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Carta para NY

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h06 - Publicado em 3 nov 2009, 11h50

Queridíssima:

Obrigado pelas revistas. Pude ver fotos do Michael Jackson que não conhecia, material diferente do que a televisão mostrou nos últimos dias. Apareceu uma pessoa por trás do “rei do pop”.

A televisão, pela própria linguagem dela, ficou muito presa ao show, ao mito, ao clipe, à dança, ao canto, ao brilho, à energia explodindo para fora do artista e aos fatos jornalísticos.

Já as fotografias, raras porque descoladas do show da vida do homem-show, falavam do menino brincando na praia ou batendo bola de basquete, do rapazinho com seu sarará pingando água, de bailinhos, de namoradinha, do rapaz à vontade na grama curtindo o sol e a natureza com o cabelo mal-ajambrado, do homem vestido como qualquer um, malha de lã azul e jeans, dando risada, fotos do pai dando papinha ao filho… fotos sem lantejoulas e sem vidrilhos… fotos em que o olhar procura seu olhar…

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Numa da fotos, não sei se você reparou, Michael Jackson está dançando num bailinho com Tatum O’Neal, e na legenda ele diz que ela foi sua primeira namorada de verdade. Eu não sabia. Imediata-mente me bateu: é mais uma. Sabe quem é ela? Foi uma atriz infantil maravilhosa, extraordinária no filme Lua de Papel. Tinha 9 anos. O filme é de 1973, você nem tinha nascido. Ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante, no primeiro papel dela! Até hoje é a atriz mais nova premiada. Bom, voltando: como o Michael Jackson, a Tatum perdeu a infância ao ficar famosa muito cedo. Depois ele namoricou Brooke Shields, que também ficou famosa quando criança e confessa que perdeu a infância. Tem a amizade apaixonada dele pela Liz Taylor, outra que teve a infância perdida quando fazia os filmes da cachorra Lassie, e pela Liza Minelli, que estreou no cinema aos 2 anos e no teatro aos 7. E tem mais: ele ficou amiguinho do Macaulay Culkin, aquele garotinho terrível do filme Esqueceram de Mim, que também teve a infância roubada pela fama. Ele os procurava ou eles se procuravam? As duas coisas, talvez.

Mudar de assunto.

Semana que vem começa mais um capítulo da destruição do bairro de Perdizes pela prefeitura. Centenas de ônibus fretados que vêm do interior vão ser desviados para a Avenida Sumaré e subir até a estação do metrô.

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Eu me encontrei ontem com aquele senhor Antônio – lembra dele? Aquele que gosta de contar que nasceu em Perdizes, na Rua Bartira. Inteirão, 83 anos. Estava arrasado, olhando a demolição de oito casas de uma vez, na Rua Caetés, pertinho da avenida. Ouviu dizer que no lugar vai subir um espigão tomando quase toda a quadra, “mais de 100 metros de altura, já imaginou?”, afirmava ele, juntando os dedos das duas mãos, no estilo italiano. “Isto aqui é um vale, era um lugar cheio de campos de várzea, daqui até o Palmeiras”, dizia. “Meu pai caçava perdiz aqui, antes das casas e dos campos de futebol. Meus amigos todos jogavam bola aqui, a bola caía no rio, a gente ia lá pegar. Era o Córrego da Água Branca. Nas chuvas de março alagava tudo isto aqui. Depois veio a avenida, foi bom para a cidade, mas ruim para a gente, acabou com quase tudo. Com o tempo ficou bonita, não ficou? Muito bonita. O vale, as árvores, o canteiro no meio, as casas subindo a colina… Civilizado… Olha agora! Olha os prédios altos avançando para dentro do vale. Estão estragando a paisagem! A paisagem não é deles, é nossa, é da cidade! É preciso tombar a avenida, antes que acabem com ela. Aqui debaixo é areia (ele pisava, enérgico), barro, um perigo.”

O velho Antônio se desculpou por me parar no meio da rua e finalizou: “Parece que lá na prefeitura tem uma turminha que fica percorrendo a cidade e depois diz para os outros, esfregando as mãos: ‘Descobri um lugar legal para a gente arrebentar!’”.

Parece mesmo.

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Beijos, queridíssima.

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