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Funcionário da Secretaria de Habitação é acusado de corrupção

Com salário de 8.000 reais, Hussain Aref Saab acumula patrimônio de cerca de 50 milhões de reais em imóveis

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 18h15 - Publicado em 19 Maio 2012, 00h50

No dia 29 de fevereiro, uma carta anônima recheada de denúncias chegou à mesa do prefeito Gilberto Kassab. Deixada cinco dias antes na seção de protocolo do prédio onde ele despacha, no Viaduto do Chá, ela dizia ter a pretensão de “desmontar o gigantesco e nefasto esquema de corrupção existente na Secretaria de Habitação”. O alvo das acusações era Hussain Aref Saab, diretor desde 2005 do Departamento de Aprovação de Edificações (Aprov), posição na qual concentrava poder substancial: barrar ou liberar as licenças para qualquer empreendimento na cidade a partir de 500 metros quadrados, novo ou que passe por reforma.

Para se ter uma ideia desse volume, 249 processos foram aprovados pelo departamento só no mês de março. Segundo a denúncia, nenhuma construtora conseguiria tocar as obras se não lhe pagasse propina, em dinheiro vivo ou com bens como apartamentos. “Não suporto mais ser achacado por esses malfeitores”, escreveu o delator, segundo o qual Aref Saab “ostenta uma vida de consumo incompatível com o salário”. Denúncias anônimas evidentemente não são prova de nada, mas já no dia seguinte o caso começou a ser investigado pela corregedoria do município. As primeiras conclusões indicam que a carta pode ter fundamento: o patrimônio do servidor inflou de forma inexplicada desde que ele passou a ocupar o cargo.

Com 39 anos de carreira na prefeitura, Aref Saab recebia mensalmente 8.000 reais até o dia 13 de abril, quando pediu demissão alegando problemas de saúde. Ainda assim, tornou-se dono de 106 imóveis a partir de 2005, segundo reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo na semana passada. O Ministério Público, que investiga a denúncia, contabilizou só entre 2005 e 2008 em torno de setenta propriedades de Aref Saab. A maior parte delas na capital, muitas concentradas nas ruas Sócrates e Molière, nas proximidades do Cemitério de Congonhas. Apenas em um prédio com vista para o Parque do Ibirapuera, são seis apartamentos.

Os valores das transações chamam atenção: o ex-funcionário pagou, segundo relatórios do Ministério da Fazenda, 10.000 reais por um terreno de 1.395 metros quadrados em Moema. “Está claro o subfaturamento de boa parte dos bens”, afirma o promotor Silvio Marques. Em depoimento à corregedoria, Aref Saab se disse confuso sobre o tamanho do próprio patrimônio: “Está meio nebuloso. Já ouvi falar que tenho 140, 120…”. Na última quinta, seu advogado Augusto de Arruda Botelho declarou que são 111 imóveis no total, sendo 77 adquiridos nos últimos sete anos. E qual é o milagre da multiplicação? “Ele tem renda mensal de 80.000 reais”, diz Botelho. O valor viria, além do salário, do aluguel de imóveis que seriam herança de família e dos dividendos da empresa da qual a filha Ana Paula é sócia: a Profissional Park, que opera estacionamentos em locais como o Hospital Albert Einstein e o Mooca Plaza Shopping. “Vai ser tudo esclarecido na hora certa”, completa o advogado.

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Apesar da evolução patrimonial mal explicada, mesmo tendo ocupado uma função na qual a transparência deveria ser exemplar, ainda não há comprovações sobre as outras denúncias, segundo as quais o diretor estabelecia uma “tabela de propinas”. O pacote básico, “para que o projeto não seja esquecido em alguma gaveta”, custaria 10.000 reais, de acordo com a carta enviada ao prefeito. Demandas mais complexas implicariam quinhões maiores. Uma delas seria a reserva ilegal das chamadas outorgas onerosas, permissões para aumentar o potencial construtivo dos terrenos — cada bairro tem um estoque determinado (à medida que são aprovados projetos, essas quantidades vão diminuindo). Ou seja, tais estoques são bastante disputados pelas incorporadoras, já que as áreas mais nobres da metrópole estão saturadas e têm limites máximos de aproveitamento.

