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Jovens bombam na internet e viram best-sellers das livrarias

Ao tratarem questões pessoais com humor e pitadas de autoajuda, garotos das redes sociais se tornam fenômenos editoriais

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 1 jun 2017, 17h00 - Publicado em 14 mar 2015, 00h00

O tagarela Christian Figueiredo emudeceu ao ver mais ou menos 1 000 seguidores virtuais materializar-se em uma fila de adolescentes animados. A turma extrapolava os limites da Livraria Cultura, estendia-se pela Alameda Santos, pela Rua Padre João Manuel e só acabava na Avenida Paulista. “Sabia que me comunicava com um público considerável, mas não tinha ideia do tamanho real dele ou da cara dessas pessoas”, lembra o rapaz de 20 anos, detentor de mais de 4 milhões de fãs em suas redes sociais. Era noite de 11 de fevereiro, dia do lançamento de seu primeiro livro, Eu Fico Loko. As 160 páginas cheias de fotos e ilustrações receberam o mesmo título de seu vlog (videoblog, espécie de diário no mundo virtual) no YouTube, com quase 2 milhões de inscritos acumulados desde a estreia, em junho de 2010. Os textos narram a adolescência, descrita pelo garoto como uma fase “duuuura” (dita assim mesmo, cheia de vogais e caretas), com situações marcantes e constrangedoras, como amores platônicos, o complexo de magreza e o início da vida sexual. “Lembro quando tentei colocar, na primeira tentativa — sim, foram várias tentativas— a camisinha entrou e pulou para fora”, conta o autor em um dos capítulos.

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Com suas caras e bocas viralizadas nas principais redes sociais, Chris chamava atenção na rede como um novo porta-voz teen. Agora, experimenta o gostinho do sucesso fora da internet. Durante as quase quatro horas da noite de autógrafos no evento da Cultura, meninas gritaram, meninos se descabelaram e os executivos da editora Novo Conceito vibraram com a venda dos aproximadamente 1 000 exemplares, que saíram em uma só tacada. Na semana de estreia, o livro do vlogueiro foi o principal best-seller do país, segundo ranking do PublishNews, boletim informativo do setor. “É um feito inédito para um autor jovem”, diz Cassia Carrenho, gerente do veículo.

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Até agora, Eu Fico Loko vendeu mais de 70 000 exemplares. Acima desse patamar, aparecem apenas blockbusters do porte do romance erótico Cinquenta Tons de Cinza e de Nada a Perder 3, de Edir Macedo, da Igreja Universal. Chris é o exemplo mais bem-sucedido do momento de um novo fenômeno editorial: os autores jovens que nasceram no mundo on-line. A seu favor, contam coma vantagem de abordar um universo com forte apelo comercial. Segundo dados da Nielsen, empresa de pesquisa de mercado, títulos do gênero infantil, juvenil e educacional representam atualmente 30% das vendas totais de livros no país, a maior fatia entre todas as categorias. Trata-se de um negócio que movimenta mais de 1 bilhão de reais no Brasil por ano. Outro fator que facilita a onda é que essa nova safra de escritores já traz um público cativo nos lançamentos. Além de Chris, destacam-se na leva nomes como a blogueira Isabela Freitas, mineira de Juiz de Fora, 24 anos e 300 000 cópias vendidas de seu primeiro título, Não Se Apega, Não. Lançada no ano passado pela editora Intrínseca, a obra revela como e por que a escritora dispensou seu “namorado dos sonhos”.

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Casos assim estão gerando uma corrida nas editoras em busca de outros valores. “A internet virou porta de entrada para os estreantes. Ficamos de olho nessa produção e nas curtidas que esses autores recebem nas redes sociais”, diz Alessandra Ruiz, publisher da editora Gutenberg, uma das que investem no filão. Desde o fim de 2012, a empresa introduziu no mercado off-line quatro blogueiros. A Paralela, selo popular da Companhia das Letras, tem planos de lançar neste ano o primeiro título da blogueira “desbocada” Kéfera Buchmann (22 anos e quase 3 milhões de fãs no Facebook) e de Vic Ceridono, 28 anos, com 78 000 inscritos em seu canal do YouTube especializado em maquiagem. “Essa turma disputa espaço com gigantes como Rick Riordan (da saga Percy Jackson) e clássicos como O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry”, afirma Ismael Sousa, coordenador da Nielsen.

