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Tata Amaral: “No Brasil, aceitamos a violação dos direitos humanos”

De volta às telas após sete anos, a diretora paulistana de <em>Um Céu de Estrelas</em> toca na ferida da ditadura militar no drama <em>Hoje</em>, vencedor do Festival de Brasília, que estreia sexta (19)

Por Tiago Faria
Atualizado em 1 jun 2017, 17h45 - Publicado em 16 abr 2013, 16h49

Um apartamento do charmoso Edifício Louvre, na Avenida São Luis, é um dos poucos cenários do drama Hoje, que estreia nesta sexta (19). O outro é o centro de São Paulo, enquadrado pelas janelonas do imóvel. “A cidade sempre acaba contaminando os meus filmes, de uma forma ou de outra”, admite a cineasta Tata Amaral, 52 anos.  

Desta vez, a diretora do elogiado Um Céu de Estrelas (1997), volta a economizar em tudo – locações, elenco, diálogos – para filmar a história de uma mulher (interpretada por Denise Fraga) às voltas com um trauma: o desaparecimento do marido, vítima da repressão da ditadura militar. É o que Tata chama de um “filme de mistério intimista”.

No Festival de Brasília de 2011, a produção ganhou os prêmios de melhor filme, atriz, fotografia, direção de arte e roteiro, além do troféu da crítica. No discurso de vitória, a diretora lembrou da importância da Comissão Nacional da Verdade, criada em novembro de 2011 para apurar casos de violação de direitos humanos relacionados à repressão do regime militar. Um tema que volta à baila sempre que ela fala sobre o filme.

Em entrevista à VEJASAOPAULO.COM, uma das diretoras mais prestigiadas da cidade conversa sobre as dificuldades que enfrentou para lançar o filme, sobre o lado pessoal do drama narrado na tela e sobre as violações dos direitos humanos no Brasil.

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VEJA SÃO PAULO: O filme venceu o Festival de Brasília de 2011, mas só será lançado quase dois anos depois. Por que a demora?

TATA AMARAL: Demoramos bastante para achar uma distribuidora. Eu tinha dois desafios: um era fazer o filme em 35mm (em película), o outro era lançá-lo. Ganhamos prêmio em dinheiro em Brasília (R$ 250 mil), mas não dava para fazer essas duas coisas. Nosso plano era lançar o filme há um ano, mas a distribuidora preferiu deixar para 2013.

VEJA SÃO PAULO: Por outro lado, é interessante lançar o filme sobre ditadura militar em uma época em que tanto se discute o trabalho da Comissão da Verdade?

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TATA AMARAL: É muito mais interessante. Quando Hoje foi exibido no Festival de Brasília, a Comissão da Verdade ainda era uma novidade. Há um ano o assunto não sai das páginas dos jornais. Todo mundo está familiarizado com a batalha da comissão. Esse assunto está em pauta não só no Brasil, mas em toda a América Latina.

VEJA SÃO PAULO: O que aproxima o filme desse debate sobre a apuração de crimes da ditadura?

TATA AMARAL: As pessoas têm procurado muito o filme porque ele trata de uma maneira intimista de uma personagem que tem um trauma. Ele trata da necessidade de lembrar, de iluminar o passado e de falar sobre esse assunto, de apurar as circunstâncias dos desaparecimentos, das perdas. Ele fala principalmente de como esse período da nossa história gerou culpa naqueles que sobreviveram. O filme trata da necessidade da verdade, de uma maneira intimista. E de como, embora sejam fatos antigos, é importante hoje a gente apurá-los. A verdade é sempre revolucionária.

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VEJA SÃO PAULO: A eleição do pastor Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados provoca polêmica na classe artística. O filme acrescenta à essa discussão?

TATA AMARAL: O filme trata dos direitos humanos sem ser panfletário. A tortura é um atentado à humanidade. A gente precisa lembrar para não repetir. O filme é todo baseado na ideia do esquecimento, de como a gente, no Brasil, joga nossas mazelas debaixo do tapete. Até hoje a gente aceita a tortura, que é praticada nas prisões. O filme fala sobre como ela afetou e afeta a vida das pessoas e da nossa sociedade. E sobre como a gente ainda aceita a violação dos direitos humanos no Brasil.