Para garantir sua cota, as empresas teriam de pagar, antes mesmo da taxa oficial, uma quantia extra por baixo do pano. Os relatos de procedimentos ilícitos respingam também em outros funcionários da administração municipal e em profissionais do setor privado. O engenheiro Celso Carvalho, consultor de construtoras nas relações com o poder público, é um dos citados como integrante do suposto esquema. “Estou indignado”, afirmou. “Estive com Aref apenas cinco vezes para tratar de assuntos burocráticos e ninguém pediu algo ilícito.”

Escândalo Imobiliário - Administração 2270 - Kassab e Silvio Marques
Escândalo Imobiliário – Administração 2270 – Kassab e Silvio Marques ()
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Paulista de Agudos, Aref Saab é formado em direito. Funcionário do setor urbanístico desde a gestão Jânio Quadros, na década de 80, passou por diversos postos em todos os governos desde então, até ser nomeado para o comando do Aprov. Sobre o enriquecimento do funcionário, o prefeito Kassab se declarou “espantado”. Nos bastidores, orientou o secretário municipal de Habitação, Ricardo Pereira Leite, a não dar entrevistas. Nos últimos meses, segundo seu advogado, Aref Saab tem sofrido com picos de pressão arterial, razão pela qual estaria em repouso.

Casado, ele é pai do delegado de polícia Luiz Fernando Saab. As posses dos parentes, aliás, deverão ser investigadas nos próximos capítulos das apurações. Outros servidores públicos estão sendo questionados sobre a rotina de trabalho no órgão. Detectar algum tipo de corrupção é a única chance de punição rigorosa. Pela legislação brasileira, o fato de conquistar patrimônio incompatível com o holerite não constitui crime. Ao menos por enquanto, a casa de Aref Saab está longe de cair.

O ALVO DAS INVESTIGAÇÕES

Hussain Aref Saab

Escândalo Imobiliário - Administração 2270 Hussain Aref Saab
Escândalo Imobiliário – Administração 2270 Hussain Aref Saab ()
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Idade: 69 anos

Carreira: passou 39 anos na prefeitura, até pedir demissão em abril alegando problemas de saúde

Cargo: comandou desde 2005 o Aprov, departamento de aprovação de obras com 500 metros quadrados ou mais

As suspeitas: segundo denúncia anônima que está sendo investigada pelo Ministério Público, enriqueceu cobrando propina para fazer vista grossa diante de irregularidades ou para tirar da gaveta até projetos nos conformes da lei

Patrimônio: seu advogado diz que são 111 imóveis acumulados ao longo da vida. O Ministério Público estima que cerca de uma centena tenha sido comprada desde que assumiu o Aprov, ou seja, nos últimos sete anos

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O que ele diz: conseguiu os bens graças a outras fontes de renda além do salário, de 8.000 reais

O que falta explicar: qual é o seu patrimônio real, qual era o seu patrimônio quando assumiu o Aprov e de que forma teria conseguido várias pechinchas imobiliárias, como um terreno em Moema de 1.395 metros quadrados adquirido por 10.000 reais

PODER DE FOGO

▪ As atribuições do departamento: Parte da Secretaria de Habitação, o Aprov é responsável por analisar pedidos para criação ou reforma de empreendimentos com mais de 500 metros quadrados

▪ Quais seriam as irregularidades: Como os trâmites envolvem muita burocracia, Aref venderia facilidade para acelerar aprovações das mais variadas naturezas

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▪ As atribuições do departamento: Cabe ao órgão averiguar a adequação de licenças obtidas por outras áreas, como as ambientais ou de trânsito

▪ Quais seriam as irregularidades: Empresários pagariam para burlar tais exigências ou mesmo para encerrar os questionamentos infindáveis sobre elas, que atrasam a obra

▪ As atribuições do departamento: O órgão é um dos responsáveis pelas autorizações de empreendimentos que são construídos com o benefício das outorgas onerosas (permissões pagas para construções além dos limites estabelecidos). Essas permissões são disputadíssimas por incorporadoras, já que as áreas mais nobres estão bastante saturadas

▪ Quais seriam as irregularidades: Aref cobraria uma “taxa de reserva” para garantir o direito de adquirir a outorga. Ou seja, o empresário pagaria duas vezes: a propina e a taxa em si. A Câmara dos Vereadores apura ainda um suposto desvio do dinheiro desembolsado oficialmente pelos papéis, que levariam carimbo de “pago” sem que a verba fosse de fato para os cofres públicos

 

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