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A migração de autores da internet parao papel começou com Bruna Vieira, de 20 anos. No fim de 2012, ela lançou Depois dos Quinze, pela editora Gutenberg, com mesmo nome e proposta de sua página na internet, que tem média de 1,5 milhão de acessos mensais. Em textos simples, mas com personalidade, ela falava sobre sua timidez, complexos e o bullying sofrido por ser tímida, gordinha e estrábica. Depois, lançou outros três títulos: A Menina que Colecionava Borboletas (espécie de continuação de Depois dos Quinze), além dos romances De Volta aos Quinze e De Volta aos Sonhos. Nascida em Leopoldina, no interior de MinasGerais, ela se mudou para o bairro do Ipiranga,em São Paulo, aos 17 anos para participar de eventos e campanhas publicitárias, e chega a faturar hoje cerca de 60 000 reais por mês, entre direitos autorais e publicidade na internet. No fim do ano passado, seus pais (Mauro, serralheiro, e Luzia, secretária), além do irmão (Mauro, programador, de 23 anos), largaram seu cotidiano e emprego em Minas e se mudaram para Atibaia, para trabalhar com a caçula. “Comecei meu blog como um diário, um desabafo, porque fui esnobada por um garoto. No fim, a internet me deu autoestima e uma profissão”, diz. De quebra, o rapaz ainda lhe pediu desculpa. Neste ano, Bruna lançará dois livros. Um deles será uma revista em quadrinhos. Com o projeto, a jovem pretende virar boneca e faturar ainda mais com produtos licenciados em 2015. O outro plano envolve uma seleção de crônicas junto com dois pesos-pesados de romances juvenis,Thalita Rebouças e Paula Pimenta. “São minhas maiores referências, ao lado de Martha Medeiros e Meg Cabot (de O Diário da Princesa, que virou filme com Anne Hathaway).”

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Os ídolos de Bruna apontam o caminho dos jovens best-sellers. Eles são doces,românticos, politicamente corretos e bem-humorados. A rebeldia típica da fase só aparece em um ou outro palavrão. Todos apresentam o sentimento como tema principal de suas obras: a dificuldade de se entrosar com a turma, de acertar no amor e as rusgas com a família. Um exemplo é Fred Elboni, de 24 anos, autor do blog Entenda os Homens, com 5 milhões de acessos mensais, além dos livros Um Sorriso ou Dois e Meu Universo Particular, lançado neste mês. Em seus textos, aborda tabus, como sexo no primeiro encontro, e faz alguns desabafos, como a saudade do pai, o publicitário Fábio Elboni, que morreu de câncer no estômago quando o jovem tinha 14 anos. “Minha mãe, que era divorciada, vivia dizendo para eu ligar mais para ele”, lembra Fred. “Eu acabava sempre deixando para depois. Poderia ter curtido mais a companhiado meu pai. Hoje falo aos meus leitores para aproveitarem melhor os momentos com as pessoas queridas.”

Além da temática de dramas e encanações adolescentes, os autores têm outros pontos em comum. Por viverem grudados no celular (“é um membro do meu corpo”, define Bruna Vieira), trabalham praticamente todos os dias. Postam de segunda a segunda nas redes sociais e usam como trilha sonora de seus vídeos as canções pop que ouvem, de Aerosmith a Katy Perry. Na maioria dos casos, o próprio quarto faz as vezes de cenário. “É uma delícia porque raramente pegamos trânsito e as reuniões acontecem por WhatsApp”, diz Jessica Grecco. Ela e a amiga Ariane Freitas são donas da página do Facebook Indiretas do Bem, com mensagens positivas, e lançaram a primeira obra, O Livro do Bem, em novembro passado. Em maio, colocarão no mercado a segunda, tendo como alvo o Dia dos Namorados. “Nossa única pretensão ao abrir a página no Face era apaziguar um grupo de amigos que se engalfinhava na timeline”, diz Jessica. No início de 2013, as garotas transformaram o hobby em um negócio e planejam aumentar o número de objetos licenciados. A linha atual tem artigos como canecas, almofadas e quadros. Elas querem incrementar o portfólio com uma linha de camisetas. “Nossos projetos são sempre de curto prazo, no tempo da internet, para não virarem algo obsoleto”, explica Ariane.

