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A loteria do amor

Por Ivan Angelo
Atualizado em 27 dez 2016, 15h23 - Publicado em 24 set 2016, 00h00

Em prantos, a filha conta à mãe que surpreendeu o marido numa transa de internet e que aquilo era o fim, ponto final, ia voltar para casa. Um mês de casamento! E eles se conheciam, viajavam juntos, tinham um relacionamento moderno que já durava dois anos — por que só agora aquilo aparecia? Casamento retira coisas das sombras. Caso mais dramático foi o de uma amiga, só possível naqueles anos 50, que abasteceram de histórias semelhantes as crônicas de Nelson Rodrigues: casou-se virgem depois de noivar por dois anos, e ele se matou na noite de núpcias, em Paris, depois de revelar que era gay, apaixonado pelo irmão dela.

+ Não é tudo lixo

Uma vizinha conta que a sobrinha acabou de se separar, casou-se faz três meses. A vizinha nem quis saber o motivo, gostaria mesmo é de saber por que se casaram. Faz-me lembrar uma cantiguinha infantil de outros tempos: “O anel que tu me deste era vidro e se quebrou / O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”. Neste outro caso, recente — conheço a família —, a separação veio antes do pior, sendo que o pior foi transferido para outra noiva. O rapaz desmanchou o noivado depois de oito anos de namoro, já tratado como uma pessoa “de casa”, e casou-se com outra, sem demora, o que aumentou a ofensa à ex-noiva. Agora vem o pior: com a esposa grávida de três meses, o velhaco procurou a antiga noiva, querendo voltar como “caso”, dizendo que sempre gostou foi dela. Vejam do que ela escapou, sorte não ter casado. De novo, é coisa de Nelson Rodrigues, não?

Também rodriguiano é o caso do noivo que desistiu do casamento um mês antes, com tudo pago — bufê, bebidas, DJ —, e casou-se com outra dois meses depois, aproveitando que estava tudo pago e em seu nome. Detalhe: pago pelos pais da ex-noiva! Mais uma que escapou de boa.

Casamento é como o futebol das conversas de torcedores: uma caixinha de surpresa. Não é sempre, mas não é raro: suaves mostram as garras, príncipes perdem a elegância, probos aparecem com velhacarias, finos fazem grossuras, maestros desafinam, craques pisam na bola. Um dito popular que aparece em quadrinhas, cordel e marchinhas de Carnaval diz que casamento é loteria. Pois.

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Já tivemos um caso de noivo lotérico, no século XIX. Em maio de 1827, o jornal fluminense O Spectador Brasileiro, editado por um francês protegido de dom Pedro I, Pierre Plancher, publicou anúncio dizendo que um “mancebo de bom caracter, bonito garbo, tendo todas as perfeiçoens phisicas que podem agradar”, oferecia por dote o produto de uma loteria “a todas as viúvas e donzellas que tenhão menos de 32 anos”. Os bilhetes vendidos dariam 12 contos de réis. Feito o sorteio, “a feliz proprietária do número terá direito a sua pessoa e aos 12 contos de réis”. Como termina a história? Diz o jornal que, ao fim de um mês, uma “linda Senhora, gozandod’huma boa fortuna”, ofereceu “seus bens e seu coração ao bello estrangeiro”, acabou com a loteria e o editor prometeu reembolsar as compradoras de bilhetes. Verdade ou broma?

+ Reforma da natureza

Também lotéricos, e dependentes de muita sorte, foram os casamentos que resultaram da campanha de povoação do Brasil feita pelo padre Manuel da Nóbrega, fundador de São Paulo em 1554. Em cartas, ele pede ao rei de Portugal que mande para cá mulheres, “que venham muitas órfãs e de toda qualidade, até meretrizes, porque há aqui várias qualidades de homens, e os bons ericos casarão com as órfãs, e desse modo se evitarão os pecados e aumentará a população no serviço de Deus”.

Otimista, acredito que muitos receberam bilhetes premiados.

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