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Conheça os prefeitos dos bairros de alguns bairros paulistanos

A Oito subprefeituras paulistanas são administradas hoje por ex-prefeitos do interior

Por Maria Paola de Salvo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h25 - Publicado em 18 set 2009, 20h32

Na esfera empresarial, quem chega a presidente dificilmente voltará a ser gerente um dia. Mas, no mundo da administração pública, às vezes retroceder significa avançar. Movidos por essa lógica, ex-prefeitos de cidades do interior desceram do primeiro para o terceiro escalão ao assumir oito das 31 subprefeituras de São Paulo. Órfãos de mandato, deixaram de lado alguns privilégios, como carro com motorista disponível 24 horas, e abriram mão da autonomia de governar para se tornar subordinados. O salário e a popularidade encolheram. Em compensação, passaram a administrar bairros até dezenas de vezes mais populosos que os municípios onde moravam. Caso, por exemplo, de São Miguel Paulista, com uma população mais de quarenta vezes maior que a de Ilha Comprida. “As diferenças são assustadoras”, afirma Décio José Ventura, que subiu a serra para assumir a subprefeitura da Zona Leste.

Apesar disso, nenhum deles diz se arrepender da decisão que tomou. “Administrar uma subprefeitura de São Paulo acaba servindo como vitrine do meu governo”, explica o ex-prefeito de São João da Boa Vista e atual subprefeito de Itaquera, Laert de Lima Teixeira. “Somos mais notados aqui do que no interior”, completa o antigo administrador de Piraju, Mauricio de Oliveira Pinterich, que assumiu o Butantã no ano pasado. A visibilidade, nesse caso, funciona como uma espécie de trampolim para postos mais altos, como o de deputado estadual, aspiração de mais da metade dos oito ex-prefeitos.

Nessa equação, São Paulo também leva alguma vantagem. “Como vêm de longe e não conhecem o bairro, tendem a ser menos comprometidos com vereadores e políticos locais”, acredita Filipe Soutello, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam). O que pode inibir, por exemplo, a corrupção e o loteamento de cargos, práticas que se tornaram comuns nas antigas administrações regionais, extintas em 2002. Isso não significa, é claro, que o problema está completamente extirpado. Afastamentos e demissões de fiscais por suspeita de favorecimento aconteceram neste ano em três das oito subprefeituras comandadas por ex-prefeitos. “Mas têm se tornado cada vez menos freqüentes”, afirma Soutello.

Como já estiveram um dia no trono, os ex-prefeitos também tendem a ter mais facilidade para brigar por verbas e fazer a articulação entre a prefeitura e a população. “Da mesma maneira que antes tínhamos de negociar mais dinheiro com o governo federal, fazemos hoje com o governador e com o prefeito”, diz o subprefeito de Guaianases, Eduardo Carlos Felippe, que, assim como os outros sete, tem dois mandatos no currículo. “Isso atesta a liderança natural, a habilidade política e a extrema capacidade de execução”, considera o secretário das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, a quem os subprefeitos respondem. Cinco deles estão hoje na periferia da cidade, em subprefeituras como Itaquera, Guaianases, M’Boi Mirim, São Miguel Paulista e Cidade Ademar. “Isso não é mera coincidência, eles assumiram as áreas que precisam de mais atenção da prefeitura”, afirma Matarazzo.

Momentos antes de ocupar a cadeira de subprefeito de Santana/Tucuruvi, em fevereiro deste ano, José Roberto Piteri, 55 anos, foi direto para o banheiro. “Fiz uma oração e pedi a Deus que me iluminasse nessa nova missão”, conta ele, que freqüenta duas vezes por semana a igreja da Congregação Cristã em Jandira, cidade que administrou por dois mandatos e onde ainda mora com a mulher e os quatro filhos. Todo dia ele gasta pelo menos uma hora para percorrer os 30 quilômetros que a separam de São Paulo. Ao contrário de seus colegas ex-prefeitos, trocou uma população carente por outra rica, com uma renda média per capita que ultrapassa os 800 reais por mês. E, é claro, muito mais organizada. “Chego a receber mais de cinqüenta e-mails de munícipes diariamente”, surpreende-se. “O pessoal aqui é muito bairrista.” Entre pedidos de poda de árvore, iluminação e jardinagem, não faltam reclamações estranhas. Numa assembléia com moradores, foi surpreendido por uma senhora: “Sabe aquela nova praça com parquinho que vocês fizeram? Queria que o senhor a tirasse dali, porque a criançada está fazendo muito barulho”. Há também sugestões inusitadas, como a da Associação Comercial de Tucuruvi, que em tupi significa gafanhoto verde. Em homenagem ao nome do bairro, a entidade quer colocar uma escultura do inseto numa das praças da região. Afastado do poder desde 1996, o matemático Piteri diz estar matando a saudade de administrar. E até se considera prefeito. “Aqui também tenho de correr atrás de verba para executar obras.” Vaidoso, só sente falta de ser reconhecido por onde passa. “Em Jandira andava 100 metros e era parado umas dez vezes pelos moradores”, conta.

