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Chiques & horrorosos

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h09 - Publicado em 25 set 2009, 13h41

É incrível o número de pessoas que disfarçam a própria origem. Já conheci um antiquário que vivia matando cachorro a grito. Mas afirmava:

– Meu avô era fazendeiro, riquíssimo. Vovó só usava porcelana francesa.

Segundo dizia, sua família imperou na elite paulistana. Por essas voltas da vida, encontrei um de seus amigos de infância, professor universitário. Conversa vai, conversa vem, abriu o jogo:

– Aristocrata, que nada! A avó dele tinha uma barraca na feira!

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Uma garota italiana, Giulia, falava muito sobre seus avós, marqueses. O castelo da família pertencia a um primo, que a hospedava na Itália. Eu observava suas mãos finas, os dedos longos, a pele branca, os cabelos pretos. Que jeito de princesa! Eternamente desempregada, é verdade. Vivia dando facadas, mas quem se recusa a emprestar dinheiro a uma nobre de sangue azul? Até que um amigo avisou:

– A Giulia e a mãe estão sendo despejadas!

Corri a oferecer apoio moral, pois financeiro estava difícil. As aristocratas moravam em um quarto e sala e, dos tempos principescos, nada parecia ter restado. Com aparência antiga, só umas xícaras rachadas. Finalmente, mudaram-se da cidade. Mais tarde descobri, por meio de uma amiga comum:

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– Ela não é nobre coisa nenhuma. A família é de imigrantes, veio colher café.

Mas, se fosse princesa, faria diferença?

Um companheiro de trabalho garantia:

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– Meus avós fugiram da Polônia durante a última guerra. Juntaram as joias e a prataria em um lençol e esconderam em um poço. Qualquer hora volto para pegar.

Eu queria ver a cena: um brasileiro pulando dentro de um poço num castelo na Polônia, em pleno século XXI!

Medito: qual o valor de ter pertencido a uma elite social ou econômica? No caso dos brasileiros, por exemplo: os barões do passado usavam trabalho escravo! É bonito? Há os que não pensam em títulos. Preferem descender de milionários que perderam tudo.

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– Meu bisavô era dono de banco! – conta uma.

– Meu pai teve uma companhia aérea, mas… – diz outra.

Ancestral falido é vantagem? Ao visitar um casal, certa vez, passei horas admirando o álbum de fotos do marido, repleto de mulheres cobertas de joias em vestido de gala e homens de smoking. Surpreendi-me. Mais tarde, a esposa me confessou:

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– Ele compra fotos antigas para dizer que são da família dele! É de origem pobre, mas não gosta que saibam!

É impressionante! Alguém se acha melhor ao dizer que pertence a uma família aristocrática ou milionária? Eu sou o contrário: tenho orgulho em contar sobre meu pai ferroviário. Minha mãe, pequena comerciante. Meus avós espanhóis vieram trabalhar na lavoura. São tão admiráveis quanto príncipes e princesas! Lutaram bravamente, criaram seus filhos, enfrentaram a vida! Eu sou fruto do que eles foram!

O máximo é quando, por falta de aristocratas nesta vida, a pessoa tenta ser chique em uma outra encarnação. Conheci umas dez mulheres que garantem ter sido Maria Antonieta em uma vida anterior. Umas vinte Nefertites. E por aí vai… Tenho o mais profundo respeito pelo espiritismo. Esse tipo de afirmação leviana dá uma ideia errada da doutrina, rebatida pelos kardecistas sérios.

Ao contrário do que muitos pensam, não acredito que a elegância nasce com a pessoa. É algo que se aprende. Certa vez assisti ao neto de um príncipe agir de forma horrorosa. Pessoas simples às vezes dão aulas de boas maneiras. Tudo é uma questão de jeito de ser. Ninguém é chique sem saber quem foi, quem é e para onde vai.

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