tentei ajudá-lo, ele se candidatava a uma vaga de porteiro de prédio.

Às vezes ouço falar de alguém: um ex-grande jornalista hoje escreve como free-lancer, sem renda fixa; um alto executivo põe comida na mesa graças a aluguéis baixíssimos, dos poucos imóveis que restaram; a família que a cada três anos vende a casa onde mora para quitar dívidas e com a diferença compra uma menor; sem falar dos que, aterrorizados pela situação, enfartaram.

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Um ritual hipócrita cerca as dispensas, como se houvesse vantagem para o desempregado em explicações do tipo: ‘Estamos reestruturando…’. Isso quer dizer que um bando vai para a rua. Ou: ‘Você vai ter a chance de buscar novas oportunidades, se renovar’. Como se alguém ambicionasse chances não remuneradas! E ainda tivesse de sorrir e agradecer a dispensa. Ah, como dói!

Meus amigos têm mais de 50. Boa parte dessa geração ficou desempregada. Vejo outra leva chegando, de quem passou dos 40 e também passou a ser considerado velho. É óbvio que os jovens merecem oportunidades. Mas quem acumulou experiência, conhecimento, não? Uma sociedade incapaz de aproveitar experiências profissionais sólidas é no mínimo cruel. Pessoas não podem ser descartáveis. E não passa um dia sem que um amigo me procure, pedindo ajuda. Mas são tantos, meu Deus! Em que porta bater?

Tive chefes maravilhosos – um deles manteve meu salário quando vim para a televisão, até que eu me sentisse seguro no novo caminho. Seu Ivan, já falecido, era generoso. Mas já fui demitido de surpresa, com a desculpa de que era preciso renovar. E eu não tinha nem 40 anos! É desesperador vender o carro para comer, buscar uma moradia mais barata e viver em agonia pelo mês que vem. Ninguém merece. Principalmente quem sempre deu o melhor de si e tem como única nódoa profissional o fato de já não ser tão jovem.

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