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Manter-se no mercado é uma grande preocupação dessa nova turma. “A permanência deles nas primeiras posições não apresenta a mesma longevidade de outros best-sellers”, observa Ismael Sousa, coordenador da Nielsen. O bom desempenho das vendas depende da presença dos autores nas livrarias. “Os garotos estão mais para ídolos do que para escritores. O público vai aos eventos para ver a personalidade de perto e conseguir uma selfie”, analisa Cassia Carrenho, do PublishNews. Ricardo Azevedo, premiado autor infantojuvenil com maisde cinquenta obras em catálogo, olha o movimento com certa desconfiança.“Comemoro a diversidade de autores, mas me incomoda tratar uma obra de literatura como sabão em pó. Livro é cultura, não produto”, critica. Os escritores teen sabem que ainda estão em fase de amadurecimento. “Não sou lá um Fernando Sabino, mas eu me orgulho de ser a porta de entrada para novos leitores. Quero crescer no mesmo tempo da minhagalera”, planeja Chris.

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Frederico-Elboni ()

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O autor de O Menino no Espelho inspira o vlogueiro desde a infância. Naquela época, Chris pedia de presente à mãe, Lilian Figueiredo, dona de uma empresa de congelados vegetarianos, cadernos escolares e os transformava em livros caseiros, sempre de suspense ou ação. Na capa dos títulos, como em Os 13 Fantasmas e Assalto Perfeito, já reservava um espaço dedicado ao autógrafo.“Pegava algo para ler, mas abandonava no meio porque vinha uma ideia e queria logo escrever. Ainda sou assim, inquieto, com leitura.” Com o pai, o publicitário e artista plástico Wanderley Caldas, aprendeu a editar vídeos no computador. Aos 17, viu-se sem rumo ao terminar o 3º ano do ensino médio na Escola Waldorf Rudolf Steiner, no Alto da Boa Vista. Tentou um curso técnico de cinema, mas desistiu após um mês.“Achei lento, ritmo de musiquinha de filme argentino, sabe?” Passou três meses praticamente trancado no quarto, só assistindo a seriados, sob o olhar apreensivo dos pais. “Eles não tinham dinheiro, muito menos intenção de sustentar filho ‘vagabundo’.” Seguidor do vlogueiro carioca Felipe Neto, Chris decidiu postar pelo menos dois vídeos semanais em sua conta no YouTube, que andava meio parada desde o fim do colégio. No primeiro mês, teve 400 000 acessos, e o canal depositou1 000 reais em sua conta. “Enquanto Felipe detona ídolos como JustinBieber e a saga Crepúsculo, eu falo do que o adolescente gosta”, afirma.

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Há um ano, Chris alcançou mais de 1 milhão de seguidores e começou a ganhar dinheiro como “gente grande” (uns 30 000 reais por mês, segundo seus cálculos). Na época, saiu do apartamento dos pais. Banca o aluguel de 2 500 reais mensais e investe para comprar um imóvel também em Moema, onde vive e foi criado. Em abril do ano passado, teve a primeira experiência como popstar. Levou a namorada, a estudante Aline Becker, de 18 anos, para ver o filme Noé no Shopping Market Place e passou em frente a um evento da banda teen Fly. Acabou reconhecido e “choveu menina”em torno dele. “O segurança me escoltou até a saída do shopping, quase perdi o filme e meu namoro, mas foi um sinal de que estava no caminho certo.”

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O convite para estrear nas prateleiras veio em agosto do ano passado. Ele foi acompanhar o vlogueiro Rafael Moreira, seu amigo, em uma reunião na editora durante a Bienal do Livro de São Paulo. Chris anunciou o passeio no Twitter e dezenasde fãs apareceram no estande, gritando pelo garoto. “Lançamos os dois amigos, e eles seguem em turnê nacional juntos, mas a tiragem de Eu Fico Loko é bem maior do que a de Diário de um Adolescente Apaixonado”, diz Thiago Mlaker, editor da Novo Conceito. Como sua página no Facebook e no canal do YouTube, as duas nomeadas de Me Apaixonei, a obra traz as impressões de Rafa: um garoto sensível, ex-gordinho, que virou blogueiro-galã da revista CAPRICHO em 2012 e é bem romântico. “Acredito na castidade. Por que vou trocar experiências tão importantes se não for como amor da minha vida?”, prega o rapaz, filho de pastores. Christian e Rafael se conheceram por meio da internet e viraramos melhores amigos. “Não há disputa entre nós. Ele é um sucesso, e ajudo a organizar a fila de autógrafos quando a minha termina”, conta Rafa.

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