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O sotaque levemente carregado do interior de São Paulo denuncia as origens do produtor rural Laert de Lima Teixeira, ex-prefeito de São João da Boa Vista, a 223 quilômetros da capital. Ao assumir a subprefeitura de Itaquera, em fevereiro de 2005, ele trocou os 480 quilômetros quadrados de plantações de sua terra natal, o equivalente a 300 Parques do Ibirapuera, por uma densa cobertura de concreto e raras manchas verdes. Mas nem parece sentir falta da antiga vida. Apesar de ser formado em direito, ele admite adorar um cimento. “Gosto tanto de obras que até preciso tentar manter o equilíbrio, para não esquecer as outras necessidades”, diz ele, que mora num apartamento em Pinheiros, a quarenta minutos do trabalho. Os olhos de Teixeira, 45 anos, brilham quando ele começa a descrever seus projetos para o distrito. Ambicioso e cheio de planos, pretende atrair para um terreno ocioso de 115.000 metros quadrados, em frente à Estação Corinthians-Itaquera do metrô, uma Faculdade de Tecnologia (Fatec), uma unidade do Senai, um novo fórum regional e uma rodoviária. “Itaquera é o centro da região metropolitana e precisa de uma boa rede de transporte”, justifica. Por enquanto, apenas o fórum está prestes a sair do papel. “Até o fim da minha gestão, os outros projetos virão”, promete. Enquanto isso, investe em asfalto, parques e praças. “A subprefeitura é uma vitrine, preciso me fazer conhecer para ser merecedor do voto das pessoas”, diz Teixeira, que não esconde a vontade de se candidatar a deputado estadual. A julgar pelos sorrisos e abraços que distribui aos moradores, sua campanha já começou.

Antigo corredor de motocross, Edilberto Ferreira Beto Mendes, o Beto Mendes, ex-prefeito de Paranapanema, arrumou uma maneira inusitada de conhecer os 30,7 quilômetros quadrados de Cidade Ademar, subprefeitura que assumiu em fevereiro. “Peguei minha moto e comecei a rodar pela região. Quis conhecer a comunidade de perto”, afirma Mendes, que não dispensa uma platéia. Quando visita os bairros, está sempre rodeado por uma comitiva de pelo menos três assessores e adora distribuir apertos de mão entre os moradores. “Procuro ouvir o que a população quer”, justifica Mendes, que agora está às voltas com o combate a ocupações ilegais. Sua missão inclui urbanizar as 198 favelas, onde vivem quase dez vezes mais pessoas que em Paranapanema, a 254 quilômetros da capital. “Nunca tinha entrado numa favela antes”, admite ele, que é morador de um apartamento no sofisticado Jardim Marajoara, o melhor IDH da cidade. Formado em administração e pós-graduado em marketing, 40 anos, ele não se constrange em fazer propaganda dos feitos de seu governo em Paranapanema, cidade elevada à categoria de estância turística em sua gestão. Da época em que foi prefeito herdou, no entanto, 21 processos cíveis e cinco criminais. Entre eles está um suposto desvio de verbas do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). “Fiz isso para pagar a fornecedores e não ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma. “Das oito contas auditadas pelo Tribunal de Contas, seis foram aprovadas e duas esperam julgamento.”

O ex-prefeito de Ilha Comprida Décio José Ventura relutou antes de aceitar o convite, em março do ano passado, para assumir a Subprefeitura de São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo. “Como a população aqui é mais de quarenta vezes maior que a da cidade que administrava, tive medo”, diz. Decidiu arriscar. Subiu a serra e trocou o litoral por um oceano de problemas em forma de concreto. Com 45 favelas, entre elas a famosa Pantanal, São Miguel Paulista está tomada por invasões irregulares de terrenos, a maioria delas em áreas de proteção ambiental vizinhas ao Rio Tietê. “As carências sociais daqui são as únicas semelhanças com a Ilha.” Paulistano nascido na Barra Funda e formado em administração, Ventura foi em 1980 para Ilha Comprida, a 215 quilômetros de São Paulo, em busca de mercado para suas lojas de material de construção. Gostou tanto do lugar que ficou lá durante 26 anos e se elegeu prefeito do município duas vezes. “Levou um tempo para eu desaprender a viver na correria de São Paulo e agora tive de começar tudo de novo”, afirma ele, que alugou uma casa a seis quadras de seu gabinete e é o único dos oito subprefeitos que mora dentro da área que administra. Vizinho do trabalho, vai a pé para o batente, que começa às 7h30 e não tem hora para acabar. “É muita coisa para resolver”, diz ele, com uma fala mansa, incapaz de denunciar a ansiedade de quem fuma dois maços de cigarro por dia. Também divide seu tempo com as aulas de administração pública que ministra numa faculdade de Guaianases. Quando surge uma folga, desce a serra para visitar a mulher, os três filhos e um neto, que continuam em Ilha Comprida. É quando volta a ser caiçara. “Corro para meu rancho de pesca e me desligo.”

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