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Protesto na Ceagesp expõe problemas na gestão

Manifestação contra a cobrança de pedágio para caminhões deixou cinco feridos e um clima de tensão entre os comerciantes

Por Silas Colombo
Atualizado em 1 jun 2017, 17h24 - Publicado em 21 mar 2014, 19h00

Enfrentando uma das maiores crises em seus 45 anos de história, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) passou a semana passada tentando juntar seus cacos. A primeira decisão, anunciada na manhã de segunda (17), envolveu a suspensão definitiva da polêmica cobrança do pedágio para entrada e permanência de caminhões no terminal. Na sequência, a administração iniciou o inventário do prejuízo causado pelo violento protesto do dia 14. Serão necessários pelo menos três meses para contabilizar os danos e quantificar o custo da reconstrução. A confusão começou por volta das 10h30, quando cerca de 100 homens munidos de paus e pedras invadiram o maior posto de abastecimento da América Latina, na Vila Leopoldina, e incendiaram dois carros e dois prédios. Um dos edifícios guardava os contratos de uso dos espaços comerciais: sem cópia digital, estão agora extraviados para sempre. A baderna deixou também um saldo de cinco feridos, inclusive um baleado, mas que não corre mais risco de morte.

 

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O motivo do descontentamento foi o início da cobrança da taxa para a circulação de veículos de carga no entreposto — ela variava de 4 reais (quatro horas) a 60 reais (diária). Motoristas e empresários, acostumados a circular ali de graça, ficaram irritados pelo crescimento de  seus gastos. “Nós já desembolsamos uma quantia considerável para trazer as mercadorias até São Paulo, agora querem cobrar a mais apenas para entrarmos no terminal”, afirma o empresário José Batista, presidente do Sincaesp, que representa os quase 6 000 comerciantes dali. Na conta do sindicato, o custo de cada caminhão teria um acréscimo de 2 000 reais por mês, valor que seria repassado aos produtos.

Antes da confusão, os administradores da Ceagesp ficaram meses argumentando que o dinheiro da nova tarifa era essencial para realizar melhorias no lugar. A criação do pedágio está prevista no contrato de licitação vencido há um ano pela empresa C3V para readequar o tráfego interno. “Investimos quase 25 milhões de reais em sinalização e na instalação de 320 câmeras de monitoramento”, afirma o presidente da C3V, Roberto Meira. Os comerciantes, no entanto, queixam-se de que as ações só pioraram o que já estava muito ruim. Antes, os motoristas traçavam as próprias rotas entre os galpões em vias de mão dupla. Com a mudança, criou-se um anel com sentido único no entorno do pátio de 700 000 metros quadrados: em alguns dias, são necessárias quase duas horas para percorrê-lo. “Primeiro nos prendem aqui por mais tempo e depois passam a cobrar pela nossa permanência”, reclama o caminhoneiro Sérgio Valle.

Ceagesp
Ceagesp ()

Com a suspensão definitiva na semana passada do polêmico pedágio, os responsáveis pela Ceagesp tiveram de encontrar outra fonte de receita para cobrir os custos do contrato com a C3V. O jeito foi atacar o bolso dos clientes que frequentam as feiras de flores e de hortifrutigranjeiros do entreposto. No fim do dia em que ocorreu o quebra-quebra da semana passada, os executivos do local resolveram subir de 4 para 6 reais a hora cobrada no estacionamento de 1 500 vagas reservado a esse público. A diária (permanência por doze horas) elevou-se de 15 para 50 reais — um reajuste de 230%. Essas medidas provocaram uma nova onda de desconforto. Há o receio de que elas afugentem o consumidor varejista, que representa 10% do total do volume de comércio, estimado em 3,3 mi lhões de toneladas de alimentos por ano (o equivalente a uma receita de cerca de 6,8 bilhões de reais). “Além de pagarem o estacionamento, esses clientes terão de parar o carro mais longe e desembolsar até 30 reais para os carregadores. Não compensará, e perderemos público”, afirma Batista, do Sincaesp.

