Desde que vi, em Londres, o grandioso monumento de Boadicea, em frente ao Parlamento, fiquei intrigado com aquela personagem, de quem nunca ouvira falar. Estava a caminho da Abadia de Westminster, tendo do outro lado o Big Ben, e fui atraído pela beleza épica do monumento, de 1902. Quem é essa? — perguntei, e meus companheiros não sabiam.
+ Uma foto muito estranha do Masp
Haveria uma razão para ela ser homenageada em tão nobre vizinhança. Fui, então, em busca de Boadicea, ou Boadicca, ou ainda Boudica, rainha dos icenos, celtas bretões que habitavam o noroeste da Britannia (hoje Inglaterra), dominada pelos romanos. No tempo de Nero, ano 61, após a morte do rei, seu marido, Boadicea se opôs ao pagamento de tributos aos invasores. Eles atacaram as aldeias, humilharam cruelmente os icenos, prenderam e açoitaram a rainha e estupraram suas duas filhas meninas.
Boadicea arquitetou a vingança: uniu os icenos dispersos, atraiu outras tribos bretãs, formou um grande exército, marchou para a capital da Britânia romana, Camulodunum (hoje Colchester), arrasou a cidade e matou todo mundo; conquistou mais guerreiros — queria agora expulsar os romanos —, marchou para Londinium (hoje London, Londres), centro comercial da colônia, matou todo mundo e incendiou a cidade; avançou para Verulamium (hoje St. Albans) e fez a mesma coisa, tendo eliminado nessa lida, segundo os romanos, 70 000 inimigos em dois anos.
Quando afinal foi vencida, envenenou-se junto com as filhas. Tinha cerca de 30 anos. Duas rainhas, Elisabeth I e Vitória, fizeram dela um símbolo da resistência britânica aos invasores. Guerra, sair no braço, pôr-se na frente de uma batalha são realmente coisas de homem? Gosto dessas mulheres que, movidas pela indignação, fazem o que os valentes fazem, e algumas vezes fazem melhor.
Muitas não conhecemos, como essa brava rainha celta; poucas permanecem famosas, como Joana D’Arc. Interesso-me pelas menos conhecidas. Como Phoolan Devi, indiana da casta mais baixa, dalit, integrante de uma gangue de adolescentes assaltantes. Capturada e violentada por bandidos da casta dos proprietários, thakur, ela comandou um ataque de vingança que eliminou 21 da gangue thakur, entre eles vários dos seus raptores. Mais tarde se entregou, cumpriu pena, se elegeu deputada e se tornou uma combativa representante da casta dos intocáveis, até seu assassinato, em 2001.
Insuperável guerreira foi a samurai Tamoe Gozen, que, no Japão do século XII, se tornou lendária, exímia com os cavalos, a espada, a naginata e o arco e flecha. Foi a principal comandante do exército do chefe Yoshinaka nas batalhas.
Hoje não se fala de Eleonora da Aquitânia, que se meteu nas batalhas da Segunda Cruzada, acompanhando o marido, Luís VII da França. Depois se casou com Henrique II da Inglaterra, liderou uma revolta contra ele e ficou presa por quinze anos, só libertada após a morte do marido. O novo rei, Ricardo Coração de Leão, seu filho, partiu na Terceira Cruzada e João, outro filho seu, foi coroado.Quando estourou uma revolta contra o rei João, Eleonora, então com 80 anos, liderou as tropas que abafaram a rebelião.
Até nas lutas marciais do Oriente, também “coisas de homem”, houve quem os superasse. Na China do século XVIII, acossada por um valentão que pretendia torná-la sua concubina, a linda Yim Wing-chum recorreu aos ensinamentos da monja Ng Mui, sobrevivente do templo destruído da escola ShaoLin, e derrotou o valentão. Fundou uma escola de artes marciais com o estilo que leva seu nome, wing-chun, modernamente cultivado, entre outros, pelo lendário Bruce Lee. Gosto de mulheres suaves, mas admiro aquelas que, pressionadas, vão à luta.