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Cinema de bairro

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 12h04 - Publicado em 12 set 2015, 00h00

Recebo o recado da Roseli, minha cozinheira, durante o jogo, via WhatsApp, ou, como ela gosta de chamar o aplicativo, Zap Zap. Pergunta ela se pode folgar amanhã. São 10 e pouco da noite. Estou um pouco desorientado diante do uniforme laranja do Corinthians. É muita informação ao mesmo tempo. A funcionária arruma a casa também. E lava a roupa. Se ela não vier, tudo vai permanecer bagunçado. Administrar um lar no Brasil é um desafio novo para mim. É preciso ter comida, roupas lavadas, uma série de coisas. Há momentos em que minha vida parece se desenrolar dentro de um seriado de televisão. É uma comédia, diga-se, que lembra em alguns momentos o Two and a Half Men, aquelas temporadas com Charlie Sheen no papel principal, menos a sua movimentada vida amorosa. O personagem, que também se chama Charlie, enfrenta o cotidiano ao lado do irmão, de um sobrinho e de sua faxineira, Berta. Lá em casa sou eu, meu filho e a Roseli.

(Nota do futuro para mim mesmo: todos enviam recados com a ajuda de pequenos computadores que carregam por toda parte. E o uniforme do Corinthians é laranja. Não se assuste, é só para algumas partidas especiais, parece.)

Estava na hora da partida do Timão e acabara eu de chegar do cinema, onde assistira a um filme brasileiro bonito e bom. Isso na minha opinião. Não sou nenhum crítico de cinema. Que Horas Ela Volta?, dirigido por Anna Muylaert, traz Regina Casé no papel da empregada Val. Fiquei empolgado e comovido com a história, ambientada em São Paulo. A mulher deixou a filha, Jéssica, no Nordeste para vir para cá trabalhar. O longa atinge um nervo da cultura brasileira ao contar uma história do ponto de vista da doméstica. Mostra a tensão entre os valores hierárquicos do nosso passado ibérico e a igualdade republicana e pós-moderna que buscamos hoje. Consegue falar da classe média sem ser chato, sempre por meio dos acontecimentos.

Fiquei encantado com a sala de cinema também. É aquela antiga da Rua Fradique Coutinho, no coração de Pinheiros, quase na esquina com a Teodoro Sampaio. Foi reformada pelo ex-jogador de futebol Raí, em parceria com alguns sócios, e rebatizada de Cinesala. Faz um tempinho já, eu sei. Mas eu ainda não havia ido lá. Ficou simpática demais, com um ar retrô- hipster de cinema de arte. Lotou de gente ali nas mesas da entrada, que dão para a calçada. Criou-se uma pequena muvuca antes e depois de o filme começar, com gente de todo tipo conversando, uma festa. Nesse dia era exibido também o filme novo de Woody Allen, Homem Irracional.

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Saí de lá entusiasmado com uma película capaz de falar de uma das contradições mais sensíveis da cultura brasileira. Acho que todo mundo deveria vê-la. É quase argentino de bom, eu disse para minha filha. Ela me chamou de exagerado, mas sem tê-lo visto. Acho que consegui despertar seu interesse, com meu adjetivo provocativo.

Que Horas Ela Volta? ainda estava na minha cabeça quando recebi o recado da Roseli. Não hesitei em autorizar a folga. Aproveitei para lhe perguntar o que estava achando do uniforme laranja do Corinthians. Ela não tardou em responder, por Zap Zap mesmo: “É lindo”.

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