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Carta para NY

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h06 - Publicado em 3 nov 2009, 11h55

Queridíssima:

Aqui estão prendendo banqueiros. Antes só iam presos os banqueiros do jogo do bicho. Comenta-se que é um avanço. Seria avanço de verdade se não houvesse banqueiros do tipo que vai para a cadeia, não acha?

Aqui, como aí, é tempo de eleições. E de pesquisas eleitorais. Para os institutos que as fazem, eleição é como o Natal para os lojistas: época de bons negócios.

Uma coisa me intriga na divulgação das pesquisas: a expressão “tecnicamente em–patados, considerando a margem de erro de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos”. Ora, pergunto, imerso na minha ignorância estatística: só haverá essa hipótese? Só se considera que o candidato que tem 3 pontos a menos possa na verdade ter 3 a mais e o que tem 3 a mais possa ter 3 a menos. E se fosse o contrário? A diferença ficaria muito maior, 6 pontos a mais. Há outras hipóteses. Que os dois tenham igualmente 1, 2 ou 3 pontos a mais, ou 1, 2 ou 3 pontos a menos, mantendo-se estável a diferença (já são mais seis hi–póteses); ou que cada um tenha diferentemente do outro 1, 2 ou 3 pontos a mais ou a menos (e aí seriam mais não sei quantas hipóteses); e as hipóteses se multiplicariam se fossem considerados dois ou três candidatos que vêm logo abaixo. Os jornais deveriam dizer é que o “empate técnico” é uma das “X” possibilidades da pesquisa. Não é?

Vocês leram aí a edição de VEJA sobre os progressos do Brasil? Leiam e comecem a planejar a volta. Até daqui a uns cinco anos ainda dá para pegar bons lugares no trem.

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As oportunidades estão aumentando, mas ainda tem muito pobre, muito. E isso gera violência. Nas favelas, quando morre alguém, não se pergunta mais “de quê?”, pergunta-se “quem matou?”. Professores e políticos discutem nos jornais sobre a pobreza e a violência, uns dizem que explicar os problemas do mundo pelo conflito entre ricos e pobres é equívoco herdado do século XIX, via Marx e outros. Mas como esquecer que existem ricos e pobres? Rico não perde tudo o que tem nas enchentes. Não morre em acidente de ônibus. Não passa a noite nas filas do INSS e do SUS. Não ocupa prédios abandonados. Não vai para a Fundação Casa. Não morre em chacinas.

Mudando de assunto: seus sobrinhos estão naquela fase de recusar comida. Quando é que os pirralhos começam a gostar de comida? E a não gostar? Uns gostam e depois não gostam mais. Não gostar de carne, feijão, jiló, fruta começa quando? Tem bebê que não gosta do leite materno antes de provar outros leites? A pessoinha não come legumes por ter experimentado batata frita? Por que o cavalo ou o cabrito não são assim, não param de comer capim quando conhecem milho? Quando você sai da condição de comer por ter fome e entra na condição de escolher comida, você passa a ser comandado pelo paladar, não pelas necessidades. Uns mais restritos, outros mais abertos. É difícil encontrar gente que não gosta de chocolate, mas existe. O paladar está ligado à aparência, ao cheiro, mas tem gente que adora gororoba, sarapatel, buchada, escargot, grilo assado, formiga frita, testículos de galo, de cabrito, de boi… Enfim, esses meninos precisam deixar de luxos.

E a nossa Helena, como vai, no seu aconchego uterino? Estou me preparando para ter uma neta americana. Morando longe, difícil de ver, de acompanhar, visitas escassas. O ultra-som via internet me mostra a criaturinha. É diferente de estar ao lado, mas é sempre uma revelação emocionante, milagre moderno. O bebê que vejo em foto na minha mesa de trabalho é você, a mãe, e as duas imagens, a do computador e a da mesa, me remetem a esse elo de valores, histórias, hábitos e afetos que é a família. O fato de crescer longe fará da pequena Helena um pouco menos continuação e um pouco mais inauguração? Olhe, essas não são inquietações, são ternas preparações para o evento novo de uma neta americana.

Beijos.

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