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Calouro de academia

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 16h21 - Publicado em 31 jan 2013, 16h22

Uma das dúvidas dos arqueólogos no futuro será sobre a academia de ginástica. Disso eu tenho certeza. Até porque os aparelhos, feitos de aço, vão sobreviver à nossa civilização. Serão encontrados na areia como a Estátua da Liberdade na cena final do clássico O Planeta dos Macacos. Aqui mesmo em São Paulo, talvez. Quem sabe? Ou em Santos. Será um momento de entusiasmo científico, imagino. Os estudiosos saberão que aqueles aparelhos poderão se transformar em chave para o entendimento do passado. Mas as teorias a respeito da sua função na cultura serão divergentes.

Não sei se você faz ou se já fez academia.Os exercícios e as máquinas são cada vez mais sofisticados.Fazem parte daquilo que uma amiga descreveu certa vez como “o mundo do agachamento”. O tema voltou à minha vida há uns seis meses. Após duas décadas de boemia paulistana, bem vividas e hilariantes, fui incentivado a tomar jeito. Meu médico chegou à conclusão de que, no meu caso, o melhor mesmo seria me dedicar aos exames de sangue e aos exercícios físicos, com intervalos para o trabalho e uma eventual ressonância magnética, que ninguém é de ferro.

Ainda estou longe da forma ideal, mas venho me acostumando com o novo estilo de vida. Incentivado por meu filho, Lucas, escolhi uma academia na Vila Madalena. Deixo a noite, mas continuo no bairro. Fato este que me consola de alguma forma. Ando na esteira. Puxo ferro. Faço peckdeck, rosca invertida e crucifixo. Não sou eu que invento esses nomes. Estão lá na minha ficha de tarefas.

É divertido viver em um país com “academias” de ginástica e “escolas” de samba, penso comigo mesmo durante uma das sessões na esteira. São duas atividades eminentemente físicas e suadas, rotuladas com nomes de instituiçõesde ensino. É uma ironia discreta, característica da melhor cultura popular do país, diz o meu manual de brasilianismo.

Sou surpreendido na academia de ginástica por sua democracia. É uma cultura nova para mim. Há gente de todas as idades e modalidades esportivas. As mulheres aprendem a lutar. Boxe, jiu-jítsu, o que for. Velhos nadam na piscina. Os professores costumam ser jovens. Pertenço à categoria dos tiozinhos, ao que tudo indica. Sou mais conhecido por lá como o pai do Lucas.

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A maior polêmica cultural gira em torno da trilha sonora, ou playlist, da academia. Chega-se a tocar músicas distintas em ambientes diferentes, sem nem falar dos fones de ouvido. Existe uma corrente que defende música em volume altíssimo, outra, um volume um pouco menor, percebo. Madonna divide opiniões. Imaginei que ela fosse uma unanimidade, a rainha da academia, mas não é. De qualquer forma, não há dúvida de que a música é central à ginástica atual, ao contrário do que acontecia no passado. Madonna foi uma das responsáveis por isso, desconfio. Descobriu-se que as canções tiram um pouco da dor do exercício físico e geram ondas de entusiasmo. A ciência comprova. Foi o que li, dia desses, no Twitter.

Os arqueólogos não terão acesso a essas informações todas, pelo menos não de imediato, não na primeira escavação de uma academia de ginástica. Alguns deles talvez percebam que acontecia ali um condicionamento físico. Os espelhos darão uma boa dica, se forem recuperados. A raça humana se preparava para alguma coisa. Não está claro o que ainda.

e-mail: matthew@abril.com.br

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