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Igreja Mundial do Poder de Deus, o templo do caos

Evento para 450.000 pessoas em Guarulhos trava uma das mais importantes rodovias do país e tumultua a vida de milhares de cidadãos

Por Claudia Jordão
Atualizado em 5 dez 2016, 17h29 - Publicado em 6 jan 2012, 18h31

A rápida multiplicação de templos é um dos grandes milagres das igrejas evangélicas. Existem hoje na capital mais de 3.500 desses locais de pregação, considerando apenas as cinco principais facções (Assembleia de Deus, Igreja Mundial, Universal do Reino de Deus, Renascer e Deus É Amor). Nesse circuito, há desde espaços modestos adaptados em garagens comerciais até megatemplos com capacidade para milhares de frequentadores. Quanto maior a igreja, maior a dor de cabeça para a vizinhança. O fluxo enorme de gente costuma provocar tumulto nas ruas, sufoco no trânsito e muito barulho. Mas o verdadeiro potencial dos problemas que determinadas seitas religiosas podem causar à vida na região metropolitana só pôde ser conhecido realmente no dia 1º, com a inauguração de uma sede da Igreja Mundial do Poder de Deus no município de Guarulhos.

+ Megatemplos: o que vem por aí

O evento começou às 9 horas e se estendeu até o fim da tarde, com uma sucessão de três cultos que atraíram um público estimado em 450.000 pessoas, o equivalente a dez vezes a lotação máxima de um estádio de futebol como o do Pacaembu. A certa altura do dia, o apóstolo Valdemiro Santiago, fundador da Mundial, de microfone em punho, comemorou a façanha no palco. “Conseguimos parar a Dutra, olha o sucesso!”, dizia ele. Para desespero das pessoas que passavam pela estrada, voltando para a capital depois do feriado de fim de ano, tentando chegar ao Aeroporto de Cumbica ou viajando rumo ao Rio de Janeiro, não havia nenhum exagero nas palavras do pastor. A rodovia registrou congestionamento de 8 quilômetros no sentido Rio-São Paulo e de 5 quilômetros no outro lado da pista. Ela simplesmente travou.

O templo da Mundial, localizado a cerca de 500 metros de distância, estava no epicentro da confusão. Dirigiram-se até lá pelo menos 3.000 ônibus, carregando o rebanho de fiéis vindos de todos os cantos do Brasil e de alguns outros países, como Angola. Sem lugar suficiente para estacionar nas imediações, os motoristas começaram a ocupar os acostamentos da Dutra e até uma faixa de rolamento no sentido Rio-São Paulo, um absurdo inacreditável. “Foi um caos”, diz Marcos Brunelli, gestor de atendimento da CCR, a concessionária que administra a estrada. “Tinha motorista que, após desembarcar os passageiros, fechava o ônibus e ia embora. Outros abriam a porta e liberavam multidões no meio dos carros.” Na confusão, houve gente que, com medo de perder o voo, foi a pé para o aeroporto, carregando as malas na mão. Tripulantes de companhias aéreas ficaram retidos, atrasando decolagens.

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As rodoviárias de Guarulhos e São Paulo também sofreram. Motoristas e carros da Viação Itapemirim, cujo alojamento e garagem ficam ao lado do templo, permaneceram ilhados. Houve atrasos de até seis horas nas viagens. “Estamos indignados e não vamos deixar a história passar em branco”, afirma Luciana Rocha, inspetora da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que deve pedir ao Ministério Público, nos próximos dias, a interdição do templo.

O tumulto foi provocado por uma informação errada fornecida por representantes da Mundial. Numa reunião realizada no fim de dezembro para organizar o esquema de trânsito e de logística da inauguração, eles disseram a representantes da prefeitura de Guarulhos e da PRF que esperavam um público de 30.000 a 100.000 pessoas. “Na hora dos cultos, acabamos sendo surpreendidos pela multidão”, diz Luciana Rocha. Um dia após a confusão, a igreja se desculpou pelo ocorrido, mas não explicou com clareza por que teve a atitude irresponsável de subestimar o tamanho da massa esperada.

“Sabíamos que viria muito mais gente”, admitiu o bispo Josivaldo Batista, membro da cúpula da Mundial. “O lugar tem capacidade para 150.000 pessoas, e iríamos realizar três cultos durante o dia. É só fazer as contas”, completa ele, insinuando que as autoridades teriam sido coniventes com um grande jogo de cena para garantir rapidamente o alvará provisório de funcionamento do local por noventa dias. Nessa hipótese, a prefeitura de Guarulhos dividiria também a conta da irresponsabilidade pelo pandemônio.

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Como os evangélicos representam hoje um eleitorado importante para os políticos, muitos destes se mostram reticentes na hora de contrariar os interesses desses grupos religiosos. No dia dos cultos da Mundial, por exemplo, o prefeito de Guarulhos, Sebastião Almeida, do PT, entregou simbolicamente o alvará de funcionamento do templo embrulhado num papel de presente ao apóstolo Valdemiro, ignorando a confusão que se formava do lado de fora. O governador Geraldo Alckmin, do PSDB, que também marcou presença na festa, elogiou-a no dia seguinte, via Twitter: “Parabéns pela Cidade Mundial, belo evento da igreja”.

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O novo templo fica num terreno onde funcionava uma transportadora da Itapemirim. Os adeptos souberam do acontecimento pelos pastores de suas congregações. Também foram informados através de repetitivas inserções comerciais em programas da Mundial na Rede 21 e na rádio 98,1 FM. No domingo da celebração, alheios ao caos na Dutra, os presentes vibravam com as bênçãos de seu líder religioso, faziam pedidos, davam testemunhos de supostos milagres e, como é costume nas igrejas evangélicas, entregavam o dízimo. Considerando uma média de arrecadação conservadora (10 reais por pessoa), na ocasião, a Mundial teria amealhado 4,5 milhões de reais. Faltou muito pouco para toda essa euforia não terminar numa tragédia ainda maior. Moradores vizinhos ao templo ouviram gritos de socorro vindos de lá. “Eram cadeirantes, idosos e crianças que se sentiam mal e desmaiavam”, contou o estudante Pedro Dias.

Criada em 1998 por Valdemiro Santiago, nascido em Minas Gerais, a igreja faz promessas de cura e é a facção evangélica que mais cresce no momento. Ela tem 1.400 templos no Brasil e no exterior, reunindo um total estimado de 4,5 milhões de seguidores. Somente na capital, a Mundial possui 272 espaços para cultos. Nos próximos anos, devem surgir por aqui outros megatemplos, o maior dos quais — o do católico carismático Marcelo Rossi — com capacidade para 100.000 pessoas. A liberdade de fé deve ser respeitada, mas não pode servir para tumultuar e pôr em risco a vida de pessoas, como ocorreu em Guarulhos.

UM NOVO FENÔMENO

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Graças ao carisma do apóstolo Valdemiro Santiago, às promessas de cura e ao aparato de comunicação, a Mundial é uma das que mais crescem entre as evangélicas*

4,5 milhões de fiéis — Total do rebanho que segue a igreja

1.400 — Quantidade de templos localizados no Brasil e no exterior

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272 — Espaços para culto na cidade de São Paulo

240.000 metros quadrados — Área do novo endereço, em Guarulhos

22 horas — Tempo diário de transmissão de cerimônias na Rede 21, que pertence ao grupo Bandeirantes

*Fonte: Igreja Mundial do Poder de Deus

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