Dou de cara com dois guitarristas ao sair da estação de metrôna Avenida Paulista com a Rua Augusta. Compartilham a calçada da esquina, do lado do bairro dos Jardins, com um carroda polícia. O som é gostoso, um rock amplificado por pequenos equipamentos da lendária marca Marshall, bem alto. A luz cereja da viatura dá uma urgência à cena. Olho preocupado para o PM, com temor de que resolva acabar com a festa. Masele não parece disposto a isso. Está alheio aos músicos, pensando em outra coisa. Tiro uma foto dos rapazes, estilosos, e posto no Face. Deixo 5 reais como pagamento na caixinha.
+ Sintomas
São 19h10, entre o fim da tarde e o começo da noite,mas já está escuro, cheio de gente saindo do trabalho na rua,aos montes. Essa é talvez minha esquina favorita no mundo.Traz lembranças das descobertas da minha juventude. Vou ao lançamento de um livro de um velho professor, José CarlosSebe Bom Meihy, na Cultura do Conjunto Nacional. Foi ele quem, no comecinho da década de 80, me apresentou à cultura brasileira, na primeira vez em que morei em SãoPaulo, no tempo da faculdade. Eu era um aluno de intercâmbio,ainda mais gringo do que hoje. Zé Carlos, ou JC, como nós o chamávamos, me levou para trabalhar numa escola de samba, assistir a sessões de umbanda e a conhecer um pouco da história do futebol. Aquilo me parecia uma realidade paralela, fascinante e divertida, para não dizer mágica.
Dentro do Conjunto Nacional vejo uma fila imensa e reptiliana saindo da loja Geek. O negócio não pode ser para a obra do JC, penso. Ele é um historiador respeitado, autor de muitos títulos, mas acadêmico. Esse último trabalho dele é sobre um assunto caliente, é verdade. Chama-se Prostituição à Brasileira. Mas mesmo assim não é possível. É grande demais o movimento.
Quando chego perto, vejo que a fila é decorrente do lançamentode uma graphic novel, um gibi em formato de livro. Cada figura mais nerd e exótica que a outra. Antes o universo nerd era definido por solidão e inépcia social, ao menos emparte. Hoje, a vida dessa turma parece ser uma farra.
Subo a rampa e, ao entrar no andar principal, percebo que a situação não é muito diferente. Há jovens casais lendo e namorando, deitados aos montes pelos pufes no chão. No café falta mesa, estão todas lotadas. E, diferentemente do que acontece em Paris, os fregueses falam alto, animados. Localizo,com o olhar, dois lançamentos movimentados e simultâneos em andares diferentes. “O livro em papel não havia morrido?”, penso cá com meus botões. É quinta-feira no começo da noite e a Cultura bomba, como se diz, pulsa, cheia de gente, inclusive nos caixas. Não deve haver outro estabelecimento do gênero no mundo com esse tipo de movimento, nem mesmo a lendária City Lights, em São Francisco.
Compro o novo título de JC e entro na fila dos autógrafos, em meio à muvuca geral. Ocorre-me que, na caixa de ferramentas da cultura brasileira, a mais usada é a festa. Sem ela não há solução. Nem mesmo no mundo da literatura.