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O controverso uso da ibogaína no tratamento contra o vício em drogas

Droga alucinógena extraída da raiz de uma planta africana é usada por paulistanos para se livrarem do vício da cocaína, do crack e da heroína

Por Aretha Yarak
Atualizado em 23 set 2020, 18h18 - Publicado em 12 dez 2014, 22h00

Por cerca de quinze anos, o palestrante Gadyro Nakaya Schmeling, de 36 anos, viveu dominado pela compulsão por cocaína, heroína e crack. Isso deixou nele marcas profundas: morou na Cracolândia por oito meses, roubou e foi preso, fugiu de mais de quarenta internações e chegou a ser acorrentado pelo pai em casa. “Nada funcionava”, relembra.

Até que conheceu, pela internet, a ibogaína. Com um potente efeito alucinógeno, a substância é extraída da raiz da iboga, uma planta africana. Tem sido usada nos últimos tempos nas terapias de desintoxicação, pois amenizaria os terríveis sintomas da abstinência, a principal causa de recaída dos viciados. “Tomei uma dose única em outubro de 2012. Ela é forte e provoca uma sensação horrível, de morte. Mas nunca mais tive vontade de usar qualquer droga”, conta Schmeling.

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A exemplo do que ocorreu com o consultor, várias pessoas na mesma situação estão procurando esse tratamento, ainda bastante controverso para muitos médicos. Entre outros efeitos arriscados, a ibogaína baixa muito a frequência cardíaca do usuário durante o transe, o que pode ser fatal em casos de pacientes com algum problema no coração.

Um dos centros mais conhecidos que oferecem o serviço é o Instituto Brasileiro de Terapias Alternativas (IBTA), em Paulínia, a 119 quilômetros da capital. Um terço de seus pacientes é formado por paulistanos. Ali, o tratamento de desintoxicação custa 7 200 reais e dura cinco dias [valor referente ao ano de 2014, quando esta reportagem foi originalmente publicada]. Nesse período, são ministradas cinco doses e sessões de terapia.

Segundo a diretoria da clínica, a taxa de sucesso é de 70%. “Não estocamos o produto, tudo é importado sob medida para o paciente”, explica o terapeuta Rogério de Souza, um dos responsáveis pelo local. O comerciante Rodrigo Januário Simões, de 36 anos, passou por lá em 2012. Ele bateu às portas do IBTA para tentar livrar-se do vício de uma década em cocaína. Diz ter ficado surpreso com a eficácia do negócio. “De uma hora para a outra, minha fissura sumiu”, lembra. “Passei a ter nojo da droga.”

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Descoberta oficialmente em 1962 pelo americano Howard Lotsof, um adicto em heroína que aos 19 anos estava à caça de um novo “barato”, a substância é aprovada no Canadá, na Nova Zelândia, no México e na maioria dos países da América Central. Ela é contraindicada para pessoas com quadros psicóticos, que usam determinados remédios, como antidepressivos, são alérgicas ou têm problemas cardiovasculares e no fígado.

Seus altos índices de sucesso se devem, de acordo com pesquisadores, a alguns mecanismos de ação. Em um deles, o usuário se desliga do presente e tem a impressão de sonhar acordado. “É como uma expansão da consciência, você passa a ver a vida de outro jeito e fica mais aberto à mudança”, conta o consultor Schmeling.

Além disso, há uma ação cerebral ainda incerta. As hipóteses mais correntes afirmam que acontece um aumento nas sinapses entre os neurônios e uma reorganização dos neurotransmissores, o que explicaria o fim da fissura.

Embalagem do remédio usado pela pesquisa da Unifesp

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Por aqui, a substância não é ilegal, mas sua comercialização para finalidades terapêuticas é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Quando há necessidade de uso do medicamento, entretanto, o órgão regulador autoriza a importação de países onde é legalizado, desde que isso seja feito com prescrição médica e exclusivamente para uso pessoal.

Apesar dos relatos de sucesso, o consumo no Brasil ainda é bastante controverso. Em setembro deste ano, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) finalizaram o primeiro levantamento nacional sobre a ibogaína. Foram selecionados 75 dependentes químicos, entre usuários de crack, cocaína, maconha e álcool.

Todos tomaram uma ou mais doses do remédio. O resultado foi animador: 61% dos voluntários largaram a droga — nos tratamentos tradicionais, esse número despenca para 30%. “Pelo que observamos, a ibogaína é hoje a melhor opção contra o vício”, diz o médico Bruno Rasmussen Chaves, um dos autores do estudo.

De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, trabalhos como esse precisam ser encarados com reserva, pois estão longe de ser conclusivos. Segundo ela, ainda se sabe muito pouco sobre a substância e não é possível fazer alegações sobre sua eficácia. “São necessários anos de pesquisas para confirmar os dados, mesmo que as primeiras evidências apontem para resultados positivos”, afirma.

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