Hoje, de Tata Amaral_Cesar Troncoso e Denise Fraga_Foto Jacob Solitrenick00
Hoje, de Tata Amaral_Cesar Troncoso e Denise Fraga_Foto Jacob Solitrenick00 ()
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VEJA SÃO PAULO: Hoje é um filme tão intimista quanto Um Céu de Estrelas e Através da Janela. A semelhança é apenas coincidência?

TATA AMARAL: Tanto Um Céu de Estrelas quanto Hoje foram baseados em obras de Fernando Bonassi. Uma característica que me agrada muito nos textos dele é aquilo que (o roteirista) Jean-Claude Bernardet chamou de economia dramática. O filme é sobre aquela mulher, não é nada além disso. Há semelhanças sim. Nos três casos, você não tem escapatório: ou o filme é interessante, ou não. Eles revelam o espaço aos poucos, de forma que o próprio espaço vire quase um personagem.

VEJA SÃO PAULO: O público está acostumado a ver Denise Fraga em comédias. Como foi trabalhar com ela em um drama?

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TATA AMARAL: Era algo que parecia improvável, mas a gente se deu tão bem… Acho que estava escrito nas estrelas. Além de ser uma pessoa muito legal, ela realmente se entregou a essa personagem com um amor que eu nunca tinha visto antes. Foi muito impressionante. Nos preparamos durante dez dias, mas as cenas iam acontecendo nos ensaios, no set de filmagem… A gente ia descobrindo camadas naquele texto. Nunca fui tão longe com atores quanto fui com esse elenco. Eles me davam de volta um mundo.

VEJA SÃO PAULO: Este é seu primeiro filme desde Antônia, de 2006. Por que tanto tempo longe do cinema?

TATA AMARAL: A verdade é que nunca saí do cinema. O primeiro contrato de Hoje é de 2005. Acontece que os projetos levam muito tempo para sair do papel, é isso. Acabei fazendo televisão enquanto batalhava o Hoje, e os dois filmes que fiz (Trago Comigo e O Rei do Carimã, ambos de 2009) influenciaram de maneira direta o longa. Não sinto uma volta porque eu nunca saí do Hoje, sempre permaneci ali. Eu queria encontrar uma maneira de expressar em um filme uma relação problemática com o passado – uma relação que os personagens não queriam enfrentar. É cafona dizer, mas a verdade liberta.

VEJA SÃO PAULO: Apesar de se passar quase totalmente em um apartamento, o filme tem muito do clima de São Paulo, como já acontecia em Um Céu de Estrelas. Foi uma opção consciente sua?

TATA AMARAL: Não consigo não me contaminar em São Paulo. Nasci ali naquela rua do filme, na Avenida São Luís. Minha vida foi ali, naquele lugar, que é muito pessoal para mim. A hsitória está baseada em uma ideia de São Paulo. A personagem quer comprar um apartamento no centro velho da cidade. Ela olha pela janela e vê toda aquela cidade. Aquele lugar é especial porque trouxe uma ideia de modernidade para São Paulo.

VEJA SÃO PAULO: O filme conta, de certa forma, uma história pessoal sobre a sua relação com a cidade?

TATA AMARAL: Eu morava na Major Quedinho, continuação da São Luís, em uma família de classe média baixa. Eu queria fazer tanto o filme lá que paguei 30.000 reais no aluguel do apartamento. Não pude alugar estúdio porque só essa locação consumiu metade do orçamento. Eu queria aquelas janelas, aquela vista da cidade… O apartamento tinha que ser velho e fotogênico. Quando a gente achou o Louvre, ali foi a opção. Era caríssimo, mas pensei: vamos lá. O filme é dedicado ao meu primeiro marido, que morreu aos 20 anos, eu tinha 19. É muito pessoal porque lida com a dor da perda.

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