Despejaram o Elvis Presley! Pelo menos, foi o que pareceu no domingo. Ele já não tocava mais na calçada do Center 3, quase na esquina da Paulista com a Augusta. Nem na porta do entreposto alternativo de eletrônicos asiáticos, perto da Ministro Rocha Azevedo. A síndrome de abstinência durou pouco. O cantor reinava soberano na entrada do Conjunto Nacional, com energia, bom humor e seu já clássico inglês de quinta. Em torno dele, uma roda sorridente de celulares registrando sua apresentação divertida.
Dei de sentir falta de outros artistas que faziam do Center 3 o seu Carnegie Hall. A Família Jackson, por exemplo. Dois ou três irmãos, fantasiados de Michael Jackson, exibiam o passo moon walk sob o olhar vigilante da mãe. Todo santo domingo, sem falha, havia público para a turma. Imagino que isso se traduzisse em um dinheirinho bom, também. Passar o chapéu depois da apresentação é um costume que os artistas de rua trazem desde a Idade Média. A tradição é mantida também pelo público, que solta moedas e notas miúdas, como uma espécie de couvert urbano.
A abertura da avenida aos domingos atraiu novos tipos. Tem de tudo, do roqueiro solitário à banda de dixieland, dando ao espigão da Paulista um tempero misturado de Seattle e Nova Orleans. Há também por lá trio de forró, bloco de Carnaval, cantora de MPB, banda de garagem vendendo CD e um violeiro que toca só por tocar. Tem um grupo que se fantasia de zebra, urso ou coelhinho e manda um jazz bem bom. Tem a moça que arrasa no saxofone e os violinistas desafinados dos quartetos de corda. Mas os antigos, os pioneiros, deixam saudade.
Onde foi parar o Índio Chiquinha? Era outro condômino da Paulista com a Augusta. Deve ter sido expulso pela multiplicação de camelôs de artesanato feio que dominaram aquelas calçadas. No centro velho, já era famosa a figura magricela, de cabelos grisalhos presos em um coquezinho maroto e expressão compenetrada. Volta e meia, Chiquinha desembarca em algum ponto da Paulista. Liga o alto-falante, ouve o hino nacional com a mão no peito e logo entra alguma canção antiga de Bob Dylan, que o Índio acompanha com castanholas. Pode não ser uma grande performance, mas vale pelo inusitado. Se Dylan voltar à cidade, precisa conhecer o sujeito.
+ Crônica: Conversa de celular
Os músicos, amadores ou não, transformam a mais paulistana de nossas ruas no grande palco da cidade. Houve um tempo em que os shows só aconteciam no vão do Masp. Não era nada ruim. Até um dia, em 1992, em que a artista convidada era Daniela Mercury — e a Paulista parou, mostrando que tinha muita gente na cidade interessada no axé da baiana, então uma cantora novata. Com a ocupação dominical, o palco se estendeu para outras partes da via.
É muito bom caminhar ouvindo tanta coisa. A não ser nos dias em que algum funcionário da prefeitura acorda com dois pés esquerdos e manda tirar todo mundo das calçadas (menos os camelôs de artesanato feio). Dançam até as coitadas das estátuas vivas, que não falam mal de ninguém. Fica a dica para os alcaides. Deixem a música soar na Paulista. É preferível ouvir um violino desafinado do que o coro de pega-ladrão entoado a muitas vozes, sempre que um celular é roubado.