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Comerciantes das zonas populares enfrentam demissões e fechamentos

Na Rua 25 de Março, as vendas caíram cerca de 30% no primeiro semestre deste ano; Brás e Bom Retiro enfrentam uma retração de 15%

Por Ana Luiza Cardoso
Atualizado em 1 jun 2017, 16h44 - Publicado em 11 jul 2015, 00h00

Até um ano atrás, quando uma loja fechava as portas na Rua 25 de Março, no centro, outra assumia o lugar em questão de poucos dias. Empresários estapeavam-se para conseguir uma vitrine no maior comércio popular a céu aberto da América Latina, e só o ponto poderia custar 1 milhão de reais. Dentro das casas antigas, cercadas por vendedores ambulantes, fechavam-se negócios com altas cifras.

Diariamente, clientes pagavam 100 000 reais de uma tacada só por caixotes de bijuterias no atacado. Hoje, porém, os frequentadores andam com as sacolas mais leves e os comerciantes temem o encalhe das mercadorias. Os números escancaram o problema.

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As vendas caíram cerca de 30% no primeiro semestre deste ano em relação a idêntico período de 2014, segundo estimativa da União dos Lojistas da Rua 25 de Março e Adjacências (Univinco). No mesmo intervalo, a retração média do comércio paulistano ficou em 4%. “Se uma loja de atacado faturava 100 000 reais por dia até o ano passado, hoje tira pouco mais da metade disso”, diz a assessora executiva da associação, Claudia Urias.

Há exemplos mais dramáticos. Às vésperas do Dia das Mães, uma das principais datas para a região, a butique Chic Liqui vendeu apenas dois vestidos durante um dia inteiro, totalizando 200 reais no caixa. “O que está entrando serve só para pagar aluguéis atrasados”, afirma a gerente, Marileide Santiago. Uma loja de anéis na Ladeira Porto Geral chegou a colocar o aviso de que, por motivo de falência, todos os seus produtos seriam vendidos por 50 centavos. Tratava-se de uma estratégia desesperada para tentar atrair o consumidor.

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Antes da crise, 700 000 pessoas passavam por dia pela via — esse número subia para 1 milhão em vésperas de feriado. Em junho, a média baixou para 500 000 por dia. Quem atua no setor sente na pele. “Eu trazia quarenta pessoas por viagem”, afirma o motorista Lindomar Jesuíno, que há sete anos transporta sacoleiros de Santa Catarina para a região duas vezes por semana. “Agora são no máximo quinze, e o pessoal não compra quase nada.”

A preocupação com uma possível quebra tem tirado o sono dos comerciantes. Ali, dezoito lojas fecharam as portas apenas neste ano, algumas sem perspectiva de receber novos inquilinos. Atualmente, 112 dos 3 800 pontos comerciais, ou 3% do total, estão desocupados — em outros tempos, a vacância era praticamente nula. Circulando pela área, é possível ver dezenas de espaços vazios que estampam placas com anúncios de aluguel.

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De janeiro para cá, 3 200 trabalhadores foram demitidos. “Muitos outros serão dispensados até o fim do ano, porque os empresários serão obrigados a reduzir suas equipes”, adianta Claudia. Entre os que perderam o emprego estão os oito funcionários de uma pequena loja de artigos de decoração que cerrou as portas em junho por não conseguir equilibrar as contas. “É triste, depois de treze anos, mas terei de começar do zero”, diz o ex-proprietário Rogério Gonçalves.

Segundo especialistas, há algumas explicações para que nesses endereços a crise esteja mais amarga do que nos de outras regiões. Uma delas é a alta no câmbio do dólar — 16% nos últimos seis meses —, que encarece as importações, origem de uma parte considerável dos produtos vendidos na área. “Essa variação atingiu principalmente o setor de moda e eletrodomésticos”, diz o economista Vitor França, da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio).

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Outra é a alta da taxa de juros do cartão de crédito, de 13% ao mês, o maior valor desde março de 2009, que dificulta as compras a prazo. “Ninguém quer gastar nem com besteiras de 2 reais”, queixa-se a empresária Maria Kano, que há vinte anos vai à região para abastecer sua papelaria em Suzano. Ela costumava encher um carro com compras, agora carrega uma mala pelo Metrô São Bento uma vez por semana.

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Para complicar a vida dos empresários, entra na conta o alto preço dos imóveis no entorno. O valor do metro quadrado para aluguel gira em torno de 250 reais por mês, mais que o triplo do que se poderia pagar, por exemplo, na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Outros polos populares da região central, o Bom Retiro e o Brás também enfrentam retração nos negócios. As vendas caíram 15% no primeiro semestre em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro. “Quem não se planejar para enfrentar os próximos meses terá problemas”, alerta o presidente da instituição, NelsonTranquez Jr.

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Há um ano, o comerciante Mosheh Hakim faturava 10 000 reais a cada sábado, o dia de maior movimento, em sua loja de roupas na Rua Silva Pinto. Hoje precisa suar a camisa para amealhar 4 000 reais: pesca potenciais fregueses no meio da rua e distribui flores e bombons para atraí-los. Fez até uma viagem à China para aprender novas técnicas de venda. Tudo para evitar o destino de sua vizinha, a Tulnitex, que pendurou o anúncio de “Passo o ponto” em junho e após 41 anos pretende encerrar as atividades. “Cheguei a ter trinta funcionários e enfrentei diversas crises, mas nenhuma como esta”, lamenta a ex-dona Antoinette Koulioumba.

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No Brás, a percepção é similar. “Quem comprava dez produtos agora leva cinco”, atesta Bruna Motta, que vende calças jeans há seis anos. Uma esperança para os empresários que buscam a saída para se reinventar está no fato de que a Rua 25 de Março e seus arredores conquistaram fama em tempos ruins. Nos anos 70, uma crise no setor metalúrgico empurrou os desempregados para o setor comercial, em busca da revenda de artigos baratos oferecidos por ali. “Foi nesse momento que se fortaleceu a figura do sacoleiro, e muitos acabaram enriquecendo”, explica o economista Lineu Francisco de Oliveira, autor do livro Mascates e Sacoleiros — Empreendedoresque Construíram uma Região.

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Tempo difícil

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Alguns números que demonstram a diminuição do público na região

– 30% foi a queda no faturamento médio no primeiro semestre comparado ao do mesmo período no ano passado

– 18 lojas fecharam neste ano

– 3 200 funcionários foram demitidos

– 30% é quanto caiu a média de público

– 112 pontos comerciais estão vagos

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