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Carta a Papai Noel

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Querido senhor. Desculpe a cerimônia do tratamento. Pretendia ser respeitoso com um mais velho, afetivo sem passar dos limites, próximo sem invadir. Não deu muito certo. Vacilei na fórmula: “querido” não combina muito com “senhor”. O usual é “caro senhor”, mas ficaria pior, formal e frio. Como não lhe tenho escrito há muitos anos, devo ter perdido a mão. Deixo assim mesmo, porque são palavras adequadas, embora não andem juntas por aí. “Querido” quer dizer o que diz e “senhor” exprime o meu respeito.

Diz uma canção de Natal que o senhor sabe quem tem sido mau ou bom, o que significa que atende ou não aos pedidos segundo o merecimento de cada um. Modestamente, tenho sido um bom cidadão. Pago meus impostos. Não falo palavrão. Procuro ser gentil na porta do elevador. Cumprimento os vizinhos. Telefono pouco para os amigos, mas não quer dizer que não pense neles ou que não me preocupe. Não buzino para outros motoristas, prefiro ceder a passagem. Não cuspo no chão. Trato bem os animais. Trabalho. Cumpro prazos. Dos sete pecados, só escorrego em dois, e é lá de vez em quando. Bebo pouco, não fumo e não cheiro. Escovo meus dentes após as refeições. Não desperdiço água. Não pago propina. Não jogo lixo nas ruas. Como de boca fechada.

Julgo-me, então, merecedor.

O motivo pelo qual não tenho escrito é simples. Aliás, são dois: havia gente mais precisada do que eu e não gosto de incomodar. Agora, porém, o meu precisar empata com o de muita gente e até hoje não havia chegado ao grau de necessidade a que chegou. Necessidade ou impaciência, não sei.

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Desculpe mais esta: a pretensão de pedir por muitos. Não são brinquedos e jogos, que isso fique para as crianças. Elas ainda não sentem essa falta difusa que nos incomoda.

Assim, com mais uma desculpa pela demorada introdução, passo aos pedidos.

1) Queria de novo acreditar na política. A gente achava que política era um meio de elevar pessoas a uma posição de poder melhorar as coisas feitas, de fazer novas e boas coisas, pessoas que sentissem as necessidades maiores e encontrassem uma solução; achava que a política era a divergência entre um caminho e outro para resolver, mas que afinal os escolhidos quisessem consertar o errado. Podiam até não resolver, mas aí se procurava outro caminho. A política era uma coisa otimista, havia ideais, acreditava-se! Havia um Brasil e o sonho de que ele se arrumasse, bom para todos. O que os autoritários, os neoliberais e os populares fizeram foi disseminar a desilusão, a discórdia, a maledicência, a desconfiança e a desesperança.

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2) Queria de volta o gosto de ser brasileiro. Na Europa, ainda dá. A gente fala que é brasileiro e se abrem sorrisos, braços. Aqui, entre a gente, é que está difícil. Os fracassos por desistência, roubalheira, incompetência, desorganização, corporativismo, displicência, desinformação foram jogando nossa estima lá para baixo. O jeito como as cidades crescem e se complicam, como os poderes se chocam, como os recursos se escoam, como a esmola se impõe, como os da máquina oficial se aproveitam há décadas sem arrumar a saúde, o saneamento, os transportes, a segurança, os impostos, o crescimento, a aplicação da justiça… – nem do futebol e do tráfego aéreo sabemos cuidar! – nos tornou brasileiros envergonhados.

3) Queria a volta do respeito. É uma palavra muito ampla, talvez seja o que vai dar mais trabalho, porque resulta de crueldade, grosseria, esperteza, preguiça, descaso. Respeito à vida. Piedade – coisa antiga, não? Muitos devem nessa parte: bandidos, hospitais, autoridades, motoristas. Falta respeito à palavra, ao compromisso, ao eleitor, aos direitos, às leis, ao cidadão, à natureza, ao país.

Desculpe mais uma vez, querido senhor, pela trabalheira.

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