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Os problemas de mobilidade não são os únicos enfrentados pela Ceagesp. Com praticamente a mesma estrutura desde sua inauguração, em 1969, as instalações que hoje recebem 1,5 milhão de pessoas e 300 000 veículos por mês degradam-se com a falta de manutenção. Em 1997, a companhia passou das mãos do governo estadual para o federal e entrou no Plano Nacional de Desestatização. A transferência, porém, seria con-cluí-da apenas em janeiro de 2013. Durante esses quinze anos, o entreposto não recebeu investimentos públicos nem privados. Teve de se manter à custa do aluguel pago pelos lojistas, que rende cerca de 8 milhões de reais mensais, valor insuficiente para a modernização da área. Os comerciantes contribuem com a contratação de equipes de limpeza, segurança e serviços de portaria, e para a administração e a conservação dos prédios. “A marquise em frente à minha doca teve infiltrações e estava prestes a cair. Mesmo pagando quase 500 reais todo mês, banquei o conserto do meu bolso”, conta Carina Fortes, que tem uma banca de laranjas de 115 metros quadrados. “Se quiser tudo funcionando, preciso gastar duas vezes”, completa.

Aderlete Maçaira
Aderlete Maçaira ()

A morosidade na gestão atrasa até obras pagas por terceiros. Ameaçado de interdição pela Subprefeitura da Lapa em 2010, o pavilhão Mercado Livre do Produtor recebeu 12 milhões de reais repassados pelo Ministério da Agricultura. A reforma emergencial deveria ter sido encerrada um ano atrás, mas ainda está pela metade. Os gestores admitem a dificuldade de manter o salário dos operários em dia. “Nosso equilíbrio financeiro é complicado, demoramos até 100 dias para conseguir pagar um fornecedor”, diz o presidente da companhia, Mário Maurici. “Balançamos entre uma greve e outra.” A inadimplência reflete-se na qualidade do trabalho. “Quando chove, ficamos sem telefone e sai água pelas lâmpadas”, diz a vendedora de verduras Aderlete Maçaira, referindo-se a um setor que, teoricamente, já teria sido reformado.

 

Nem as 320 novas câmeras, que custaram 7 000 reais cada uma, funcionam direito: não gravaram funcionários da própria C3V furtando três pés de alface no boxe de Aderlete no fim de fevereiro. A ação dos gatunos só foi flagrada graças ao conjunto de oito câmeras que a comerciante havia instalado ali por contra própria. “É inadmissível, vamos apurar o que ocorreu”, comenta Meira, da C3V. “Nossos equipamentos dependem ainda de ajustes para que possam funcionar 100%.”

Presidente-Mario-Maurici
Presidente-Mario-Maurici ()

Como toda estatal federal, a cúpula de gestão da Ceagesp é formada por meio de indicações políticas. “Fui designado por meu partido, o PT, para este cargo de presidente”, admite Maurici. Entre os boxes de hortaliças dos armazéns, comenta-se abertamente que a companhia está sob a esfera de influência de João Paulo Cunha (PT), deputado condenado no esquema do mensalão, e do ministro da Secretaria-Ge-ral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Esse último assume a amizade com Maurici, mas nega participação em sua nomeação. Até um sobrinho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem lugar na folha de pagamento: Edison Ignácio da Silva ocupa o cargo de gerente do Departamento de Entreposto da Capital (Depec). Ele é o responsável pela gestão dos contratos dos prestadores de serviço (limpeza, segurança, manutenção etc.), com salário de 16 442 reais e direito a uma secretária. Em horários diferentes, a reportagem de VEJA SÃO PAULO tentou localizá-lo no escritório da Ceagesp por três dias consecutivos na semana passada, sem sucesso. Sua funcionária informou que Silva estava em reunião externa nessas ocasiões. Ele não respondeu aos pedidos de entrevista. Com a condição de não serem identificados, outros diretores confirmam que flagrá-lo no local de trabalho é tão difícil quanto encontrar uma cabeça de bacalhau.

Edison Ignácio
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